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12 nov 2005 - 19h05

1985: o ano da desgraça

Amigos, peço vossa atenção para o cenário que passo a descrever: ele será o palco de nossa história de hoje. Uma sala de aula, quinta série, vinte e quatro anjinhos devidamente sentados em suas carteiras, uma bela professora chamada Alice e um capeta de doze anos de idade chamado Joãozinho e que, dentro da sala, só se preocupava em acabar com as aulas da esforçada Alice. Ah, já ia me esquecendo, a Professora Alice leciona História. Cenário montado, partamos à história.

Naquela manhã de primavera em Curitiba, Professora Alice entrou na sala toda feliz da vida, deu bom-dia à turma que só não respondeu em uníssono porque o Joãozinho, muito mal-humorado, perguntou:

– Bom-dia por quê? O dia só seria bom se eu tivesse ficado em casa dormindo em vez de vir a essa porra de escola que não me serve pra nada!

O comentário do Joãozinho foi captado pelos poderosos ouvidos da Mestra, mas ela fez ouvido de mercador e desprezou a provocação, pois estava mais preocupada em dar uma boa aula para o restante da sorridente quinta série.

Disse a boa Mestra:

– Crianças, hoje eu vou falar de um assunto bastante importante, de uma época efervescente da História do Brasil, hoje eu vou falar sobre o ano de 1985, ano muito difícil para a vida brasileira, ano dos mais desgraçados da História.

Ouvindo a Mestra falar Joãozinho decidiu que acabaria com aquela aula. Tudo o que a Mestra dissesse seria motivo para seu deboche infantil. O Joãozinho estava resolvido a ser do contra e a Professora Alice não perderia por esperar. E a aula enfim começou.

Dizia a Mestra…

– 1985 foi um ano dos mais desgraçados! O Brasil, que vivera vinte e um anos de ditadura militar, tentava se redemocratizar.

– “Grandes bosta”, já vi desgraça maior – provocava lá do fundo o Joãozinho sem que a Mestra lhe emprestasse ouvidos.

E Alice, já nervosa, continuava…

– Iríamos escolher nosso Presidente, mas não de forma direta. Assim, em 15 de janeiro de 1985, os membros do Colégio Eleitoral – que era o órgão que escolheria o novo Presidente – deram 480 votos a Tancredo Neves e apenas 180 a Paulo Maluf, tendo sido registradas 17 abstenções e nove ausências. Os cinco estados que mais contribuíram para a vitória da Aliança Democrática foram Minas Gerais (57 votos), São Paulo (50), Rio de Janeiro (42), Paraná (37) e Bahia (35). Além dos aliancistas, Tancredo recebeu os votos dos convencionais do PDT e de dissidentes do PDS e do PT. Proclamados os resultados eleitorais pela mesa do Congresso, Tancredo declarou que a primeira tarefa de seu governo seria a de promover a organização institucional do Estado. Ressaltou a importância da conciliação, que “não exclui o confronto de idéias, a defesa de doutrinas divergentes”, e concitou o país ao “grande mutirão nacional”.

E nessa altura da explicação, toda a quinta série estava atenta, menos o Joãozinho que repetia com petulância jamais vista o seu provocativo bordão:

– “Grandes bosta” esse tal ano de 1985, já vi desgraça maior – mas a Mestra continuava a explanação.

– Termos um Presidente eleito indiretamente não era o sonho do povo brasileiro. No entanto, Tancredo Neves parecia feito de sonho e dava ao povo grandes esperanças. Ocorre que, infelizmente, após submeter-se a sete cirurgias, Tancredo morreu em 21 de abril do desgraçado ano de 1985. No dia seguinte, Sarney assumiu efetivamente a presidência, anunciando que seu governo seria “o governo de Tancredo”. Em seu primeiro discurso na nova condição, tratou das duas maiores prioridades nacionais – a redemocratização e a crise econômica herdada do último governo militar – prometendo que convocaria a Assembléia Constituinte “o mais cedo possível” e que o país cumpriria seus compromissos com os credores internacionais, mas não ao preço do sacrifício do povo.

E o Joãozinho interveio de novo:

– O Tancredo morreu, antes ele do que eu. O Sarney assumiu, que vá pra puta que o pariu. “Grandes bosta” esse tal ano de 1985, já vi desgraça maior – e a Mestra, já tremendo por dentro, estava a ponto de explodir, mas manteve a fleuma em nome da História e em respeito às crianças que prestava toda a atenção.

