18 jul 2002 - 19h25

Leia uma crônica sobre Kleberson e a Copa

A Furacao.com publica hoje um texto do jornalista Arnaldo Hase, que publicou várias colunas durante a Copa do Mundo na Gazeta do Povo. Comentários e sugestões podem ser enviados diretamente para o autor: arnaldohase@uol.com.br. Envie também uma cópia para nossa Equipe (equipe@furacao.com), de modo que possamos saber do interesse da torcida em textos como esse.

A Copa sob o olhar do coração
por Arnaldo Hase

No momento em que o mundo revia as imagens marcantes da Copa, exaltando as 5 estrelas que cintilam em nosso peito, eu caminhava em direção a uma casa humilde, nos arredores de Curitiba. Pego uma máquina do tempo e chego mais rápido – ufa, alcancei o presente!

A Dona Valéria abre a porta, sob o perfume de um café que acabou de sair, e me leva ao Seu Alceu. Cego de nascença e esbanjando vitalidade aos 87 anos de idade, o amável senhor diz que adorou a cena de Cafu erguendo a taça para os deuses, em cima da tribuna. É justamente esse o ponto que quero abordar, digo. Como soam as imagens da Copa para quem nunca enxergou?

Alceu sorri e muda o sentido da minha vida com a seguinte descrição. “Eu acompanhei todas os Mundiais, Arnaldo. Ninguém conhece aquelas imagens como eu. Em 1930, imaginei o atacante uruguaio Castro, que não tinha a mão direita, fazendo o gol do título. Em 34, chorei ao sentir os jogadores italianos entrando em campo de uniforme preto, em homenagem ao fascismo de Mussolini, mas morri de rir em 38, quando Leônidas fez o gol de pé descalço contra a Polônia…”

Pelos óculos escuros do velho, vi minha própria imagem. Achei a cena muito estranha.

“Me recuso a falar de 50, mas eu vi tudo. Barbosa foi crucificado, mas não falhou no 2º gol deles. Em 54, me surpreendi com o futebol dos húngaros e aquele ataque matador, e antes mesmo que a Copa seguinte começasse eu já apostava em Pelé. Aliás, aquele gol contra a Suécia em que ele mata no peito, dá um chapéu no zagueiro e fuzila o goleiro foi o mais bonito que eu não vi.”

Ensaiei um sorriso imaginando, talvez, que ele pudesse enxergar meu gesto de simpatia.

“Depois teve o nosso bi-campeonato, no Chile, quando minha cabeça ajudou a testar a bola de Garrincha para o gol dos ingleses, que na Copa seguinte, em Wembley, ganharam roubado na final. Não precisei de replay para saber que aquela bola não entrou!”.

“Em 70 me emocionei com o tri e com Beckenbauer jogando de braço quebrado; em 74, não acreditei quando meu sobrinho me falava do carrossel holandês e em 78, na Argentina dos militares, assisti na minha mente o goleiro peruano facilitando a vida dos donos da casa.”

“Na década de 80, quis mandar Paolo Rossi para aquele lugar e tive a visagem da Mão de Deus, naquele gol do Maradona. Em 90, teve a seleção de Camarões e só. Depois eu me enrolei na bandeira do Brasil para comemorar o tetra e em 98 fiquei imaginando uma final diferente”.

“Mas nada me emocionou tanto quanto uma bola na trave. Quando o Kleberson se preparou para o chute, no domingo, minha alma viajou. Para mim, cegos são vocês todos, porque aquela bola entrou”.

Desviei meu olhar de Seu Alceu e pousei num pequeno quadro do Atlético Paranaense, no criado-mudo da poltrona onde o velho repousava. Quando tudo se encaixava em minha cabeça, ele sorriu e definiu sua vida. “Vi tudo isso, Arnaldo. Vi com o coração”.



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