24 ago 2004 - 0h14

O craque também chega aos 80

"O Atlético nasceu para me esperar", costuma dizer Jackson Nascimento. Mais do que torcedor fanático, Jackson é um dos maiores jogadores da história do Furacão. Aliás, foi um dos responsáveis pelo grande time de 1949 que deu origem ao apelido que o clube carrega até hoje. Sua história se confunde com a do próprio Atlético. Jackson nasceu em 24 de agosto de 1924, exatos cinco meses após a fundação do Clube Atlético Paranaense. Em toda a sua carreira, vestiu a camisa somente de dois clubes: Atlético e Corinthians. A primeira, por paixão. A segunda, também com muita dedicação, mas graças à sua incrível qualidade que precisava de um centro maior para brilhar.

Durante todo o tempo que vestiu a camisa rubro-negra, fez a alegria de seu pai, também um torcedor fervoroso do clube. Jogou muitas vezes sem receber nada em troca, apenas o prazer de atuar pelo clube do coração. A carreira de oito anos no Atlético gerou também uma família inteira rubro-negra, desde filhos até netos.

"Nasci para jogar. Jogador de futebol tem de ter dom, assim como os artistas", explica ele. De fato, Jackson era um artista. Daqueles de rara qualidade e geniais. Fez parte do histórico time de 1949, formando ataque ao lado de Viana, Rui, Neno e Cireno. Quem o viu jogar, afirma que se trata do maior craque da história do futebol paranaense. Ele é, ainda hoje, o segundo maior artilheiro do Rubro-negro, com 140 gols marcados.

Nesta terça-feira, Jackson comemora 80 anos de idade, tal qual o Atlético ao qual tanto se dedicou. Depois que parou de jogar, fez de tudo um pouco: foi técnico, diretor de futebol, diretor de patrimônio, tesoureiro. Mas, nesses 80 anos, nunca deixou de ser, um minuto sequer, aquilo que ele considera mais importante: atleticano.

É por tudo isso que a Furacao.com reverencia o grande craque e presta uma homenagem a Jackson Nascimento publicando uma entrevista exclusiva e inédita, realizada pouco antes dos 80 anos do Atlético. Confira:

Como você se interessou pelo futebol e começou a praticar o esporte?
Para começar a jogar, você tem de gostar. Como vocês devem saber, eu sou originário de uma cidade pequena do litoral, Antonina. Eu comecei a jogar lá em um galpão do porto de Antonina. Naquela época, não havia campos para garotos jogarem, então era muito difícil. Eu acho que nasci com o dom. Eu considero o jogador de futebol pertencente à classe de artistas. Um professor de educação física não forma um jogador de futebol, um técnico não forma um jogador de futebol. Um jogador de futebol é como um artista: tem de ter talento.

E como esse talento chegou ao Atlético?
Eu tinha 14 anos quando cheguei ao Atlético. Foi com o diretor do internato onde eu estudava, o Aníbal Borges Carneiro, que era um grande atleticano. Ele é quem me convidou para que jogasse lá. Eu disputei o campeonato de médios pelo Atlético. Isso em 1936.

E como foi que o senhor chegou ao profissional do Atlético?
Fui cursar a Universidade, entrei na Faculdade de Engenharia, fiz dois anos, mas parei porque fiquei doente, tive tifo. Fiquei dois anos sem poder jogar e estudar. Foi um período difícil. Depois que melhorei, fui para Faculdade de Direito, porque era um curso mais suave. Não tinha condições físicas de enfrentar um curso de Engenharia.

E a volta ao futebol, como se deu?
Voltei a jogar futebol no Atlético de Antonina, isso foi entre 38, 39, 40.

Acabou desistindo do curso e voltou para Antonina?
Fui me restabelecer lá, pois essa doença obrigava os doentes a se internar num negócio do estado e tinha que manter uma quarentena porque a doença era contagiosa demais. Depois, fui para casa. Como não podia comer quase nada no período da quarentena, perdi 22 quilos.

Quanto tempo o senhor ficou em Antonina?
Fiquei lá um ano, sem estudar e sem fazer nada. Minha mãe não queria que eu corresse algum risco. Mais tarde, em 46, entrei na Faculdade de Direito e me formei em 51, quando já estava jogando no Corinthians.

