A voz dos gols e das emoções
Há mais de trinta anos atuando como jornalista, Luiz Augusto Xavier descobriu, logo na estréia da profissão, que o caminho seria de muito sucesso. Foi no jogo entre Coritiba x Santos, no começo dos anos 70, que ele entrevistou a primeira pessoa num campo de futebol. E não era uma pessoa qualquer. Era ninguém menos que o Rei Pelé. Já na metade da mesma década, começou na televisão. Para não quebrar a corrente da excelente estréia no rádio, sentou na bancada do antigo “Jogo Aberto” e informou que estava nevando em Curitiba. Sorte? De acordo com Xavier foram apenas coincidências. Coincidências à parte, a Furacao.com entrevistou um dos melhores narradores de futebol do Brasil. Hoje trabalhando na Rádio CBN e na Editora O Estado do Paraná, Luiz Augusto Xavier é um visitante assíduo do nosso site. Não são raras as vezes em que uma simples pesquisa que vai ao ar na página inicial, vira tema para uma coluna inteira. “O trabalho que vocês fazem é jornalismo puro”, afirma.
Saiba tudo sobre o Xavier, como ele começou a carreira, qual o melhor jogador que já vestiu a camisa do Atlético, qual o gol do Furacão mais bonito que ele narrou, os segredos do time Campeão Brasileiro de 2001 e, principalmente, as opiniões dele sobre os colegas de profissão.
Dizem que todo jornalista esportivo é um jogador frustrado. É o seu caso?
Não, eu nunca cheguei a tentar. Eu até joguei bola no tempo de colégio. Eu era um zagueiro central limitado, transformei-me num lateral-direito mais limitado ainda (risos), mas não era a minha seara. Eu sempre gostei de outros esportes. Eu pratiquei vôlei na época do colégio, até fui campeão paranaense jogando pelo Colégio Militar. Sempre gostei muito de esporte amador, principalmente a natação. Como eu me realizo na natação até hoje, então nunca me atraiu essa história de ser jogador de futebol. Eu queria ser guitarrista de rock. Futebol, só acompanhando.
Então como começou sua carreira na crônica esportiva?
Eu fiz Administração, eu não fiz Jornalismo. Na época, até 72, havia essa possibilidade de fazer outro curso e obter o registro profissional. Eu estava na faculdade e sempre tive paixão por rádio e por jornal. Eu narrava futebol de botão com gravador, essa coisa que quase todo narrador de futebol tem. Daí eu vi um anúncio da Rádio Cultura, que estava melhorando o nível de seus quadros e queria contratar universitários. Então eu comecei como locutor comercial. E tinha um comentarista esportivo na rádio, que era o Júlio Silva, hoje Júlio Militão, que quase foi presidente do Coritiba. Mas a rádio tinha programa, mas não tinha transmissão. E um dia veio o Santos jogar aqui contra o Coritiba. Foi um jogo feito como parte de pagamento da venda do goleiro Joel Mendes. E eu perguntei: “a rádio não vai transmitir esse jogo?” Eles me responderam que a rádio não tinha repórter. E eu na hora: “mas eu sou repórter!” Nunca tinha sido repórter, mas fui lá. Era noite no Alto da Glória, começo do ano de 70. Começou a transmissão e o locutor passou para mim: “E agora, cobrindo o Santos, Luiz Augusto Xavier”. Quando eu virei para trás, o primeiro cara que eu vi foi o Pelé. Foi o primeiro cara que eu entrevistei na vida! Eu olhei para ele, comecei a tremer e o Negão meio que sentiu a coisa, foi me acalmando. Esse foi o meu começo. Logo em seguida entrei no jornal, exerci a profissão por dois anos para obter o registro de jornalista e daí terminei o curso de Administração, mas só para obter o diploma.
Quando você narra, você pensa em quem não está vendo o jogo ou há uma preocupação com quem está no estádio?
Basicamente com quem não está vendo o jogo. Porque quem está no estádio, bem ou mal, está vendo o jogo. Tanto que tenho uma preocupação, para a qual o Airton foi importante, de você tentar sempre informar onde está a bola. Se passou do meio-campo, se está na ponta direita, se entrou na área ou não, para quem está em casa tentar visualizar e saber exatamente onde a bola está. Evidentemente, para o cara que está em campo, a narração é um complemento das informações sobre as dúvidas que ele possa ter.
