4 mar 2004 - 21h31

Opinião: “O melhor para todos”

Para eles, os europeus, estádios lindos, bem construídos, sempre cheios, com estacionamento, organização, segurança, comida limpa, boa bebida, rentabilidade, e os maiores craques do mundo em campo, inclusive os nossos. Para nós, brasileiros, estádios quebrados, sujos, inseguros, vazios, com péssima comida e bebida ruim. Nossos melhores jogadores não desfilam em nossos gramados e nossos clubes estão quase todos falidos. Faço este comparativo para lançar uma pergunta: por que nós não podemos ter o que há de melhor também? O Clube Atlético dos Paranaenses saiu na frente, rumo à modernização.

A Arena é um marco no futebol nacional. É o sinal de que a evolução chegou também ao Brasil. Mas essa evolução tem custos. E é aí que reside o maior problema de todo esse processo. Como oferecer o melhor em um país onde poucos podem pagar por isso? Alternativas devem ser criadas. Sei que moramos em um dos países mais injustos do mundo, que há inúmeras dificuldades no cotidiano desse nosso povo tão sofrido. Mas retrocesso, nunca.

A interessante coluna do colega Juarez Villela Filho aborda um texto de um colunista da Placar. Ele diz que sente falta da favela, do “negão” banguela e bêbado no estádio, comendo pão com linguiça. Eu gostaria que esse “negão” estivesse com os dentes inteiros, bem alimentado e com a dignidade de um homem que vive em um país justo, que não viesse de uma favela. Mas isso por enquanto é sonho. Não sei quantas gerações ainda temos que esperar pelo fim disso. O que não quero é que criemos raízes no atraso. Na época da ditadura, construíam-se enormes estádios Brasil afora para entupi-los de pés descalços e estômagos esfomeados iludidos em uma alegria efêmera e fugaz: os 90 minutos de um jogo de futebol. Enquanto entregavam o país a conquistadores, davam o circo ao povo.

Criou-se então a idéia que o futebol é a redenção do povão. Foi nessa época que as favelas começaram a pipocar pelo país. Com um contingente enorme de miseráveis, o populismo ganhou força. Qualquer dentadura alegrava uma pessoa sofrida. O povo iludido se satifazia com pouco. Durante muito tempo, todos estavam acostumados com pão-com-bife-e-salmonella nos estádios. Urinar na paredinha. Se apertar nas arquibancadas até ficar sufocado. Beber cerveja quente no saco plástico. Deixar a esposa em casa pelo péssimo ambiente. Aí veio o Atlético e mudou tudo isso. Mudou os parâmetros de como se faz futebol no país. Tomou a dianteira da modernização. Uma modernização que urge em todos os setores da sociedade.

O povo não é mais tão ingênuo, tem mais informação, hoje. E também quer o melhor para si. Não temos que simplificar o debate, falando que está caro o ingresso e pronto. Como o Atlético irá oferecer o melhor ao seu povo? Criando alternativas, como parcerias com a iniciativa privada para subsídio de ingressos, ou como o exemplo oportunamente citado pelo colunista Augusto Mafuz, sobre as trocas de notas fiscais por ingresso no nordeste. Ou a excelente lembrança do colega Juarez sobre o jogo contra o Malutrom, onde mulheres e crianças tiveram entrada franca.

Atualmente, em São Paulo, o ingresso é R$ 20,00, mas quem comprá-lo, pode levar mulher e dois filhos até 12 anos de graça. É uma ótima promoção e os estádios só não enchem porque a insegurança ainda é grande. Outra solução, já bem conhecida, é fazer uma ampla venda de carnês a preços compensadores. São essas coisas que devem ser exigidas. Não ser contra o aumento de um preço que desde 1999 é o mesmo.

Fazer promoções e parcerias é o melhor caminho, não abaixar o preço do ingresso. 10, 15 ou 20 Reais sempre será caro para quem sofre para colocar comida em casa. Na Baixada antiga ou no Pinheirão os ingressos eram mais baratos e nem por isso a torcida comparecia em massa. Cansei de ver jogos do paranaense e ouvir no final que o borderô confirmava mil e poucas pessoas.

O Atlético deve seguir firme seu rumo. Não deve se desviar do projeto de ter receita, lucro e um dia poder fazer com que a contratação de craques como Rivaldo não sejam apenas especulação, boato. Fazer com que o Atlético tenha alcance nacional e sua torcida não seja apenas a que freqüenta a Arena, mas que encontremos torcedores do Furacão nos recônditos mais distantes do país.

Deve-se, sim, incentivar uma participação maior do CAP na televisão para quem não pode ir a todos os jogos não deixe de acompanhar o amado rubro-negro. Retroceder, jamais. Criam celeuma com a instalação de cadeiras. Elas farão nossa torcida sentar-se? Se tivermos o conforto de europeus, perderemos nosso jeito de torcer? Em um ambiente sadio e organizado nos inibiremos? Não cantaremos, vibraremos como sempre? Claro que não. A paixão está na essência do atleticano, é a nossa marca. Acho que todos têm direito de entrar no bonde da evolução, seja qual for a classe social. Afinal, somos todos iguais perante Deus e a Constituição. E todos merecemos os benefícios que a evolução proporciona. Todos merecem uma Arena com todo o conforto. Mas nem todos precisam arcar com os custos, altíssimos. Por isso, alternativas, promoções e soluções devem ser pensadas. Que o pessoal de marketing do Atlético coloque a cabeça para pensar.

Volta ao passado não, ou nos tornaremos uma torcida melancólica como a do Ameriquinha do Rio. Evolução para todos. Até para o “negão” banguela. Rezo para que um dia ele tenha dentes e dignidade.

Juliano Ribas
Colunista da Furacao.com
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