81 anos, mas num corpinho de 20
Para homenagear o Atlético pelos seus 81 anos de história, convocamos o professor Sergio Surugi de Siqueira, colunista da Furacao.com, a resgatar lembranças em sua memória. Siqueira, atualmente morando no Chile, é o que se chama de "atleticano de berço". Seu avô, Arnaldo de Siqueira, foi um dos fundadores do Clube Atlético Paranaense, em 1924. Seu pai, Renato Barreto de Siqueira, foi presidente do clube na década de 60.
Por isso, Sergio Surugi de Siqueira fica à vontade quando fala ou escreve sobre o Atlético. Leia abaixo a homenagem dele ao Atlético através de sua história de amor ao Rubro-negro e, logo abaixo, uma interessante narração dos fatos mais relevantes ocorridos durante a gestão de Renato Siqueira, acompanhada de comentários e comparações aos dias atuais.
Boa leitura e, mais uma vez, parabéns pelo aniversário do Furacão.
Parabéns a todos nós atleticanos e atleticanas
por Sergio Surugi de SiqueiraComo sempre acontece a cada aniversário de alguém que é muito querido, esse alguém recebe inúmeras manifestações de carinho e homenagem.
É momento para que cada atleticano, ao seu modo e dentro das suas posibilidades, renda o tributo à essa paixão arrebatadora que há oitenta e um anos se veste de vermelho e preto.
Eu, que recentemente recebi a honra de pertencer ao quadro de colunistas desse site atleticano, peço licença aos leitores para quebrar a freqüência esperada de meus artigos e usufruindo deste espaço generosamente cedido à expressão das minhas idéias, farei aqui a minha homenagem ao querido Atlético.
Tive a felicidade de ser descendente de dois ilustres atleticanos. Meu avô, o advogado Arnaldo Loureiro de Siqueira, foi, junto com outros vários esportistas do início dos anos 20, um dos fundadores do Clube Atlético Paranaense. Meu pai, o também advogado Renato Barreto de Siqueira, presidiu o Atlético por um breve (e difícil) período no início da década de 60.
Arnaldo era um homem elegante e formal. Amante dos charutos, preferia ouvir a falar. Jamais se exaltava e em nada lembrava os seus filhos e netos, muito menos o seu irmão Anfrísio, estes todos típicos atleticanos de sangue quente.
Na época da fundação, Arnaldo era centroavante e diretor do Internacional. Abandonou a prática do futebol para ser um dos componentes da primeira diretoria do Atlético, provavelmente porque depois da fusão o atacante do América tinha melhores condições de assumir o lugar no novo time.
Tive com Arnaldo uma relação que todos os netos gostariam de ter com o seu avô. Por morarmos no mesmo edifício, eu costumava ir todas as noites conversar com ele, que orgulhosamente me mostrava as cicatrizes na perna, adquiridas nos seus tempos de jogador. Foi ele quem me ensinou a jogar futebol de botão e dele eu ouvia as histórias sobre o Atlético dos primeiros tempos.
Me acompanhava aos jogos na velha Baixada, aos quais eu ainda criança ia muito menos motivado pelo Atlético, do que pelo impagável "pão com bife" que ele fazia questão de comprar para que eu comesse no intervalo.
Arnaldo Siqueira faleceu no início de 87 e com ele desapareceu o último membro remanescente da diretoria fundadora do Atlético.
Meu pai, Renato Siqueira, ao contrário de Arnaldo, era um atleticano "doente". Um dos maiores radicais que eu conheci quando o assunto era o Rubro-negro. Um apaixonado sem limites, foi eleito presidente numa das épocas mais difíceis que o clube enfrentou.
Como naquele tempo eu ainda era muito pequeno e não acompanhava o dia-a-dia do clube, mais tarde, já adulto, eu não pude conter a curiosidade de fazer um levantamento sobre o que aconteceu no Atlético quando o meu pai foi o seu comandante. Há alguns anos, fui até o setor de periódicos históricos da Biblioteca Pública do Paraná e procurei nos jornais ali guardados notas relacionadas com o Atlético presidido por meu pai.