Você já passou por televisão, rádio e jornal. Em qual mídia você se sente mais à vontade?
O que mais me satisfaz é o texto, o jornalismo escrito. Gosto muito do rádio, gosto da televisão, mas eu poria nessa ordem: jornal, rádio e tv. A palavra me fascina. Principalmente depois que eu comecei a fazer coluna, fiquei encantando com essa possibilidade de poder interagir com o leitor. Por exemplo, às vezes minha coluna é basicamente de correspondências. Eu costumo sempre responder, a não ser que o cara me xingue. Mas quando é um e-mail discordando, mas com educação, eu publico.
Você está na Editora O Estado do Paraná desde que ano?
Desde 76. Eu trabalhava na Gazeta, na verdade. Eu entrei no Geral da Gazeta em 73, através de um concurso. Entramos eu e o Arnaldo Cruz, que hoje é diretor de redação da Gazeta. Mas aí um dia eu estava no Bar Palácio jantando, depois de um jogo, e encontrei toda a cúpula da TV Iguaçu, Canal 4, que na época era a Globo. Daí começa aquela conversa que estavam precisando de um apresentador para o jornal do meio-dia e alguém falou: “Xavier, poderia ser você!”. Eu pensei que era conversa de bar, mas no dia seguinte me liga o Renatinho, da redação da TV: “Escute, você não vem aqui?” Daí eu entrei na televisão, em 75. Eu estreei apresentando um jornal chamado Jogo Aberto, que eu fazia junto com o Ivan Curi, em 17 de julho de 1975. Eu não me esqueço porque a primeira notícia que eu dei foi: “Nevou em Curitiba”.
Suas estréias foram marcantes: entrevista com Pelé e neve em Curitiba!
Coincidência. Daí eu fiquei um ano e pouco trabalhando na Gazeta e na TV Iguaçu. Até que um dia o Candinho Martins de Oliveira, que era diretor do Grupo Paulo Pimentel, chegou para mim e perguntou porque eu trabalhava na Gazeta e não no Estado do Paraná, que era do mesmo grupo. Então, eu fui para o Estado como editor de Esportes. Não existia editor de Esportes no Estado. O caderno era feito da seguinte forma: a Sonia Nassar, que era repórter da Tribuna, dava uma enxugada no material da véspera, fechava o Estado e daí que ela ia para o treino. Só que eu fui para o Estado e não saí da Gazeta. Não precisava, porque eu trabalhava de manhã na Gazeta e à tarde no Estado. Só que uma hora não deu mais e eu fiquei só no Estado e estou lá até hoje, só saí por uns tempos em 81, 82, para dirigir a então Rádio Estadual, hoje Rádio Educativa. Eu voltei para a Tribuna com a morte do Amatuzzi. Fiquei na Tribuna lá até 87 e voltei depois para o Estado.
E quando você voltou ao rádio?
O Osvaldo Tavares de Mello, hoje presidente da ACEP, montou um time de desempregados, com a turma que estava sobrando na época. Mas era um timaço: Sicupira, Wilson Maciel, Portela, Josias e Foguetinho começando. Tinha quatro narradores, seis repórteres e chamava “O Time da Boca”, na própria Capital. Foi aí que eu dei uma revigorada no rádio. E minha volta definitiva foi em 85, quando o Hidalgo separou-se do Lombardi, saiu da Rádio Clube e resolveu montar uma equipe na Cidade. Nós montamos uma equipe que deu sorte, porque nós pegamos a campanha do Coritiba no Brasileiro de 85. Deu tanto retorno que conseguimos fazer a Copa do Mundo de 86. Foi a única rádio na história de Curitiba que fez uma Copa sozinha. Fiquei na Rádio Cidade até 90 e na volta da Copa da Itália fui para a Rádio Independência. Trabalhei ao lado do Fernando César, que é uma pessoa maravilhosa para mim e é o melhor narrador esportivo do Paraná hoje. Trabalhei nove anos lá, saí em 99, passei mais um ano com o Hidalgo na Rádio Cidade, fiquei um pouco na Rádio Clube, mas daí saímos já com convite da Transamérica. Tive um ano e meio fantástico na Transamérica, uma mudança total, aquela coisa de Tio Américo, mugido de vaca e tal. Eu particularmente gostei muito. A Transamérica tem um cara muito bom, que é alma dessas coisas, chamado Douglas Bay, que é um menino que fica na sonoplastia e você fala alguma coisa, ele aperta um botão e faz um som. Ele tem presença de espírito, tirocínio, agilidade. Aquilo foi uma mudança fantástica no rádio. Daí nós fomos para a Capital Play, levamos inclusive o Tio e os repórteres, mas não engatou muito por problemas financeiros. Quando a CBN me convidou, eu conversei com o Osires, por questão de ética, mas ele me liberou.
