23 mar 1999 - 14h15

Alfredo, um atleticano de família

Alfredo Gottardi Júnior foi jogador do Atlético. Ele é filho de Caju e sobrinho de Alberto, ex-goleiros do clube. A entrevista foi realizada em 1999. A intenção era entrevistar, juntos, Alfredo Jr. e seu pai, Caju. Porém, o estado de saúde de Caju não permitiu que os dois pudessem falar da saga da família Gottardi no Atlético. De qualquer forma, as palavras de Alfredo valeram pelas de seu pai. Confira a entrevista exclusiva:

O senhor vem de uma família de atleticanos, não apenas de torcedores mas de jogadores e, mais do que isso, ídolos do Rubro-negro. Como a família Gottardi entrou na vida do Atlético?
Isso foi há muito tempo, antes ainda do tempo do meu pai. O tio Alberto, irmão mais velho, foi o primeiro a jogar no Atlético, como goleiro. Ele inclusive parou de jogar quando meu pai começou a aparecer no cenário esportivo, quando tinha apenas 15 ou 16 anos. O tio Alberto parou de jogar para dar lugar a meu pai, por volta de 1934. Assim começou a sina dos Gottardi no Atlético. Por coincidência meu pai casou com uma Cecatto, minha mãe, cujos irmãos também foram jogadores do Atlético. E da Seleção Paranaense.

Tinha uma dupla, Cecatto e Cecattinho…
É, o tio Osvaldo era o Cecattinho e o tio Ari era o Cecatto. E, ainda, por parte dos Gottardi, tinha o Aldir, que chegou a jogar comigo; o Rui, numa fase anterior a mim e que chegou a jogar com o pai; o Almir, ponta-esquerda que também jogou no Atlético; o meu irmão Celso, que também jogava no gol e acabou “herdando” o apelido de Caju e que largou o futebol para seguir carreira militar. O interessante é que, na árvore da minha família, todos são atleticanos, tanto os Gottardi como os Cecatto.

Destes, excetuando-se o senhor e o Caju, quais foram os que mais se destacaram?
O tio Alberto chegou à Seleção Paranaense; o tio Armando não teve tanta expressão, mas era ótimo jogador; o Rui jogou no Furacão de 49 e foi o melhor meia do estado na época; o Aldir, um pouco depois, também era muito bom; e o Almir, ponta-esquerda, não se destacou tanto porque parou cedo, mas era muito bom. Ele parou no profissional, mas continuou na suburbana, no Ipiranga, que foi onde comecei minha carreira…

O seu começo no Atlético parece que foi muito difícil, por causa das cobranças devido ao fato de ser filho de ídolo…
Eu não sentia muito a pressão porque eu era muito irreverente. Eu não me afetava pelo fato de meu pai e tios terem tido carreira no Atlético. Inclusive eu fiz a opção de não jogar no gol por causa disso, para não haver comparações. Se eu jogasse no gol fatalmente seria cobrado. Meu pai foi para a Seleção Brasileira em 1942. Imagine, mal e mal existia o telefone. Não havia nem estrada de rodagem para se chegar ao Rio de Janeiro, e o meu pai foi convocado e foi titular. Ele foi um fenômeno. Todo mundo que viu o pai jogar diz que, até hoje, ninguém conseguiu superá-lo. Apesar da estatura, cerca de 1,74 m, ele tinha uma impulsão impressionante. O Caju era um verdadeiro atleta: era campeão de salto com vara, lutava boxe, era um atleta completo. Por isso eu fiz a opção de jogar na linha. Inclusive no início eu era meia-esquerda…

E como foi parar na zaga?
Eu tive uma ascensão muito grande. Em 1961 eu joguei no juvenil do Atlético e fui para a seleção paranaense de amadores, onde fui considerado o melhor jogador do campeonato brasileiro. Então eu voltei com muita moral, só que o time do Atlético na época era muito bom, jogava o Válter, o Aldir (meu primo), e eu estava com uns 17 anos. Isso causou uma certa dificuldade para eu me firmar no time. Tanto é que em 1964 eu fui para o Coritiba, onde fiquei por dois anos, no time principal. Na verdade, só saí do Coritiba porque eles não acreditavam que eu podia render mais, já que tive uma contusão e operei o joelho…