O que vocês vão ler abaixo não é só um curioso retrato do quase amadorismo daqueles tempos, mas principalmente uma demonstração da evolução que o Atlético experimentou até chegar nos dias de hoje a ser um exemplo de estrutura e organização. Algumas notas vêm acompanhadas de comentários, baseados em histórias que me eram contadas e pretendem ilustrar os fatos relatados.
O Atlético de 1962
notas extraídas da Tribuna do Paraná
01/09/1962: arbitral dos dirigentes de clubes na FPF, presidida pelo Dr. José Milani, decide implantar a "Lei do Acesso" nos Campeonatos Paranaenses das séries Sul e Norte.
Nota: Esta mesma regra seria "desconsiderada" por Jofre Cabral e Silva, em 1967.
04/09/1962: a diretoria do Atlético oferece um jantar no Restaurante Mitóca Jr. aos jogadores como prêmio pela vitória de 2 a 0 sobre o Seleto e o jornal elogia os dirigentes pela iniciativa.
14/09/1963: O capitão Passerino Moura deixa a direção de futebol do Atlético, alegando motivos pessoais. Assume em seu lugar Geraldino.
19/09/1962: Alfredo Gottardi, com 17 anos, meia do time juvenil, é elogiado pela Revista do Esporte, do Rio de Janeiro.
Nota: Alfredo Gottardi, um dos melhores zagueiros da história do co clube, começou a carreira jogando no meio-campo.
29/09/1962: Atlético vende por 1 milhão de cruzeiros os jogadores Nininho e Iran ao Metropol de Criciúma.
Nota: mais tarde esta transação acabou não se concretizando.
08/10/1962: Atlético goleia o Marcílio Dias por 5 a 0 em amistoso na Baixada. Os jogadores são premiados com mil cruzeiros pela vitória e Renato Siqueira pede à Federação a liberação dos jogadores Iran e Nininho da Seleção do Paraná para que possam jogar o próximo amistoso contra o mesmo Marcílio Dias, agora em Itajaí. A presença do time completo faz parte do contrato do jogo.
Nota: um tema bem atual, a liberação de jogadores convocados para seleções. O que surpreende é o pagamento de bicho para um jogo amistoso, mostrando que estas partidas eram muito valorizadas.
11/10/1962: a direção do Atlético resolve abrir mão da presença de Nininho e Iran no amistoso de Itajaí, cedendo-os à seleção.
15/10/1962 – Marcílio Dias goleia o Atlético por 3 a 0 em jogo amistoso em Itajaí com renda de 150.000 cruzeiros.
Nota: sobre este jogo, meu pai contava uma história muito curiosa. O jogo foi duro (apesar do placar aparentar facilidade) e no final do jogo a torcida de Itajaí começou a apedrejar o banco do Atlético, onde estava o presidente Siqueira, contando o dinheiro "vivo" proveniente da parte do Atlético na renda. Para saírem do estádio os atleticanos tiveram que ser protegidos pelo próprio presidente do Marcílio Dias.
05/11/1962: Atlético 4 x 0 Bloco Morgenau. Jogo tumultuado em que foram expulsos dois atleticanos e três jogadores do Bloco. O Atlético acabou por perder os pontos pelo fato de o técnico João de Pasquale ter feito quatro substituições, sendo que só três eram permitidas.
Nota: absolutamente incrível, pior do que o recente gol do William que só o Cidão viu.
07/11/1962: Pasquale sai do comando técnico, assumindo a direção de futebol. Geraldino, o antigo diretor, assume o cargo de técnico.
24/11/1962: diretoria do Atlético anuncia que Nininho é inegociável.
Nota: a novela continuava.
28/11/1962: Atlético oferece 40 mil cruzeiros e um emprego para o técnico João Lima voltar.
Nota: isto caracteriza bem o semi-amadorismo de nosso futebol naquela época. Que emprego seria este? O salário mínimo vigente em 1962 era de 13.440 cruzeiros. Façam os seus cálculos e percebam a diferença para o que acontece atualmente.
29/11/1962: Atlético pretende gastar 10 milhões de cruzeiros para montar um super time em 1963. Renato Siqueira e outros diretores viajam a São Paulo para tratar do lançamento da campanha de venda de títulos patrimoniais para levantar o montante.