Como foi aquela experiência no TJ Esporte, em que cada dia era um apresentador diferente: você, o Josias Lacour e o Foguetinho?
Como nós três trabalhávamos no jornal, o diretor da televisão disse que estava precisando de apresentadores para um programa de esportes. Tudo que se vendesse naquele horário seria dividido meio a meio entre nós e a tv. Aquela história que às vezes você sabe que não funciona. Primeiro porque nós não somos homens de vender. Nós queríamos que eles vendessem para a gente pegar metade. Só que para eles também não interessava, porque teriam que dividir com a gente. Mas foi uma experiência interessante porque nós éramos apresentadores e repórteres ao mesmo tempo. Como jogador fala quase sempre tudo igual, a gente gravava tudo na terça-feira e aproveitava o material durante a semana. Mas deu certo, o programa teve uma audiência boa.
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E narrar jogo na tv, é diferente?
É diferente porque você tem de ficar mais quieto. O básico na televisão é dizer o nome do cara. Se você enfeita demais, acontece o que está acontecendo com esses narradores aí: não dão o nome de ninguém que faz o gol. Podem prestar atenção: “Olha a bola na área, olha o periiiigo”. Depois é que ele vê o cara correndo e diz quem marcou. Se o cara tira a camisa para comemorar, então, o cara está ferrado. Mas eu tenho vontade de voltar à televisão, acho que é uma mídia interessante. Eu cheguei inclusive a estudar uma proposta quando a TV Paranaense começou a narrar futebol. Eu fui procurado antes de trazerem o Luiz Alfredo. Não deu certo porque a coisa vazou e lá em cima, entre os patrões, decidiu-se que eu não deveria ir.
Você acha então que prejudica para o jornalista revelar seu time?
Acho que prejudica. Principalmente da forma como tem sido feito hoje. Muitas vezes uma opinião fica comprometida. Se as pessoas me identificam como atleticano, as pessoas vão dizer: “Mas esse cara é atleticano, será que eu devo confiar?” Então isso sempre pesa. Não vai pesar para um Armando Nogueira, por exemplo, que é um botafoguense histórico, mas nunca mexeu muito com isso e conseguiu fazer uma carreira acima do bem e do mal. Então, revelar o time prejudica. Mas a culpa é também um pouco nossa, porque nós criamos muito isso: é o repórter do Atlético, o repórter do Coritiba, do Paraná. Então o cara não sai de lá, só comenta um clube. Então nós tivemos muitos casos de jornalistas brilhantes que perderam o mercado por isso. O Foguetinho foi um deles, que é um grande profissional, mas que hoje não pode trabalhar em nenhuma emissora de rádio que não seja para cobrir o Coritiba. O Josias, que foi um dos mais brilhantes repórteres que houve no estado do Paraná, começou a perder terreno até dentro do próprio Paraná Clube.
Mas você torce ainda hoje?
Sabe que muito pouco? Eu vejo a coisa pelo lado bem racional: para mim, se os três clubes forem bem, nós vamos vender mais jornal, vamos ter mais patrocínio. Então, eu sou incapaz de torcer contra. Eu lembro até hoje que fiquei possesso naquele jogo Atlético e Atlético Mineiro, na Libertadores de 2000. Metade do jornal estava contra, torcendo para o Atlético Mineiro ganhar. Eles estavam trabalhando contra a própria profissão.