O senhor jogou um tempo no Atlético de Antonina. Quando foi que o senhor voltou ao Atlético?
Voltei pro Atlético em 42. Antes disso, o Coritiba me procurou tanto que joguei uma vez pelo Coritiba contra o Libertad, do Paraguai. Aí vim pro Atlético, para o time de aspirantes, que tinha nove universitários. Vejam como era o Atlético naquela época. Era um clube composto pela sociedade de Curitiba.

Além disso, você representa também outra classe de atleticanos, que são os do litoral do estado. A torcida lá é muito grande?
A maioria dos jogadores do Atlético eram de Paranaguá. Além disso, nós temos em Antonina 95% da cidade atleticana. Tanto é que o clube foi homenageado num carnaval recentemente.

O senhor começou como meia-direita e depois passou para meia-esquerda. Tinha habilidade para jogar nas duas funções?
Eu jogava no time aspirante do Atlético em 1943. Nós fomos tricampeões da Liga dos aspirantes. Éramos imbatíveis. Depois, em 1944, eu entrei no time profissional no lugar do Lupércio, como meia-direita. Depois, com a vinda do Cireno, assumi a meia-esquerda. Eu não era um jogador de meio-campo que ajudava muito a defesa. Como tínhamos o Rui, que era um jogador que ajudava mais, eu ficava como um atacante, quase um centroavante. Então, passei para o lado esquerdo e tínhamos uma formação de dois atacantes, quatro meio-campos, quatro zagueiros e o goleiro. Eu jogava tanto pelo lado esquerdo como o direito. O Cireno recuava um pouco mais e o Moacir também. Uma formação com o Motorzinho que colocava cada um no lugar em que se aproveitava mais. Em 45 fomos campeões e você vê que não foi de um dia para o outro que surgiu o Furacão. Foi o campeonato que fizemos já com a formação do presidente do clube, o Maneco Aranha. O nosso time era muito bom desde 45. Em 49, tínhamos o melhor jogador do Atlético de todos os tempos, que era o Caju, ele praticamente jogava sozinho.

Quais eram as características do Caju?
Coragem e colocação. Ele não era um jogador alto, tinha por volta de 1,72m, mas tinha uma colocação extraordinária. A bola só caía onde ele estava. Não era espalhafatoso. Ele era um goleiro que quando levava gol o time não se abatia, porque acreditávamos que ninguém poderia ter pego aquela bola. Não havia abatimento se nosso time tomasse gol, o que era uma coisa muito rara.

Além disso, o Atlético tinha uma defesa muito boa também, não é mesmo?
É verdade. Na década de 40, tínhamos o Zanetti, que era um bom jogador, espetacular. Aliás, na minha época, o Atlético não teve nenhum zagueiro ruim.

E o Cireno, que é sempre lembrado como um dos grandes atacantes do Atlético?
O Cireno era excepcional. Ele não era provocador, mas não aceitava provocação. Todo mundo dizia que ele era briguento, provocador, mas não é nada disso. Ele não gostava de provocação porque sabia que não tinha limites para reagir.

Mas e aquele episódio do Atletiba em que ele tirou o gorro do goleiro, causando uma grande confusão?
Aquilo foi tudo planejado. Ele me falou para tirar o gorro do Belo e eu disse que não iria fazer isso. Então, nós fizemos o gol e ele foi buscar a bola no fundo da rede e veio com o gorrinho do goleiro. Foi um espetáculo circense. O Belo correndo atrás dele e o Cireno, muito esperto, correu em direção ao juiz, parou perto dele e o Belo não se conteve e agrediu o Cireno. O juiz nem viu que ele estava com gorro porque ele tinha jogado no chão antes e o juiz expulsou o Belo. O Coritiba não se conformou com aquilo. O time saiu de campo e como não voltaram, o juiz encerrou a partida com vitória para nós.

O Cireno foi seu grande parceiro?
Foi. Nós tínhamos uma afinidade muito grande. Nós jogávamos por música. Sabíamos perfeitamente do que um era capaz e do que não era. Então, as colocações dentro de campo eram perfeitas.

Hoje em dia quando se falam das grandes duplas de ataque do Atlético o primeiro nome é Jackson e Cireno, depois Washington e Assis, Oséas e Paulo Rink…
Houve outras duplas importantes no Atlético, mas Washington e Assis foi uma das grandes duplas que participaram no Atlético.