04/12/1962: Walter fora do Atlético. O jogador tem o passe posto a venda por indisciplina. Renato Siqueira anuncia que o preço do passe do jogador para times da capital é de 1 milhão de cruzeiros e para outros clubes o preço é de 2 milhões de cruzeiros.
Nota: curioso o preço menor para transação entre clubes locais. Creio que hoje aconteceria justamente o contrário.
15/12/1962: Atlético despreza o Torneio Extra, pelo qual jogaria contra o Palestra em virtude de um amistoso tratado no mesmo dia contra a seleção de União da Vitória. Os titulares seguiram para União da Vitória enquanto para o jogo contra o Palestra ficaram os "cabeças de bagres".
Nota: primeiro, o velho problema do calendário. Este Torneio Extra foi concebido para manter os times ativos durante o Campeonato das Seleções. Foi um fracasso enorme e acabou sendo interrompido. Depois, destaque-se o fato de que o jornal usou com todas as letras o termo "cabeças de bagres" para qualificar o time reserva do Atlético.
17/12/1962: Palestra 3 x 0 Atlético, pelo Torneio Extra.
Nota: o jornal tinha razão, eram mesmo "cabeças de bagre".
19/12/1962: diretoria do Atlético oferece uma churrascada à imprensa e aos atletas antes de liberar os jogadores para as férias. O local é o bosque do Estádio Joaquim Américo e o churrasco será preparado pelo Alberto.
Nota: o bosque do Joaquim Américo era constituído de algumas araucárias e ficava onde hoje existe o Setor Madre Maria dos Anjos, na Kyocera Arena.
29/12/1962: Renato Siqueira, José Pacheco Neto e Júlio Gomel vão a São Paulo para tratar dos lançamentos dos títulos patrimoniais.
Nota: a campanha tinha como objetivo mais uma vez estruturar patrimonialmente o Atlético. A matéria do jornal termina dizendo que a diretoria deseja transformar a Baixada em um monumento do esporte paranaense. Eu lembro da maquete e era realmente um projeto maravilhoso. Trinta e sete anos depois, o sonho foi realizado.
09/01/1963 José Pacheco Neto assume interinamente a presidência. Renato Siqueira se afasta por motivos de saúde.
16/01/1963: Coritiba oferece muito dinheiro para ter o goleiro juvenil do Atlético, Raul.
17/01/1963: Renato Siqueira, José Pacheco Neto e Júlio Gomel vão imediatamente à casa do goleiro Raul, onde se soube que o pai do atleta, Sr. Willy, estava acertando com diretores do Coritiba a transferência do goleiro. Ao chegarem à residência encontram o Sr. Miguel Chechia, do Coritiba, e há grande troca de acusações. O Coritiba ofereceu ao goleiro mais de 500 mil cruzeiros pelo passe.
Nota: este foi um dos episódios que mais contrariaram Renato Siqueira durante a sua gestão. O pai de Raul, que nada menos é do que Raul Plassmann, ex-goleiro do Flamengo, hoje comentarista de futebol e Secretário Municipal de Esportes de Curitiba, acabou assinando o contrato com o Coritiba (Raul era então menor de idade) e tirou o grande goleiro do Atlético.
18/01/1963: Renato Siqueira renuncia. Abílio Ribeiro é consultado para substituí-lo.
21/01/1963: Atlético conquista o bicampeonato juvenil, no Estádio Loprete Frega, vencendo o Clube Atlético Primavera por 1 x 0. O time campeão contou com: Raul; Adilson, Paulo, Amauri e Osvaldo; Júlio César, Anélio e Alfredo; Iratí, Juarez e Motorzinho.
Nota: a faixa de bicampeão juvenil 62-63 era uma das principais lembranças da passagem de Renato Siqueira pela presidência do Atlético.
Renato Barreto de Siqueira faleceu em maio de 1994. Não teve a felicidade que nós tivemos de vibrar com tantas conquistas dentro e fora do campo. Em nome dele, do meu sempre querido vô Arnaldo, dos meus irmãos, sobrinhos, filhos e netos, membros de cinco gerações de paixão rubro-negra, desejo a todos nós atleticanos um mundo de Felicidades.
Parabéns, meu Atlético. Um velhinho de 81 anos com corpinho de 20.
Saiba mais:
– Hot site 80 anos (história atleticana)
– Homenagem aos 81 anos do Atlético