20 set 2020 - 13h24

As histórias por trás dos acervos

Cada colecionador é, de certa forma, guardião de um pedaço da história do clube. E cada coleção também acaba criando sua própria história. Nenhuma nasce, cresce ou morre de maneira igual: são todas únicas e valiosas ao seu próprio modo.

Marco Antônio Suzuki tem a sua própria história entrelaçada com a do Furacão. Seu bisavô, José Gonçalves (Marrecão) foi o primeiro capitão do clube e um dos articuladores da fusão entre América e Internacional. Seu avô, Antônio Bittencourt Camargo (ABC), foi presidente do clube em 1962. E de geração em geração o amor pela camisa rubro-negra segue sendo passada. “Meu filho é sócio do Athletico desde os 3 dias de vida”, diz Suzuki, criador do grupo de Whatsapp “Colecionadores”, atualmente com 71 participantes rubro-negros que dividem a paixão pelo colecionismo.

O colecionador Marco Antônio Suzuki e seu filho, Léo Suzuki: paixão pelas cores rubro-negras na família vem desde o nascimento do clube.
Foto: acervo pessoal

Histórias não faltam na construção da coleção de cada um dos participantes. Desde abordar catadores de papel na rua até gastar valores realmente altos, cada um já passou por situações inusitadas para enriquecer seu acervo. “Já gastei o valor de uma moto em uma camisa da década de 50”, conta Suzuki. Já Sandro Michailev, que assim como Suzuki herdou o amor pelo Athletico de família e divide até hoje suas coleções com seu irmão Rogério, prefere não investir grandes valores, mas já teve que se desfazer de outros itens de suas coleções para conseguir camisas que sonhava ter. “Pra conseguir a (camisa) Adidas branca, eu tive que abrir mão de uma faixa de campeão original do Brasileiro de 2001. E pra conseguir a Adidas rubro-negra eu acabei colocando na troca uma Rhumell branca de 96 que o pessoal adora”, diz.

Par de camisas da Adidas: Sandro teve que abrir mão de outros itens de sua coleção para realizar sonho de ter suas camisas favoritas.
Foto: acervo pessoal

Para conseguir camisas para o acervo, às vezes também é preciso estratégia e paciência. “Já programei uma viagem para visitar parentes com a segunda intenção de no trajeto passar em uma cidade para efetuar a compra de duas camisas de um ex-jogador do clube”, afirma João Cardoso Neto, que ao contrário de Sandro e Suzuki foi o primeiro atleticano em uma família de torcedores do Colorado e do Pinheiros. Outro colecionador, Eliezer Huchak, foi além: não só teve que ser paciente, como também exigiu do “vendedor” (que na verdade era um senhor que ele abordou na rua após um jogo do Athletico, e que a princípio sequer queria vender sua camisa) uma enorme paciência para aguentar suas investidas por uma  Adidas branca com patrocínio da Fasa. “Foram 2 meses mandando mensagens e sendo chato mesmo, implorando a venda da camisa, até que finalmente consegui!”, diz Eliezer, que começou sua coleção em 2010 e hoje conta com cerca de 220 itens em seu acervo. A camisa da Fasa se tornou sua favorita dentre todas. Já para outros, a sorte às vezes sorri, ainda que seja com um sorriso um pouco amarelo. André Vinicius Bezerra conseguiu uma de suas camisa do acervo de graça. Poderia ser bom, se não fossem as circunstâncias. “Uma camisa meio ‘triste’ que tenho na coleção é a que o Deivid utilizou no Atletiba que vencemos, mas fomos rebaixados, em 2011. Acabou o jogo, ele jogou a camisa para o público. Eu sou muito azarado nessas coisas, nunca ganhei nada. Mas minha mãe tinha ido ao jogo e a camisa caiu para ela, que me deu de presente”, conta.