E isso é uma característica da imprensa paranaense ou é geral?
Tem muito da imprensa daqui. As outras não são tanto assim. Os gaúchos, por exemplo, são Rio Grande acima de tudo. Ao contrário do torcedor, que eu acho que tem todo direito. Se o adversário for jogar contra o Arsenal, tem de comprar a camisa do Arsenal mesmo. Isso é paixão, é coisa de arquibancada. Agora, nós da imprensa temos de pensar na coisa como um todo. É verdade que eu torço pelos três, mas às vezes no confronto direto o coração mexe um pouquinho. Mas só no confronto direto.
Vamos falar do Atlético agora. Qual foi o melhor jogador que você viu jogar no Atlético?
Zé Roberto. Ele era completo. Acho até que ele foi melhor no Atlético do que no Coritiba. O Zé tirava jogadas do nada e teve uma identificação muito grande com o time de 68. Ele era fantástico, um jogador com muito recurso. Na década de 70, acho que o melhor foi o Sicupira. Como jogador objetivo, como artilheiro, ele foi inigualável. Era um jogador utilíssimo, tinha uma cabeça privilegiada e tinha uma capacidade de visão de jogo muito grande. Nos anos de 80, eu destacaria o Roberto Costa. Como eu não vi o Caju jogar, acho que Roberto foi o melhor goleiro que eu vi no Atlético.
Vamos dividir a década de 90. Quem foi o melhor até 95?
Não consigo lembrar de ninguém. Talvez o Renaldo.
E depois?
Pela importância, acho que o Paulo Rink.
E na geração atual, quem você destaca?
Adriano, sem dúvida. Esse é um fora de série.
O Luiz Eduardo Xavier comentou no Blog Furacao.com que o Ilan foi o melhor centroavante do Atlético nos últimos dez anos. A afirmação causou muita polêmica. Você concorda com ele?
Eu acho que é meio cedo. Mas ele é tão bom tecnicamente que ele estava errando porque estava exagerando. Acho que ele não estava preparado fisicamente, tanto que teve problemas assim também no Paraná e no São Paulo. Ele tinha tanta confiança na técnica, que só fazia golaço. Só que durante uma fase em que ele tinha voltado da operação, ele queria fazer aquilo que fazia antes, mas o corpo não ajudava. Eu acho um bom jogador, mas não sei se chegaria ao ponto de afirmar que ele foi o melhor dos últimos dez anos.
Qual foi o gol mais bonito do Atlético que você narrou?
O gol mais bonito do Atlético eu não narrei. Foi aquele do Paulo Rink, em Santos. Mas o gol mais bonito que eu narrei, acho que pela vibração e pela importância, foi aquele do Lucas em Montevidéu, o terceiro gol. Cruzaram e ele pegou de fora da área, de voleio. É legal você estar na Libertadores cobrindo o time daqui. Naquela vez nós estávamos viajando com o Atlético, com um time nosso, paranaense. E aquele jogo em Montevidéu me marcou muito pela importância do Nacional.
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Quais as diferenças entre as duas Libertadores de que o Atlético participou?
Na primeira vez, ninguém sabia quem era o Atlético. Quando a gente foi para Lima, para aquele jogo contra o Alianza, nem sequer chamavam o time de Atlético, era Paranaense. Eles conheciam o Lucas, da Seleção e o Kelly, só. Eles não davam a mínima. As manchetes dos jornais peruanos só questionavam o placar da partida, porque a vitória para eles era certa. E se assustaram realmente. No dia seguinte, eles dera muito pau no time deles, mas souberam reconhecer que o Atlético Paranaense era um bom time, era uma equipe com recursos, elogiaram muito o Luisinho, que tinha feito o primeiro gol. O segundo jogo fora, que foi em Montevidéu, já não foi um impacto tão grande assim porque já era o quarto, quinto jogo. O Atlético já tinha mostrado a cara, já era líder. E depois teve o jogo do Emelec, que foi 0 a 0, um jogo terrível. Mas daí já receberam o Atlético como líder, já era “Atlético Paranaense”. Na segunda Libertadores, na condição de campeão brasileiro, em Riobamba, eles achavam que iam perder. O Olmedo achava que ia perder. Mas eles ganharam e ganharam bem. Até hoje não sei o que aconteceu com o Atlético naquele jogo. Esse de La Paz eles achavam que tinham a condição de segurar as pontas e com o resultado até comemoram terem obtido o empate, mas não gostaram, obviamente. Agora, o jogo de Cáli, eles tinham certeza que iriam ganhar. E você sentia nos próprios jogadores do Atlético que eles não tinham confiança. Aquilo foi um desastre, o Atlético levou de 5, eu não sei explicar o que aconteceu.
