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11 dez 2005 - 12h53

Rubro-negro é quem tem raça e não teme a própria morte: réquiem em vermelho e preto

Ainda não eram seis da manhã, quando a campainha do telefone quebrou o silêncio e trouxe para mim a notícia indesejada: o amigo, de tantos anos, estava morto. Não que houvesse qualquer esperança, pois eu sabia do estado terminal do velho companheiro, mas o coração humano insiste em manter acessa a chama da fé, ainda que ventos soprem contra o fogo que se vai, pouco a pouco, extinguindo. Esperava pelo pior, mas não estava preparado.

Pus o telefone no gancho, acendi um cigarro e traguei profundamente como se tentasse, em vão, preencher o vazio que se instalara em minha alma. Momentos de dor, minutos de perplexidade, tempo de lembrar o velho amigo agora morto, hora de preparar as últimas palavras e chorar as últimas lágrimas: esperava pelo pior, mas não estava preparado.

Longo caminho aquele que me levou até o cemitério. Vontade de não passar por aquele portão, desejo de voltar correndo para casa, de me jogar na cama e pensar que tudo aquilo era um pesadelo. Vontade de morrer no lugar do amigo, vontade de nunca ter existido, mas toda essa vacilação foi vencida pela vontade de dar o último adeus. Entre a covardia humana da fuga e a valentia sobre-humana de encarar a morte – uma vez mais – prevaleceu esta, a duras penas.

Longo caminho aquele que me levou até a capela. Vontade de não olhar para aquele caixão, desejo de tomar o amigo nos braços, de sacudir-lhe o corpo num safanão, de dizer-lhe que aquilo era coisa indigna de se fazer aos amigos, proibir-lhe de morrer e de me fazer sofrer assim. Vontade de reviver todos os momentos, vontade de contar para todo mundo o quanto valeu ter existido ao lado de tão estimado amigo. Vontade de que não fosse aquele o último adeus.

Entre mim e o amigo, havia muitas décadas de diferença. Seus quase noventa anos contrastavam com minhas três décadas mal vividas. Seus quase noventa anos discrepavam de minhas três décadas pouco vividas e só o que nos unia era o amor incondicional ao Rubro-Negro, esse time que é de tantos e que, por isso mesmo, é de todos nós. E tudo o que nos ligava era o Atlético Paranaense, centro de nossas conversas, tema de nossas discussões, começo, meio e fim de nossas vidas, de nossa grande amizade.

Sentia-me vazio naquela manhã de dezembro. Nas mãos, trazia a última homenagem ao amigo morto: uma bandeira atleticana que respeitosamente estendi sobre o corpo inerte. E, ao estender o sagrado estandarte vermelho e preto sobre o corpo que repousava no esquife, apertei em minhas mãos as mãos do velho amigo e elas estavam quentes como se ainda lhe corresse o sangue forte pelas veias, como se estivesse mergulhado num sono e não morto como se havia anunciado.

Pasmado, segurei ainda mais fortemente as mãos do amigo e constatei que estavam quentes e cresceu dentro de mim uma esperança de que aquilo não passasse de um engano, que afinal ainda seria desfeito para que eu tivesse o amigo então restituído. E numa esperança inexplicável, permaneci ao lado do caixão por toda a manhã, por toda a tarde, tendo sempre em minhas mãos as mãos do amigo e tendo entre nós a sagrada bandeira do Atlético Paranaense.

Já eram quase cinco horas da tarde quando alguém se aproximou de mim dizendo que era preciso fechar o caixão, dizendo que havia chegado a hora. Em minhas mãos eu podia sentir o calor das mãos do velho amigo, em vão eu tentei argumentar, mas havia chegado a última hora e amigos vieram me afastar do caixão. Nesse instante, alguém tocou no meu ombro para me afastar dali e nesse instante alguém retirou a bandeira que eu havia estendido sobre o corpo do velho companheiro.

Ainda de mãos dadas com ele, assisti à retirada da bandeira Rubro-Negra. E eu sentia em minhas mãos o calor das mãos do velho companheiro, mas à medida em que a bandeira foi sendo removida, senti o calor se dissipar, se dissipar, se dissipar, até que a bandeira foi cuidadosamente dobrada e guardada.

Nesse exato instante, estando o corpo do meu amigo longe da bandeira, senti em minhas mãos as mãos geladas do velho amigo, senti então que a vida lhe escapara, senti nas minhas mãos o amigo morto, senti que entre nós havia agora um minuto inteiro de silêncio que perdurará por toda a eternidade.



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