18 mar 2004 - 11h57

Opinião: “Era uma vez uma paixão”

“Hoje, o amor, como tudo, está perdendo a transcendência. Não existe mais o amante definhando de solidão, nem Romeus nem Julietas, nem pactos de morte, não existe mais o amor nos levando para uma galáxia remota, não existe mais a simbiose que nos transportava a uma eternidade semi-religiosa.

O amor tinha uma fome de bondade, de compaixão pelo outro, de proteção à pessoa amada. Isso está acabando. O amor já foi analisado por todas as ciências, a psicanálise mapeou as loucuras que estão sob sua poética, o ritmo do tempo atual acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável.”

Quando a diretoria do Atlético anunciou o novo preço dos ingressos da Baixada, imediatamente lembrei deste texto do brilhante Arnaldo Jabor. “O dinheiro contabilizou o amor.” No mundo capitalista de hoje em dia, é realmente difícil discordar do cineasta, ao lamentar a sobreposição dos interesses mercantis sobre os sentimentos das pessoas.

Mas eu achava que, bem ou mal, ainda restavam bons sentimentos preservados. Eu queria crer que havia coisas inatingíveis pela fome do mercado. Achava que até o final da minha vida teria, ao menos como consolo, a alegria proporcionada por uma determinada paixão. Uma paixão que nunca me envergonhou, mesmo quando me provocou lágrimas, de emoção ou de tristeza. Uma paixão cuja alegria dela proveniente nunca teve sua origem explicada. Como pode um clube de futebol proporcionar tanta emoção? Por quê isto acontece?

Nunca soube responder esta pergunta. Não sei se é a Baixada, se são as cores, se é o triunfo sobre os rivais, se é o fato de estar ao lado de amigos, de atleticanos… Só sei que tudo isto, infelizmente, está com os dias contados. O dinheiro contabilizou o amor. Um golpe inopino arruinou todos nossos planos para o futuro, nosso direito exercer essa paixão.

Às vezes penso que somos ingênuos. Nós, que alardeamos que não existe torcida igual à do Atlético. Que ela é a melhor do Brasil, que já foi responsável por vários resultados positivos. Pois, ao olhar de algumas pessoas, ela não vale nada. Ela é um enfeite, um adorno desnecessário. Valeu para receber elogios do Brasil inteiro em 2001, mas pára por aí. Os grandes homens de negócios, executivos, entendem que o melhor negócio para o Clube é restringir o direito de torcer às pessoas de elevado poder aquisitivo. O Atlético, que era paixão, virou produto. O dinheiro contabilizou, mercantilizou, o amor. Assim como consumidores de baixo potencial aquisitivo não interessam às grandes empresas (em determinadas situações), o torcedor que não puder levantar um alto capital para destinar ao Atlético fica impossibilitado de exercer sua paixão.

Como é triste receber este golpe. Uma das nossas últimas alegrias deste mundo capitalista, é subtraída justamente pela fome mercante. O Atlético virou amor não correspondido. Virou uma paixão insustentável. Um vício que não pode ser mantido. Amar o Atlético, daqui pra frente, vai ser um mau negócio para a grande maioria da população. Um vício que consome mais do que você tem, é um mau negócio, e deve ser evitado. Assim como pessoas sofrem tentando parar de fumar, torcedores sofrerão com o “parar de torcer”. Era uma vez uma paixão.

Na verdade, não somos ingênuos, coisa nenhuma. Os altos executivos do Atlético é que são péssimos administradores. Transformarão o Atlético em um Graciosa Country Club, uma associação luxuosa para poucos membros. Mais do que “elitizar” a torcida, vão reduzi-la a pó. A um punhado de pessoas da classe média alta que têm R$ 30,00 sobrando para gastar toda semana com futebol, e que se dispõe a faze-lo – pois não são todos os milionários de Curitiba que são apaixonados por futebol, menos ainda pelo Atlético. E a nova safra de torcedores? Só aqueles que acabaram de deixar um berço de ouro manterão a torcida pelo Atlético. O resto, a grande maioria, será deslocado para outros Clubes. E as pessoas que pagavam seus ingressos, seus carnês, provavelmente deixarão de freqüentar os estádios. Mais vale um pássaro na mão do que dois voando, diz o ditado. Muitos atleticanos que compravam o carnê a preços decentes, não só deixarão de comprar este “Carnê do Milhão”, como deixarão de freqüentar os estádios de vez. O Atlético, que em alguns momentos não teve nada além de sua torcida, não mais a terá. Me digam, os grandes executivos: isto é bom para o Clube?

Já fui de me revoltar, de protestar. Hoje, apesar de jamais esperar tal ato partindo do meu clube de coração, já estou conformado com a crueldade do mundo mercantilista. Mesmo porque, sabemos que nossos dirigentes têm total consciência da revolta que tomará conta da torcida, e estão predispostos a ignorar qualquer súplica de nossa parte. Por isto, não quero que vejam este texto como uma forma de protesto, mas sim de lamentação. Lamentação de alguém que perde um amor. Do poeta cujo amor não é correspondido.

“Estamos virando coisas. Precisamos aprender a amar de novo (…)”, finaliza Jabor.

Pobre do mundo, que já não tinha mais Romeus e Julietas, e agora perde uma das suas coisas mais fantásticas: a magia da torcida atleticana.

Ricardo Campelo
Colunista da Furacao.com
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