Pra sua sorte, então…
(risos) Em termos foi sorte mesmo, porque daí o Nivaldo Gouveia era o treinador do Atlético e começou a me escalar no time titular. Comecei na meia, depois fui para volante. Eu vinha jogando, mas em 68, quando o Atlético fez aquele supertime para disputar o Brasileiro, eu fui afastado. E, como eu tinha a convicção de que eu era melhor, não admitia ficar na reserva. Larguei tudo e fui-me embora, não queria mais saber de jogar, só no amador. O técnico do time amador do Atlético, o Anura, me chamou pra jogar lá, em 69, e como eu tinha muita amizade com ele eu fui jogar no time de aspirantes. Só que daí o Atlético contratou o seu Alfredo Ramos para ser o treinador, e ele me convidou para voltar ao profissional. Eu me negava, mas ele tanto insistiu que um dia não agüentei mais e voltei. Ele me colocou como volante titular, no lugar do Nair, que tinha sido contratado do Corinthians. Até que num jogo amistoso contra o Água Verde o Tião, que era quarto-zagueiro, contundiu-se e o seu Alfredo colocou o Nair na defesa. Mas durante o jogo eu troquei de posição com o Nair, já que era amistoso mesmo… O seu Alfredo ralhou no começo, mas depois acabou me deixando na posição. Ele me ajudou muito no meu posicionamento, já que ele foi um grande zagueiro. Depois dos treinamentos nós ficávamos cerca de uma hora a mais treinando. Então esta ascensão que eu tive foi graças a ele.

O que mais marcou em sua carreira no Atlético?
O Campeonato de 70… Eu estava me firmando como titular e fomos campeões…

Lá em Paranaguá, contra o Seleto…
É. Foi uma festa como eu nunca tinha visto. Uma fila de carros de Paranaguá a Curitiba, tomando toda a estrada, com o pessoal fazendo festa. Eu me emociono muito com isso, até hoje.

Título de 70: melhor lembrança

E depois do Atlético o senhor ainda deu uma “saída” para o futebol mexicano. Mas aonde mais o senhor jogou fora o Atlético?
Joguei pelo São Paulo, emprestado, no Campeonato Brasileiro de 1972. Em 73 o Atlético me requisitou de volta. Fiquei até 1977, quando fui para o México, onde fiquei até 79. Me dei muito bem lá, fui considerado o melhor estrangeiro do campeonato logo no meu primeiro ano. Em 79 eu voltei, porque minha esposa não se adaptou àquele país, tinha muita saudades dos parentes.

E depois do retorno o senhor jogou ainda por aqui?
Eu já vim para o Brasil com vontade de não jogar mais. Mas estava começando o Campeonato Brasileiro e o Hélio Alves, que era supervisor do Atlético, foi lá em casa pedir para que eu voltasse a jogar. E ele me convenceu, falou que o Atlético estava precisando de um jogador experiente para jogar lá atrás, que era um time em formação… Daí eu voltei, mas joguei só mais quatro meses, até o final do Brasileirão, no final de 79. O Atlético tinha um time sofrível na época, os jogadores tinham problemas de relacionamento com o treinador, o Lori (Lori Sandri). Ele queria ser muito rígido, marcava treino para as sete da manhã. E eu falava pra ele: “Lori, não é assim… Se o jogador gosta da noite, é melhor que ele volte às duas da madrugada pra casa e venha treinar às 10. Se você marca treino para as sete horas, ele fica até as seis na gandaia e vem direto pro treino…” E era o que realmente acontecia, pela experiência que eu tive. Resultado: o Lori acabou caindo e os jogadores pediram para que eu assumisse como treinador.

E assumiu?
Assumi. Disputamos o torneio da morte, em 1980, e fomos campeões. Depois fomos para o Brasileiro da segunda divisão e terminamos invictos. Com aquele mesmo time, apenas com o reforço de alguns juniores que estavam se destacando.

