O Furacão e o herói alemão
O grande jogador de futebol, aquele reconhecido como “craque” assume aspectos épicos de “herói” no inconsciente dos torcedores de seu clube, tal como hoje nos acontece com Dagoberto no Atlético Paranaense. Na ação do “craque” depositam-se as esperanças do triunfo, como no herói que conduz as tropas à vitória, esta relação é inconsciente, mística e idolatrante.
Esta prática verifica-se facilmente nos tempos de Copa do Mundo onde o torneio assume ares de “Batalha Final”, os brasileiros entendem Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Adraino e os demais, como seus grandes e valorosos soldados, existe uma confiança intrínseca na supremacia do elenco nacional. Assumiram esta condição Pelé e Maradona nos seus períodos. Que vingança mais apropriada ofereceu Maradona driblando meio time da Inglaterra, justamente aquele inimigo que humilhara todos os argentinos nas Malvinas, ou então quando Senna deu a volta da vitória empunhando a bandeira nacional no domingo seguinte à tragédia do San Dennis em 1998.
O alemão que hoje compõe os quadros do Furacão, foi um dos grandes heróis de seu povo, foi o recordista em jogos da seleção, participou de cinco copas do mundo, foi campeão mundial interclubes, foi capitão da seleção campeã mundial. Todavia o valente “highlander” que batalhava corpo à corpo junto com suas tropas e dentro dos gramados, teve que se aposentar, inexiste o soldado universal, mas continuou a ser herói, mas um herói com busto em praça pública, fim comum para todo herói, onde a cada dia e a cada ano apagam-se da memória popular e se transfiguram em lendas, meio verdade meio exagero. Como sua herança restaria a reverência e a profunda estima do povo alemão e o reconhecimento do mundo do futebol pelo seu talento e exemplo.
Mas, como a maioria dos grandes heróis, resistiu ao descanso pelo mérito e adormecer sua índole aguerrida, nosso alemão redefiniu outros horizontes, propondo-se a re-escrever sua própria história. O futebol alemão não desejava ver o herói triunfador de outrora, sujeito à novas provações e suportar novos desconfortos, sua glória impoluta não deveria ser novamente posta à prova ou derrota. Todavia, o batalhador é incansável e lançou-se a desafios desconhecidos, longe de sua gente e da sua terra, em viagem solitária onde procurou confiança por cantões mais humildes e não menos valorosos, iniciando seu primeiro passo pela Áustria, depois pela arrasada Sérvia, onde muitos campos sequer dispunham de grama, e pelas limitações do escrete húngaro, não tão brilhante como sua história. Lothar Matthäus, assim vai colecionando derrotas e sucessos neste novo caminho, mas agora, como general nos embates e soube reconhecer a oportunidade estratégica que lhe apareceu com o Atlético Paranaense.
Hoje o alemão travará suas batalhas nas entranhas do mais temível inimigo do futebol de sua gente, terá oportunidade de reafirmar o seu conhecimento e seu valor no interior da máquina que forja os maiores algozes de todo o futebol mundial. Será a oportunidade de aprender na maior e melhor escola do futebol, e se aprender as lições e oferecer sua competência e talento ao concurso dos sucessos do Furacão. Terá ainda o herói alemão a seu dispor a melhor retaguarda e estrutura esportiva do país, seja física, seja acadêmica, uma torcida ensandecida e vibrante e uma constelação de jovens talentos à sua lapidação, coisas que ao certo nem Áustria, nem Sérvia e nem Hungria puderam lhe oferecer.
O triunfo de Matthäus significará ao povo alemão um reencontro com seu herói e a oportunidade de cimpriem até uma “mea culpa”, pois o Atlético e sua torcida acreditaram mais nesta nova jornada que seus compatriotas. Perdoável, pois este fenômeno de evitar que o ídolo se proste em derrota também é compatilhado por nós, ninguém desejaria Pelé como técnico na Sérvia, na Áustria, ou no Olaria.
Hoje o alemão dispõe pela primeira vez de uma equipe (pelo menos potencialmente) assemelhada aos grandes esquadrões de sua época, um equipamento e estrutura notáveis e uma retaguarda cientifica de apoio; será assim, o Furacão para Matthäus dará a possibilidade do herói partir para uma glória eterna.
A copa do mundo de 2010 para a Alemanha começou a definir-se no primeiro dia em que Lothar Matthäus pisou no CT do Caju, a sorte dos dados, lançada. Não importa mais o que aconteceu antes, o rubicão de Matthäus foi o próprio CT do Caju. Seu triunfo em terra brasilis, gerará uma força inevitável que o habilitará ao comando alemão em 2010. E, se por ventura algum dia este alemão re-erguer a taça da Copa, esta glória começou a ser escrita quando desceu inconformado daquele pedestal na praça pública, renegou sua condição de estátua e saiu pelo mundo, bem pra longe de sua terra, expondo-se a derrota, ao descrédito, à critica e reuniu conhecimento necessário para triunfar e impingir com seu valor e sua própria luz novamente o mundo do futebol e colher a glória eterna do “highlander”.
Só por isto temos a certeza que este alemão tem muito valor. Boa sorte Matthäus, conte com a gente atleticana.