Dias de luta, dias de glória. André Vinicius já conseguiu uma camisa em dia de rebaixamento, mas também tem em seu acervo uma camisa estimada ser do fim da década de 60/começo da década de 70 autografada por ninguém menos que Sicupira.
Foto: acervo pessoal
Persistência: Eliezer Huchak foi ao limite para conseguir uma camisa Adidas para sua coleção.
Foto: acervo pessoal

As prediletas

Apesar das coleções serem repletas de lindas camisas, algumas sempre despertam maior predileção por parte de quem as coleciona, por diferentes razões. Sempre acaba existindo alguma que remete mais ao significado do que é ser atleticano: memórias construídas ao longo dos anos de atleticanismo, amigos que se fazem simplesmente pela paixão em comum pelo Furacão, nostalgia das épocas de um Athletico que praticamente só tinha a seu favor o seu povo e nada mais, lembrança de jogadores inesquecíveis que despertavam o espírito atleticano em campo…

João Neto não consegue eleger apenas uma favorita dentre as que compõem sua coleção. “A camisa que o lateral Ariovaldo utilizou no Paranaense de 82, camisa do saudoso Sotter, bem como as camisas em homenagem ao Ricardo Pinto e Oséas, além de uma camisa Proonze rubro-negra manga longa (só conheço um outro colecionador que tenha essa camisa no formato manga longa)”, diz. Já André tem como favoritas duas camisas que ganhou em sua infância. “Tenho minha camisa da escolinha (de futebol do Athletico) até hoje, certamente o item que mais tenho carinho na coleção. Também tenho uma branca de 97 que ganhei quando tinha 10 anos. Mais tarde acabei comprando o mesmo item tamanho adulto. É interessante que os escudos das camisas infantis tinham estrelas dentro, então tem essa pequena diferença que colecionador adora”, conta André. Já Suzuki tem como favorita a camisa que lhe deu mais trabalho para conseguir, ainda que não seja a mais antiga do seu acervo. “É uma camisa de 1954. Adquiri essa camisa de um senhor que mora no capão da imbuia, o Seu Osvaldo. Ele jogou no atlético na década 50”, conta.

Enfim, razões não faltam para amar de maneira especial certas peças de uma coleção. Cada camisa é sagrada, mas algumas são capazes de despertar de maneira mais intensa o orgulho (e um pouco da loucura) de ser atleticano.

Camisa Proonze rubro-negra de manga longa: João Neto é um dos poucos atleticanos que possuem um exemplar. Foto: acervo pessoal
Escudos do uniforme dois de 1997 nas versões infantil (com pequenas estrelas) e adulta. “Diferença que todo colecionador adora”, diz André Vinicius, que conta com ambas em seu acervo. Foto: acervo pessoal
Direto das mãos do jogador: a camisa preferida de Suzuki, conseguida diretamente com Osvaldo, atleta que atuou no Atlético na década de 50.
Foto: acervo pessoal

Os sonhos

Mesmo com tantas camisas e tantas histórias, sempre há espaço para desejar e sonhar com mais itens: sejam camisas antigas que fazem imaginar como era o Athletico “recém-nascido” ou apenas camisas que despertam algum sentimento relacionado aos próprios motivos do colecionador para ter se tornado doente pelo clube.

Apegado às camisas mais antigas, Sandro sonha em encontrar alguma das primeiras décadas do clube. “Até hoje, a camisa mais antiga que eu vi por aí circulando é da década de 50. Imagina se pinta uma camisa da década de 20, 30, 40, com comprovação… Seria espetacular”, diz Sandro, que também tem ficado atento às camisas da Rainha que surgem para venda, pois gostaria de ter um par de camisas deste fornecedor, que remetem ao ano em que ele nasceu. Já André não se apega tanto à idade das camisas, mas sonha em ter itens de ídolos que nutriram seu amor pelo Athletico ainda na infância e adolescência. “As que eu tenho como sonho nem são as mais antigas, mas as de jogadores que eu admirava quando era mais novo. Uma do Gabiru ou do Kleberson das primeiras Libertadores, por exemplo”. Eliezer, por sua vez, tem desejado um item bem específico. “A que mais me chama atenção e que eu ainda não tenho é a Adidas manga longa, rubro negra, com patrocínio Bamerindus” da final do Paranaense em 1990”, diz.

E em que pese seu desejo específico, Eliezer também confidencia o que no fim das contas deve ser um sonho de muitos que colecionam. “Sonho em ter todas!”. Apesar de reconhecer ser impossível, este sonho não precisa exatamente de uma realização: se ele fizer caminhar, já valeu a pena ser sonhado. E os colecionadores caminham, passo a passo, enriquecendo suas coleções com fragmentos da história do Furacão e da memória do seu povo: memória, esta, que vai ser pra sempre pintada em listras rubro-negras, não importando o sentido.



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