Continuou a Professora Alice:

– Mas não foi só na política que o ano de 1985 foi desgraçado. Na música, Tetê Espíndola venceu, no desgraçado ano de 1985, o “Festival dos Festivais”, da Rede Globo, com a canção “Escrito nas Estrelas”, que bateu recordes de execução e vendagem, dando-lhe o disco de ouro. A voz dela era uma desgraça, a letra era horrorosa e a música chegava a causar ânsia de vômito e diarréia nos organismos mais sensíveis. Naquele ano a mulher brasileira mais bonita era o travesti Roberta Close e a filha do Leonel Brizola – Neusinha Brizola – cantava uma música irritante chamada “Mintchura”. No mundo, houve uma onda de terrorismo no Peru na qual a polícia prendeu, em 24 horas, cinco mil pessoas. A guerra fria ganhava espaços nos jornais e preocupava o mundo todo e tinha ainda o vírus da AIDS matando pessoas em todo canto do planeta.

Depois dessa longa exposição houve silêncio geral na turma e a Professora Alice se sentiu tranqüilizada, pois o Joãozinho não lhe opusera objeções. Mas percebendo o ar vitorioso na face da Mestra, Joãozinho voltou ao combate e espetou a Professora com crueldade, uma vez mais:

– “Bosta, bosta, grandes bosta” esse tal ano de 1985 não foi nem um pouco desgraçado, pura balela, eu mesmo que só tenho doze anos já cansei de ver desgraça maior – mas aí a Mestra explodiu, com toda razão, e muito puta da cara gritou a plenos pulmões:

– Ah, você quer ver desgraça em 1985, seu filho de uma égua? Mas quer ver desgraça grande, dessas que não deixam dúvidas? Mas você quer desgraça dessas de fazer chorar até o pior dos homicidas? Pois então toma lá, Joãozinho, seu viado infantil!

E desse ponto em diante a Mestra começou a vociferar:

– Pois bem, no desgraçado ano de 1985, houve o desgraçado Campeonato Brasileiro de futebol de 1985, por óbvio. Pois bem, a coisa foi tão desgraçada, mas tão desgraçada que os semifinalistas daquela bosta foram: Atlético Mineiro, Brasil de Pelotas, Bangu e Coritiba, isso mesmo, pasmem, o Coritiba. E pasmem, queridas crianças, a desgraça ainda seria maior, pois a final foi entre Coritiba e Bangu!

– Sagu, Fessora? – perguntou a Ana Carolina.

– Não, Aninha, Bangu, Bangu – repetiu a estremada Mestra.

E a aula de horrores continuava.

– Pois é, pessoal, foram para a final do brasileiro o Coritiba e o Bangu e o escritor Luís Fernando Veríssimo ao ver tamanho absurdo nem quis acreditar e publicou em sua coluna o seguinte comentário: “Tudo bem que todo mundo é filho de Deus, mas dessa vez Deus exagerou na ironia ao colocar Coritiba e Bangu numa final de Brasileiro”.

– Nossa! – exclamou o Paulinho fazendo o sinal da cruz.

– É! Foi um ano desgraçado mesmo, Fessora! asseverou com espanto a Milena Maria, a melhor aluna da sala, e seu espanto foi seguido pelos espantos da Talaby, da Geórgia e da Natasha, que nessa altura tinham os olhos arregalados de horror!

– Querem mais horror? – cutucou a Mestra olhando para o Joãzinho com olhos rútilos de ódio.

– Não, Fessora! – suplicou a Marjorie, já com os olhos cheios de lágrimas.

Mas a Mestra não cedeu aos pedidos da menina e continuou seu massacre:

– Tomem lá mais horror: a final foi vencida nos pênaltis pelo Coritiba que, aliás, é o único campeão brasileiro com saldo de gols negativo, pois tomou mais gols do que fez. E os craques do time se chamavam Lela, Vavá, Tobi e Dida!

– Fessora, Lela, Vavá, Tobi e Dida não eram Os Trapalhões? – quis saber o Eduardo.

– Não, Eduardo, eles eram os craques do campeão brasileiro 1985, um time que tomou mais gols do que fez e que só conseguiu ganhar do fraco Bangu nos pênaltis, nos pênaltis! E agora, Joãozinho, vai me dizer que já viu desgraça maior?

E o Joãozinho, chorando copiosamente, disse que não, que nunca tinha visto desgraça maior do que aquela. E ele pediu desculpas para a Professora Alice e reconheceu, enfim, que 1985 tinha sido, de fato, o ano mais desgraçado da História, nem tanto pelo Tancredo que havia morrido, nem tanto pelo Sarney que assumira a Presidência da República, mas o Coritiba ser o melhor do Brasil, pelo amor de Deus, aquilo sim era uma enorme desgraça, a maior desgraça da História, sem dúvida alguma.



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