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19 jan 2004 - 9h47

O batizado do caçula: uma história de sofrimento e de fé

Todo homem que se preze tem a alma marcada por traumas causados pela angústia de viver, e esses traumas são bichos ferozes adormecidos no pântano profundo de nosso inconsciente. Vez ou outra, eles são despertados e voltam vorazes para nos atacar, foi o que me aconteceu dia desses quando minha prima me ligou, fazendo o seguinte convite:

– Rafael, você aceita batizar o meu caçula?

Amigos, eu confesso: logo que ela terminou a frase, a palavra “caçula” começou a reverberar dentro da minha cabeça, e foi justamente essa palavra que reacendeu em mim a experiência de um trauma futebolístico de que fui vítima lá pelos idos de 1992.

Antes de mais nada, eu preciso dizer a vocês que torço pelo Clube Atlético Paranaense desde 1982, ou seja, há vinte e dois anos, o que é tempo bastante considerável para alguém de vinte e oito anos.

É fundamental que eu diga a vocês que eu tenho um orgulho danado de ser atleticano, de ser campeão brasileiro e coisa e tal, mas é imprescindível que eu diga, também, que as coisas nem sempre foram boas assim para o nosso Furacão.

Naquele ano de 1992, ano do meu trauma futebolístico, o Atlético ainda vivia sob o cativeiro do Pinheirão e o time padecia de enormes carências, dentro e fora dos gramados.

Somente quem viveu aqueles dias bicudos sabe do que eu estou falando. Só quem assistiu aos jogos do Atlético no Pinheirão, só quem tomou cerveja quente acondicionada em sacos plásticos, só quem sofreu com o vento frio do Tarumã, dentre outras tantas provações, sabe do que eu estou falando. Pois é, foi nessa época que surgiu no quadro Rubro-Negro uma dupla de zaga composta por nada mais, nada menos do que: Caçula & Biluca, zagueiros esses que tanto me traumatizaram!

Meus diletos leitores, se é que os tenho, essa dupla de zaga era medonha, para se dizer o mínimo. Digo mais: até o surgimento de Mário Celso Petraglia, o nosso Furacão se especializou em montar times bisonhos e a formar elencos dignos de circo, infelizmente.

Nesse triste período, era comum todo atleticano assistir, atônito, aos embarques e desembarques de Kombis recheadas de “craques” em frente ao então desativado Estádio Joaquim Américo.

Aliás, na Curitiba daquela época, as Kombis serviam apenas para transportar hortifrutigranjeiros e jogadores de futebol e descarregar esses produtos ora no Ceasa, ora no Atlético Paranaense.

Ocorre que, às vezes, os motoristas das Kombis se enganavam nas entregas e despejavam no Atlético os produtos que deveriam ser entregues no Ceasa, e vice-versa.

Esses enganos dos motoristas das Kombis explicam as grandes quantidades de abacaxis, pepinos e cacaus que foram parar lá na Baixada. Felizmente, os enganos também beneficiaram o Atlético pois muitos jogadores que viriam para o Furacão foram parar no Ceasa e lá se transformaram em eficientes verdureiros, para o bem de todos.

Mas numa dessas trocas, aconteceu o pior: veio para o Atlético um japonês que deveria saltar no Ceasa. O nome dele? Paulinho Kobayashi, o oriental que desorientou o nosso time por completo; o cidadão que transformou nosso time em uma autêntica feira livre, um horror.

É, amigos, foi um tempo difícil que se abateu sobre o nosso Rubro-Negro, e se todos os problemas se limitassem a Caçula, Biluca e Kobayashi, até que não era nada, mas havia ainda os famigerados: Carlinhos Pé-de-Vento, Ricardo Blumenau, Marcelo Araxá, Gune, Will, Roberson, Sadi, e tantos outros que nesse momento escapam da minha memória, graças a Deus.

Agora, ruindade mesmo, eu vou contar para vocês, foi um atacante que veio do Náutico para o Atlético. Seu nome? Não sei dizer. Acho que a criatura nem chegou a ser batizada, por isso não tinha nome. Seu apelido? Pirata!!! Isso mesmo, o epíteto do vivente era Pirata, até porque o infeliz tinha só um olho aberto, o outro era meio fechado, era meio vazado, o cara parecia um pirata e daí fez por merecer a singular alcunha.

Esse Pirata era pavoroso! O cara foi atacante titular do Atlético durante todo o Brasileiro de 1993 e não conseguiu fazer um gol sequer. Ele era o autêntico pirata, e da perna de pau, sem sombra de dúvida.

Outro extra-série do mesmo naipe do Pirata era o tal Edenilson Pateta, mas eu não tenho saúde suficiente para narrar a vocês as peripécias futebolísticas desse alucinado dentro do Furacão. Por favor, façamos um trato: vocês leitores me poupam de falar do aludido Pateta e eu poupo vossos frágeis estômagos da biografia do gênio Edenilson. É bom para ambas as partes e todos nós saímos lucrando.

Pois bem, caríssimos atleticanos, é de se dizer que naqueles tempos o nosso querido Atlético se parecia muito com a Disneylândia: tinha Pirata, tinha Pateta, tinha Ratinho (olha o Mickey Mouse aqui), tinha Tico (aquele atacante que não atacava) e tinha muito diretor parecido com o Pinóquio.

E por ser parecido com a Disneylândia, eis que um dia, no já distante ano de 1995, chegou o Tio Patinhas e botou ordem na casa, transformando o nosso amado Clube Atlético Paranaense num dos maiores clubes de futebol do Brasil, referência absoluta em qualidade e excelência dentro e fora dos campos.

Finalmente, amigos, eu preciso dizer a vocês que tenho muito orgulho de ser atleticano. Tenho muito orgulho porque o Atlético, o verdadeiro time do povo, é um clube construído com muita luta, muito sangue, muita raça e muita paixão.

E nosso orgulho aumenta ainda mais quando lembramos dos deuses da bola que já envergaram o sagrado manto Rubro-Negro. Como esquecer Caju, a eterna Majestade do Arco; Jackson, o Furacão em chuteiras; Zinder Lins, o Poeta que cantou o amor à camisa do Atlético; Júlio, o Guerreiro que doou seu passe ao Furacão na década de 70; Sicupira, nome e gols dignos de uma lenda; Assis e Washington, o Casal 20; Roberto Costa, o arqueiro Bola de Ouro; Carlinhos, o Sabiá; Paulo Rink e Oséas; Ricardo Pinto, o Herói que sangrou pelo Atlético; Kléberson, o Menino Pentacampeão do Mundo e tantos, tantos outros, que dignificaram o Atlético e que ajudaram a escrever nossa belíssima História!

Mas, depois dessa minha longa digressão, eu quase me esqueci de contar a vocês o que aconteceu com o batizado do filho da minha prima! Pois é, depois desse flashback eu liguei para ela e disse, de fronte alta:

– Pode ficar tranqüila, é claro que eu aceito batizar o seu caçula!

Desde o batizado, muito tempo se passou, e hoje meu afilhado aprende comigo a ser Rubro-Negro. Quando eu conto a ele as histórias do Pirata e do Edenilson Pateta ele faz cara de desconfiança e me censura:

– Você está mentindo, padrinho! Isso não pode ter acontecido com o Atlético e esse Pinheirão eu acho que também nem existe! Padrinho, eu estou com fome! Você bem que me podia levar comer pastel com coca-cola, né?

– Está bem, Mário Celso! Mas vamos lá na pastelaria do Kobayashi porque ele não me deixa mentir!



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