Qual a sua análise sobre a gestão de Mário Celso Petraglia?
Eu acho que ele é um cara muito importante para o Atlético, foi o grande responsável por essa mudança, mas eu acho que hoje falta alguém para acompanhá-lo ou para dividir com ele algumas decisões. Ou até quem sabe para contestar ou apoiar algumas coisas que ele faça.
E existe alguém capaz de cumprir essa função?
Existem alguma pessoas capazes lá no Atlético, mas que estão separadas hoje. O êxito do Atlético deve-se ao trabalho que foi feito por todo esse grupo. Com o ideal do Petraglia, digamos assim, mas explorado esse ideal pelo consenso que havia naquele Conselho Gestor. Ou se não havia, pelo menos isso não saía das paredes do Atlético. A imagem que se passava é que estavam todos unidos, por mais que quebrassem o pau lá dentro. A partir do instante em que aquilo extrapolou as fronteiras da sala do Conselho Gestor e eles começaram a não se entender, o Atlético sofreu um bocado. Houve divisão de correntes. O que um achava era isso, esse era jogador do outro, a contratação desse técnico não vai ser legal porque foi o outro que indicou. O Atlético tem hoje uma posição interessante, mas que poderia ser muito melhor se tivesse alguém hoje que pudesse apoiar, aplaudir ou contestar algumascoisas que o presidente faz. Não sei até se ele não gostaria de ter alguém que fizesse isso. Hoje lá dentro do Atlético acho que não tem ninguém que faz isso.
A relação de proximidade entre os jornalistas e os dirigentes esportivos não prejudica o compromisso com a informação?
Isso de uma forma ou otura compromete a informação. Eu procuro evitar esse tipo de coisa, mas às vezes você não consegue. Por exemplo, você viaja, vai a um jogo em Porto Alegre e vai comer no Barranco, que tem um churrasco maravilhoso. Daí você encontra lá no Barranco os dirigentes ou o técnico do clube que jogou naquele dia e senta todo mundo junto. Aí tudo bem. Você tenta pagar a conta, às vezes consegue, às vezes o cara não deixa. Mas aí é diferente. Eu acho que esse relacionamento é prejudicial. Tanto que, em alguns casos, há o rodízio de repórteres. A CBN faz isso, por exemplo. Esse rodízio muito rápido também não é bom. Você perde as suas fontes. Você começa a cativar as pessoas, a criar um bom relacionamento e daí tem de deixar aquela cobertura. Mas infelizmente existe essa questão do relacionamento próximo ao dirigente e isso prejudica. Eu lembro de um vez em que o Antonio Sérgio Lück, então presidente do Atlético, chegou para mim e falou: “Escute, o que você está reclamando? Eu que pago o teu salário”. Na época existia uma dedução do borderô de cada jogo para a Associação dos Cronistas Esportivos (ACEP). Existem casos em que o sujeito paga o jantar e depois fica cobrando. Então, o jornalista tem de ter muito cuidado porque dentro do futebol você lida com vaidades. E se você atinge uma vaidade dessas você leva de volta uma saraivada que você não sabe de que forma vem. Se a coisa chega nesse lado, de ficar pagando jantar, dando carona, fica complicado porque amanhã ou depois você vai ter que fazer uma crítica a essa pessoa e daí ou você se omite e perde pontos com seu órgão de comunicação ou faz e perde o cara. Então, é muito complicado.
Qual foi o grande segredo do título brasileiro de 2001?
