9 jun 2003 - 10h37

Opinião: “O romantismo acabou”

O adjetivo me incomodou. “Lateralzinho”. Eu li de novo para ter certeza. Estava lá, “lateralzinho”. Toda vez que alguém me interpela na arquibancada da Arena, sob o argumento de que deveria fazer menos poesia e comentar sobre esquema tático, respondo: “Agradeço pela menção à ‘poesia’, mas tem gente que entende mais de futebol do que eu na equipe do Furacao.com. Deixe eu ficar com as historinhas”. Depois do “lateralzinho”, não dá para me aquietar.

Meu colega Juarez quase sempre acerta a mão. Faz observações pertinentes, aponta erros que fogem ao meu alcance de percepção, encontra virtudes em atletas de desempenho aparentemente discretos. Muitos dos conceitos que formulo viram poeira assim que Juarez demonstra o contrário. O cara entende de futebol. Parece genético. Seu pai, a quem entrevistei no começo dos anos 90, quando ele era técnico do Marcílio Dias, em Itajaí (SC), também tinha tal capacidade. Seguro, direto, derrubava muitos repórteres com respostas objetivas.

No entanto, Juarez, o filho, errou. Fabiano não é, de forma alguma, um “lateralzinho”. É craque, joga muito, não treme, chama o jogo para si, vai ao fundo – e ainda faz gol, muitos gols, golaços como aquele sobre o Corinthians no Brasileirão de 2002 ou na final do Paulistão, já pelo São Paulo. A postura passional, típica do torcedor, não pode, jamais, atropelar sua capacidade de raciocínio. Fabiano fez uma opção lógica. Foi para um grande centro, onde tem mais visibilidade. É inegável.

Vão me dizer que não? Todos nós ficamos satisfeitos com a convocação de três jogadores nossos para a seleção brasileira. Eu, especialmente, porque o Ilan, tão criticado pela torcida, foi lembrado. Só não podemos ser ingênuos de acreditar que essa convocação foi natural. Gente, até o gandula da Arena sabe que o Adriano e o Ilan foram convocados porque muitos atletas foram poupados pelo Parreira ou porque disputam competições importantes. Os jogadores têm méritos, mas não teriam chance com a amarelinha, mesmo o Adriano, o melhor do nosso trio convocado.

Deixem Fabiano em paz. O romantismo acabou em 1982, quando Paolo Rossi nos fez suspirar pela última vez. O que tivemos a partir daí foi um futebol burocrático, em que um ou outro Maradona apareceu e nada mais. Não existe mais amor à camisa, só marketing esportivo. Ou o Kléberson quer ficar? Sejamos honestos: ele não joga futebol decente desde a 6ª rodada do campeonato brasileiro do ano passado. Está errado em querer ir embora? Não, faz parte. Tudo é assim. Dinheiro. O mundo gira em torno dele. Me perdoem, mas quero mais é que o Kléberson vá embora para entrar outro com mais vontade de mostrar serviço.

Aliás, antigamente, o jogador tinha de ralar muito para chegar à seleção. Hoje, qualquer cabeça-de-bagre é convocado. Belleti não foi campeão mundial? Nos anos 80, jogadores como Pita, Renato Pé Murcho, Zenon, melhores que muitos “selecionáveis” por aí, não tinham espaço na seleção. A maioria deixava transparecer o sentimento de nação, de defender o país. Era uma bobagem, mas a gente acreditava. Hoje, não. Todos querem chegar à seleção para valorizar o passe, ser negociado e dane-se a próxima convocação. Alguém se lembra do Evanílson, do Cruzeiro? Pois é.

Nosso time ainda vai conquistar muitos títulos. Precisamos ganhar outro brasileirão, ganhar a Libertadores, ganhar o Mundial. Uma estrela dourada é pouco. Até o nosso rival tem. Ainda não temos essa moral toda. Sejamos realistas. Vamos levantar a bola quando tivermos cartas para mostrar na mesa. Aí, sim, talvez o clube consiga manter nossos craques aqui. Agora, não dá. Deixem Fabiano em paz. Eu até acho que ele deveria ter ficado, mas a vida é feita de escolhas.

Cada um que faça a sua. Eu escolhi ser atleticano. Apaixonado, mas com pés no chão.

Dary Júnior
Músico, jornalista e colunista da Furacao.com
colunas@furacao.com



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