Mas no ano seguinte, quando o time iria ser reforçado, eles (a diretoria) disseram que precisavam de um treinador mais experiente.
Peguei meu boné, fui pra casa e não voltei mais.

Esta foi sua única experiência como treinador?
Não, depois treinei o amador do Atlético. Fomos tricampeões da Taça Cidade de Curitiba, campeões da Taça Paraná. Mas o amador é muito diferente. Ainda hoje recebo convites para treinar times profissionais, mas acho que já não é mais hora.

E não tem intenção de voltar a treinar?
Talvez daqui a alguns anos, depois que eu me aposentar. Talvez aí haja tempo. Este ano ainda estou trabalhando na Fundação Itaipu.

O senhor sempre jogou pelo Atlético na Baixada. Hoje em dia o rubro-negro enfrenta problemas por ter que jogar em outros estádios, e isso vem ocorrendo desde a década passada. Você acha que o Atlético perde suas características jogando fora do ‘Caldeirão’?
Não, não acredito nisso. Porque, pelo menos na época em que eu joguei, na década de 70, os jogadores do próprio Atlético tinham muita dificuldade para jogar na Baixada. Primeiro porque o gramado não era perfeito e criava problemas. Depois, porque, pela distância que o alambrado ficava do campo, dava a impressão de que o campo se encurtava, e qualquer time que jogava fechado criava muitas dificuldades. Além disso, nossa torcida, você sabe, sempre foi inflamada. Quando chegava a uns 20 minutos, e não saía gol, a pressão era contra a gente. Eu mesmo tinha muitos problemas com a torcida, porque eu pegava a bola lá atrás e enquanto a torcida não parasse de gritar eu não saía jogando. Então, isso era um problema. Eu sentia que, se nosso time ficasse nervoso, não ganhava de ninguém ali dentro. A pressão da torcida causava um nervosismo nos jogadores, o que não é bom.

Há um consenso hoje de que a Baixada ajuda o time. Mas, então há o lado positivo e o negativo?
Claro, porque se o Atlético tiver um supertime, que vá pra frente e que marque gols no início da partida, é um jogo. Agora, se o Atlético tiver um time que não tenha muita experiência e enfrentar um time razoável, com a pressão da torcida… Acho que hoje, por exemplo, o Atlético teria problemas se estivesse jogando na Baixada, porque não tem jogadores experientes, que pisem na bola e acalmem o time. Na época, nós sempre pedíamos para jogar no campo do Coritiba, principalmente contra times pequenos, porque tínhamos certeza de que ganharíamos.

Falando-se em Atlético e Baixada, acontece algo sui generis que não é visto em nenhum outro clube: boa parte da torcida é até mais apaixonada pelo estádio do que pelo time…
É. Eu nasci quase dentro do Atlético, no Água Verde. Me criei naquele campo. Meu tio era supervisor do estádio e ajudávamos a cortar a grama e a varrer o campo. Na época não tinha máquina elétrica, era com alfanje mesmo, e me lembro que ia meu pai, meus tios, meus primos… Os mais velhos cortavam a grama, e os primos mais novos varriam. E ai de nós se deixássemos um pedacinho de grama que meu tio nos quebrava de pau… (risos) Eu acredito que hoje, com o estádio que está sendo feito, pela localização… pelo reduto atleticano que é o Água Verde… é um estádio de fácil acesso, todas as linhas de ônibus e vias rápidas passam perto da Baixada. Será fantástico.

A torcida atleticana já era fanática naquela época?
Sim! Talvez até mais. Nós íamos jogar em Bandeirantes, iam junto uns cinco ônibus da torcida. Ia para Maringá, era a mesma coisa. Sempre foram fanáticos. Até hoje tenho amizade com o pessoal que ia a campo na época, porque eles conviviam conosco. Sempre fazemos jantares e churrascos hoje em dia, conversamos sobre o Atlético da época e o Atlético atual… do sofrimento que a gente ainda tem… (risos) . Eu não vou ao campo hoje, porque eu me nego a ir no Pinheirão. Eu gosto de conforto. Mas mesmo assim a gente sofre.