Acho que foi a união dos jogadores em torno de um objetivo e principalmente em torno de uma liderança, que até hoje é conquistada lá dentro, que era a do Nem. Eu já achava isso e depois conversando com pessoas ligadas ao Atlético, tenho mais certeza ainda. O Nem quando chegou deu uma entrevista dizendo que tinha chegado para ser campeão brasileiro, aquela farofada que ele fala sempre. Só que daquela vez ele acreditava. Ele acreditava nele e no time. E o Geninho tem todo o mérito por saber tourear o Nem. No momento em que ele esteve para ser dispensado, o Geninho chegou e assumiu a permanência dele. Ele sempre dizia que o Nem era o melhor líbero do futebol brasileiro. O Geninho sabia que poderia contar com a liderança dele dentro e fora de campo. Mas tem o lado ruim disso, porque nessas de sair para tomar umas ele levava uma turma grande. Teve cara que só tomava água que terminou o ano de porre, mas de porre pela festa do título. Acho que a liderança dele foi muito importante para o título.
Qual a sua opinião acerca do trabalho do Antonio Carlos Gomes no Atlético?
O futebol brasileiro sempre marcou muito pelas experiências locais e improvisações. Quando chega uma idéia de fora, que é estudada e que sai do papel para ser aplicada na prática, ela encontra uma barreira imediata. E no caso dele, isso aconteceu. É verdade também que ele mudou. Aquela idéia inicial que ele tinha foi moldada ao futebol, porque a experiência que ele tinha era em outros esportes. Há coisas que não podem ser aplicadas ao futebol. Você pode preparar um atleta para correr a São Silvestre fazendo um esquema progressivo, para ele chegar no auge em novembro e estar tinindo em dezembro. No futebol você não pode fazer isso porque toda semana tem jogo. Então, ele também se moldou. No começo ele tentou forçar uma idéia de um lado, sentiu que não era aquilo, mudou e hoje o Atlético está recuperando o espaço justamente por causa da experiência dele, que é muito interessante.
Você não acha que a imprensa exagera nas críticas a ele? O colunista Augusto Mafuz, por exemplo, não faz questão de criticá-lo seguidamente.
O Mafuz deve ter lá as bases dele, os fundamentos dele e eu não sei com base em que ele faz as críticas. Eu respeito a opinião do Mafuz, mas não concordo com algumas coisas. Porém, acho que algumas coisas que ele disse eram pertinentes, tanto que houve algumas modificações. Mas, de uma forma geral, eu não sei o que o Mafuz contestava tanto. Tanto que hoje ele está quieto.
O que está faltando no atual time do Atlético?
Acho que falta um líder, isso é o básico. Na entrevista em que o Carletto deu para o Estado, eu fiz essa mesma pergunta para ele. E o Carletto disse que na ocasião eles já estavam em vias de contratar um líder, que eu acho que era o Capone. Não posso dizer que na visão deles o Capone era o tal líder, mas eu acho que ele cumpriu essa função. Eu já senti uma certa diferença depois que o Capone entrou. O time está mais tranqüilo, o próprio Rogério Corrêa melhorou. A entrada do Capone resolveu, a mudança do sistema tático resolveu também. O Atlético estava desperdiçando jogador porque estava jogando com três zagueiros e dois volantes. Então, ninguém atacava no time. Agora, eu acho que um líder, que pode ser o Capone, e com o Ilan jogando de fato, o time ganha muito. Outro fator que contra o Flamengo pôde ser sentido é o Dagoberto jogando para o time e não para ele. Houve tanta crítica ao Dagoberto que eu acho que ele sentiu.
É possível existir “compra” de resultados no futebol atual?
Acho que não existe mais. Pode ser que tenha acontecido, nos anos 50, 60, mas não com time grande. O Evangelino, na entrevista dele para o Estado, comentou que tinha um cara que acertou um centroavante e tal. Mas basicamente com time menor, não com time grande. O Atlético e Flamengo de 83, por exemplo, é um jogo do qual se fala muito, mas não houve nada. Eu até transmiti esse jogo. O Capitão perdeu um gol feito. E se ele faz aquele gol? Como é que fica esse “teórico acerto do vestiário”? O Atlético não conseguiu fazer o terceiro gol. Chegou perto, era melhor que aquele time do Flamengo e poderia até ter sido campeão brasileiro. Foi realmente uma pena.