Quem era melhor: Cireno ou Nilson Borges, que jogavam na mesma posição?
Se disser um deles, eu vou estar cometendo uma injustiça muito grande. A época era outra. São dois jogadores de respeito, com qualidades diferentes. Os dois eram perfeitos, com qualidades diferentes. O Nilson chutava muito bem, mas não era um bom cabeceador. Já o Cireno era um excelente cabeceador.

Qual era a diferença do Atlético de 48 pro de 49?
O time mudou um pouco. Nós não podíamos mais contar com o Lino, que estava deixando o futebol, formado em Medicina. Jogamos com o Guará um tempo, que tinha jogado no Palestra e era goleador, o que não tem explicação, pois ele não era bom jogador. O Neno, que entrou no lugar dele em 1949, era bom. No começo ele não era muito bom, mas depois que ele foi jogar em São Paulo, no Palmeiras, voltou bem, mas aprendeu a jogar futebol mesmo quando ele voltou pro Atlético (risos). Era um goleador terrível, forte, mas ele era muito impetuoso e esquecia a beleza do futebol. Para ele, marcar gol era o suficiente. O craque faz questão de não ser grosseiro na feitura do gol, se ele pode fazer gol mais bonito ele faz.

Viana, Rui, Neno, Jackson e Cireno: o ataque do Furacão de 49

Em 1950, você foi para o Corinthians. O jornal Gazeta do Povo considerou a maior negociação do futebol paranaense da época. Como é que surgiu a proposta?
O Corinthians veio inaugurar um campo em Guarapuava e o jogo era contra o Atlético. O jogo terminou empatado por 3 a 3, fiz os três gols do Atlético, e disseram que o treinador e o presidente do Corinthians queriam me contratar imediatamente porque queriam resolver o problema deles de não fazerem gols.

O senhor jogava com a camisa 10?
Sim, jogava com a 10. O meu contrato com o Atlético havia acabado, mas nunca tive esse problema de renovar contrato com clube, nem precisava de contrato. Os diretores só me chamavam para assinar contrato. Eles me pagavam e quando precisava de dinheiro o Atlético me dava qualquer quantia. Se fosse uma quantia de, por exemplo, R$ 10 mil, eles me dariam sem pestanejar.

Depois de jogar dois anos no Corinthians, voltou pro Atlético?
Não foi exatamente pro Atlético porque teve um período curto em que deixei de jogar futebol. Deixei o Corinthians por questões particulares e resolvi encerrar a carreira. Morei um ano e meio em Londrina trabalhando como advogado.

Em Londrina, o senhor não recebeu proposta pra jogar em algum time?
Não recebi e não jogaria em nenhum outro time que não fosse o Atlético. Tanto que voltei para Curitiba e acabei voltando ao Atlético, com 30 anos. Fiz um contrato para não ganhar nada, só pelo prazer de jogar mesmo. Mas joguei pouco tempo porque estava fazendo um coisa que não era certa, que era jogar futebol só para matar minha vontade.

Mas depois de encerrar a carreira, o senhor continuou vivendo o Atlético?
Ah, sem dúvida. Virei diretor e em 1958 fui técnico do time juntamente com o Caju e o Pedro Stenghel Guimarães. Eu era o técnico de campo, o Caju era o diretor de esportes e o Pedro Stenghel fazia as palestras e preleções. Depois, ainda fui diretor de patrimônio, diretor de futebol, tesoureiro e fiquei uns dez anos na administração do clube.

E hoje, o senhor ainda vai a campo acompanhar o time?
Muito raramente. Primeiro porque eu já sou um senhor de idade, não tenho mais condições de ficar indo a campo. Depois porque eu não tenho muita paciência. Tem duas coisas que eu não admito: que mexam com minha moral e que falem mal do Atlético. Então, qualquer comentário desairoso sobre o Atlético me deixa muito irritado. Por isso, evito de ir ao estádio para não ouvir algum comentário burro falando mal do time.

O que o Atlético representa para o senhor?
Ah, muita coisa. Minha família toda é atleticana. Eu brinco dizendo que o Atlético nasceu para me esperar, pois eu nasci no mesmo ano da fundação do clube.



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