Há quanto tempo o senhor não freqüenta os estádios?
Ah, uns 20 anos, desde que eu parei de jogar. Fui umas duas ou três vezes.

E não sente falta de ver um jogo do Atlético?
Sim, realmente sinto. Mas é como eu falei: me nego a ir em estádio onde eu me sinto mal e não assisto o jogo. Eu fui uma vez no Pinheirão, com meu filho ainda pequeno, não pude ver nada e nem ele. No intervalo eu fui embora.

Como o senhor vê o Atlético dos anos 90?
O Atlético evoluiu bastante, em termos de profissionalismo. Não são mais aqueles dirigentes amadores, que sonhavam com um Atlético grande mas que não tomavam atitudes para isso. Nós tivemos bons times nas décadas passadas, mas não eram elencos realmente fortes. Hoje é diferente.Só espero que o Atlético dê continuidade a este trabalho que o Petraglia está fazendo. Ele ressuscitou o Atlético como clube, resolveu desmontar um estádio pronto para fazer uma obra monumental. Eu fiquei emocionado ao ir ver as obras há alguns dias, fiquei impressionado com o tamanho da obra. Se o Atlético tiver presidentes com a visão que o Mário Celso (Petraglia) tem, tenho certeza que se firmará como um dos maiores clubes do Brasil.

O senhor tem um bom relacionamento com o presidente Mário Celso Petraglia e com a atual diretoria do clube?
O Mário Celso é mais ou menos da minha idade. No tempo em que jogávamos futebol de pelada na rua, lembro-me que ele ficava olhando a gente jogar, ele não jogava. Eu o conheço desde aquela época, desde a infância. Não assim de ter uma grande amizade, mais eu o respeito muito pelo excelente profissional que é. Inclusive eu estou torcendo para que ele reveja sua posição, porque parece que ele quer deixar a presidência em dezembro, mas espero que ele fique por mais dois anos para estabilizar o Atlético, para deixar o clube, com todas as obras prontas e as dívidas pagas, em condições de se firmar entre os grandes times do Brasil.

Na década passada o senhor foi eleito por uma pesquisa da revista Placar como o zagueiro do melhor Atlético de todos os tempos. Na sua opinião, qual é o melhor Atlético de todos os tempos?
Ah, eu sou suspeito para falar, porque eu tenho amizade com muitos atleticanos… E eu posso cometer alguma injustiça com os jogadores de antes da minha época, que eu não vi jogar… Eu, na realidade, não vi meu pai jogar. Eu só vi o Jackson no final de sua carreira, quando eu era menino, e era um craque. O Nílson eu colocaria tranqüilamente entre os melhores.

Eu comecei esta entrevista perguntando como a família Gottardi entrou na vida do Atlético. E as próximas gerações? Seus filhos e sobrinhos não pensam também em jogar no Atlético, e dar seqüência à tradição da família?
Pois olhe, por incrível que pareça todos nós, meus primos e irmãos, somos casados e temos filhos na casa dos 20/21 anos, mas ninguém quis. O meu filho, o Alison, que era o que mais levava jeito para o futebol, não quis dar continuidade. Uma vez eu o levei para treinar no Atlético e ele foi aprovado nos testes. Uma semana depois eu encontrei o treinador e ele me perguntou por onde andava meu filho. Ele não estava indo treinar. Chegando em casa perguntei pro Alison porque ele não estava indo. E ele me disse: “Ah, pai, eu vou lá pra jogar bola e eles querem fazer educação física! Eu quero jogar bola!”… Daí eu falei pra ele esquecer a carreira, porque hoje o futebol é 90% de preparação física. E ele tem muita habilidade com a bola. E com os outros sobrinhos foi a mesma coisa. O Marcelo, filho da minha irmã, tem 20 anos e nunca quis saber de bola. O filho do Aldir também não quer saber.

Mas ao menos eles são torcedores?
Como torcedores sim, são todos “doentes”. Meu filho vive na torcida organizada, com camisa, bandeira, chora quando o Atlético perde… É uma paixão mesmo. O Atlético é paixão…



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