Foi o melhor time do Atlético que você viu?
Olha que empata com o campeão brasileiro. Mas jogava mais bola. Tinha um volante,chamado Jorge Luís, que era de um padrão que não existe hoje. Talvez se o Kleberson fosse escalado como volante jogasse como ele. Era um jogador como é esse Renato, do Santos. Um jogador que não fazia falta, que dominava, saia jogando, atacava, lançava muito bem. Era um time completo.
Você gosta de analisar o aspecto tático do futebol?
Eu gosto, mas não me considero um entendido, até pela falta de prática. Mas eu gosto de perceber o que acontece durante o jogo. Por exemplo, a tática que o Cuca armou no Paraná no começo do campeonato. O Atlético foi um dos que sofreu com isso. Então, eu gosto de ver o que está acontecendo.
Quem é o grande comentarista de Curitiba nesta área?
O Borba Filho, para mim, é o melhor de todos. O Valmir Gomes também é muito bom, explica bem o que está acontecendo e o Hidalgo.
E o Carneiro Neto?
O Carneiro é um cara que enxerga bem futebol, tem boa noção, é uma pessoa bem informada e descreve bem o jogo. Mas ele é uma pessoa passional e ele mesmo confessa isso.
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Você não pensa em seguir algo que o Carneiro fez, que é trocar a narração pelos comentários?
Quem sabe? Eu não sei até onde a garganta agüenta. Eu fiz um exame recentemente e está tudo bem, então eu pretendo narrar algum tempo ainda. É igual jogador de futebol: enquanto as pernas estiverem respondendo, ele continua jogando. O mercado está bom, eu me sinto bem aceito no mercado, mas no momento em que eu sentir que a coisa está complicada talvez eu passe a comentar. É uma opção. O Airton Cordeiro fez isso, o Carneiro também. É um caminho, pois eu já comento no jornal.
E no próprio jogo você também faz alguns comentários, não?
Sim, eu gosto disso. Houve uma época em que se dizia que o narrador narra, o comentarista comenta e o repórter reporta. Então às vezes você estava vendo alguma coisa e não podia falar. Então hoje já é possível você debater, discordar.
Recentemente, a Tribuna do Paraná publicou as seguintes manchetes no mesmo dia: “Atlético afrouxa contra o Internacional” e “Coritiba empata com o Vasco no Couto Pereira”. Um torcedor, chamado Roberto Bittencourt, escreveu um texto interessante, questionando se isso se tratava de parcialidade ou incompetência. Qual sua opinião?
Isso é uma questão de interpretação. A manchete é uma coisa muito pessoal do editor. Então, a manchete reflete o que o editor imagina, que nem sempre é o que você imagina. Mas acho que está aberto a quem concorde. Eu talvez não fizesse a mesma coisa ou talvez fizesse. Isso não reflete o pensamento do jornal e muitas vezes nem do repórter e sim do editor.
Para finalizar, gostaríamos que você analisasse em poucas palavras algumas figuras do jornalismo esportivo paranaense:
Assessores de imprensa: o assessor de imprensa tem de facilitar o trabalho dos jornalistas. E eu acho que boa parte dos assessores de imprensa dos clubes, de todo o Brasil, atrapalham e impedem o acesso que era muito mais fácil.
Setoristas dos clubes: eles têm um valor importante, mas acho que o vínculo excessivo pode atrapalhar. Mas o nível melhorou muito nos últimos anos.
Augusto Mafuz: um cara inteligentíssimo. Polêmico, mas inteligentíssimo.
Carlos Alberto Pessôa: um visionário, um sonhador. Ele imagina um mundo e vive no mundo dele. E vive bem.
Vinícius Coelho: nosso embaixador lá fora como jornalista durante um bom tempo.
Borba Filho: eu gosto mais dele como jornalista do que como técnico de futebol, embora ele tenha sido um bom técnico. Ele é um exemplo como comentarista de rádio e também como colunista. Gosto muito dele.
Boluca: é o que resta ainda daquele jornalismo romântico, do tempo em que as redações tinham barulho de máquina de escrever e fumaça de cigarro. Ele representa aquilo que de mais puro no jornalismo ainda hoje.
Sonia Nassar: foi uma pioneira. Foi uma bandeira que o futebol do Paraná criou através da imprensa esportiva. Era uma alma fantástica. Faz falta.
Lombardi Jr: ele revolucionou o rádio. Ele veio de fora, adequou-se, venceu aqui e o rádio perdeu muito com a morte dele. Certamente estaria muito mais valorizado hoje com a presença dele, com a liderança e com o ideal que ele tinha.
Fernando Gomes: um dos cidadãos mais polêmicos que conheço, mas é de uma alma enorme. Quem vê de fora não imagina que o Fernando possa ter tudo aquilo lá dentro. É um sujeito fantástico.
Valmir Gomes: da geração mais nova, não de idade, mas de imprensa, o Valmir é o que mais se enquadra naquela coisa de pureza. Ele não tem maldade nenhuma. Ele só quer fazer o bem às pessoas e às vezes se dá mal por isso, porque se abre demais.
Carneiro Neto: é um apaixonado pelas coisas que ele faz. É um apaixonado por futebol, pelas biografias, pelas pessoas. O Carneiro é uma pessoa que lê muito, gosta muito da informação e é um profissional brilhante. É uma referência.
Fernando César: melhor narrador do Paraná.
Marcelo Ortiz: vai chegar lá também. É uma pessoa de quem eu gosto muito. Ele aprende bem, tem potencial e como figura humana é uma pessoa muito legal.
Capitão Hidalgo: é um grande companheiro de viagem. Viajar com ele faz você esquecer que tem coisa ruim na vida. É um grande companheiro, um grande amigo e transforma qualquer coisa ruim em um momento bom.
Sicupira: esse é gente fina. Nós brigamos muito em viagens, mas ele é um cara ótimo. Tem uma presença de espírito fantástica.
Dionísio: é um cara fantástico. Como ele mesmo diz, ele é “sangue bom”.
Linhares Jr: um bom narrador. Tecnicamente, muito bom. É um dos melhores narradores de automobilismo do Brasil.
Airton Cordeiro: meu mestre. Aprendi tudo com ele.
Alexandre Zraik: subiu muito no rádio. Foi uma das poucas pessoas para quem eu escrevi um artigo. Ele é um cara muito atento, ele percebe a notícia e sabe explorar.
Gil Rocha: é uma figurinha legal. É um amigo que eu fiz na Copa do México e até hoje temos um bom relacionamento. Ele foi muito importante para a televisão do Paraná e deve ser uma referência.
Marcelo Fachinello: esse vai aprender bastante. Para a idade que ele tem, já está indo longe demais. Um rapaz muito novo, que pegou um pepino na mão e deu conta. Eu digo que ele vai aprender porque ele é novo. Ele tem uma boa noção e é um profissional com muita qualidade.
Luiz Augusto Xavier: eu adoro o que eu faço. Se eu tivesse de começar de novo, faria tudo de novo. Às vezes eu brinco com a minha mulher sobre o que eu faria se ganhasse na loteria. Eu não jogo nunca, mas sempre penso como eu vou ganhar. “Se eu ganhar isso aqui, o que eu vou fazer? Eu iria aplicar um dinheiro na minha chácara, daí ia ter tempo para escrever, ia poder escolher o jogo que eu vou narrar…” Então, quer dizer, eu ia fazer a mesma coisa. Eu tenho certeza que até onde eu puder levar, eu vou levar fazendo isso. Tomara que quando eu morrer eu possa estar fazendo isso ainda, sem que a garganta, a cabeça e o raciocínio tenham me abandonado.
Clube Atlético Paranaense: é uma grandeza. Poderia ser maior hoje se ele tivesse conseguido sustentar aquilo que ele foi quando conquistou o campeonato brasileiro. O Atlético hoje está alguns degraus abaixo do que já conquistou. Mas já é reconhecido como uma grandeza e só depende dele, Atlético, para retornar aquele ponto.