As vaias são uma manifestação democrática de crítica ao desempenho do jogador ou uma conduta excessiva que acarreta prejuízos e dificulta a sua atuação? A questão tornou-se objeto de discussão entre os atleticanos desde a entrevista coletiva do técnico Vadão após o jogo contra o Santa Cruz. Ele analisou o comportamento de parte da torcida e reprovou as críticas exageradas. O tema, porém, não é recente. Não foi apenas nesta partida que jogadores atleticanos foram vaiados pela própria torcida – o que autoriza a se concluir de que não se trata de um fato isolado, mas de uma mudança de comportamento. Por isso, os comentários de Vadão devem conduzir a uma reflexão: afinal, há algum mal nas vaias?
Antes de tudo, é preciso investigar o fenômeno da vaia: por que ela surge, a quem é dirigida e quem vaia. Em primeiro lugar, registre-se que a vaia não é um fenômeno exclusivo do futebol e sequer originado nos estádios. Certamente, trata-se de algo tâo antigo quanto as primeiras reuniões de pessoas. Ao longo de centenas de anos, os apupos têm sido comuns em eventos culturais, esportivos, políticos e religiosos. No futebol, há registros de casos históricos de grandes vaias durante partidas. Contudo, a torcida do Atlético construiu uma reputação associada ao apoio irrestrito aos atletas do clube. Durante muito tempo, torcedores rubro-negros orgulharam-se do fato de não xingarem os jogadores. Acreditavam que o incentivo das arquibancadas teria um poder de transformar um perna de pau em um craque – ou, vá lá, pelo menos em um jogador útil para a equipe. Nos últimos tempos, entrentanto, a vaia a alguns jogadores vem se tornando cada vez mais freqüente na Kyocera Arena.
A distinção entre a vaia ao time e a vaia a um jogador específico é importante. Quando é dirigida ao time, demonstra a insatisfação geral quanto ao resultado da partida, à atuação da equipe e, principalmente, ao empenho e esforço dos jogadores – neste caso, a vaia é quase sempre acompanhada dos gritos de "raça". Este tipo de apupo é mais antigo e, de certa forma, melhor aceito pelos personagens envolvidos. Mas quando se trata de vaias a um atleta, a coisa muda de figura. "Parte da torcida não está entendo que os nossos jogadores precisam de apoio nesse momento. Porque é muito fácil irmos para a final da Libertadores e daí bater palma. Eu acho que tem que bater palma nesse momento difícil. O Atlético passa por um momento difícil, não estamos negando isso e é nesse momento que precisamos dos torcedores", declarou o técnico Vadão após a suada vitória sobre o Santa Cruz. Ele reclamou principalmente das vaias a alguns jogadores. Neste caso, trata-se de um repúdio à atuação do atleta ou mesmo de uma perseguição.
Vadão ressalvou a conduta da Torcida Organizada Os Fanáticos durante a partida. "A torcida Os Fanáticos apoiou a equipe o tempo inteiro, entendendo o momento que o Atlético vive", comentou o treinador. Apesar disso, é impossível afirmar de onde partem as vaias e quem são os torcedores que "perseguem" os atletas. Certamente, nâo é toda a torcida atleticana que concorda com este comportamento. Por outro lado, não é verdade que as críticas estejam partindo de um grupo ou setor específico. Em outras palavras, não são todos que vaiam, mas em todos os setores há quem vaie.
Por que surgem as vaias
A vaia é fruto direto da insatisfação do torcedor com o time, os jogadores e o resultado. O argumento de quem vaia é simples: paga ingresso para assistir um espetáculo e tem direito de manifestar sua lamentação. De fato, a vaia é a forma mais evidente de expressar o descontentamento dentro de um estádio de futebol. Talvez seja a única via que muitos torcedores dispôem para se comunicar com o clube, informar que não suporta mais determinado jogador ou que não gostou da atuação da equipe.
Para Ricardo Campelo, colunista da Furacao.com, a vaia é prejudicial ao time, mas é compreensível. "Via de regra, sou absolutamente contra às vaias durante as partidas. Ainda que haja descontentamento quanto ao futebol apresentado, as vaias só atrapalham e tornam ainda mais difícil a vitória. Depois da partida, existem casos em que o torcedor que pagou ingresso tem o direito de manifestar seu descontetamento. Contudo, é fato que ultimamente a diretoria vem insistindo muito em determinados jogadores, sendo de se entender que a torcida perca a paciência e acabe vaiando", comenta Campelo, freqüentador assíduo dos jogos do Atlético.
"Acho que o torcedor deve ser crítico, até porque isso ajuda a apontar os equívocos, mas durante o jogo o papel da galera não é vaiar e sim apoiar. Sou contra as vaias, mas a favor da crítica construtiva", opina Sergio Surugi, professor universitário e também colunista da Furacao.com. Outro articulista do site, Juarez Villela Filho, é contra as vaias, mas acha que a insistência com alguns jogadores de baixa qualidade técnica irrita o torcedor. Apesar disso, ele lembra que a torcida atleticana costuma ser muito paciente. "A maioria da torcida sabe valorizar atletas que, mesmo não sendo craques, se esforçam em campo e acabam criando empatia com o atleticano, como Ferreira e Marcos Aurélio, além de Paulo Rink, que já fez muito pelo time", destaca.
As torcedoras também consideram que a vaia é um recurso exagerado. "Durante o jogo a torcida precisa apoiar e incentivar. No final do primeiro tempo ou da partida, aí sim é hora de mostrar sua insatisfação", diz a jornalista Patricia Bahr.
O jornalista Silvio Rauth Filho tem opinião formada: "Vaias nunca ajudam. Só prejudicam o time e, por conseqüência, o Atlético. O papel do torcedor é apoiar e incentivar. Se alguém tem algum protesto, deve enviar diretamente para os encarregados. Vaiar nunca vai resolver. Só vai piorar".
Repercussão
Para o técnico Vadão, os jogadores do Atlético estão precisando de apoio em um momento difícil. Na visão dele, as vaias causam prejuízo ao desempenho dos atletas. O raciocínio é o seguinte: o jogador entra em campo pressionado porque teme as vaias da torcida. Por isso, as chances de cometer um erro aumentam. Quando o erro acontece, surgem as vaias e a pressão aumenta. Cria-se um círculo vicioso difícil de ser rompido.
O psicólogo gaúcho Cleuber Roggia é autor de um estudo sobre a concentração dos jogadores de futebol. Em sua pesquisa, ele identificou uma série de fatores que interferem na concentração dos atletas e comprometem o desempenho individual. "Estar ansioso, bravo, enfim, não estar bem consigo mesmo, atrapalha consideravelmente o rendimento do atleta dentro de campo e, assim, influi diretamente na concentração, chegando a interferir em todo o time e, em conseqüência, por vezes, no resultado da partida", escreveu Roggia.
De acordo com o psicólogo, as manifestações das torcidas interferem "no desempenho dos jogadores durante a partida, seja esta influência negativa ou positiva". Os estudos conduziram à conclusão de que as vaias da torcida influenciam negativamente na concentração dos atletas. Vaiado, o jogador perde a concentração e comete erros que não cometeria em seu estado normal.
Por outro lado, há casos em que a vaia pode servir de incentivo ao jogador. Foi o que aconteceu num casos mais clássicos de vaia no futebol brasileiro. O protagonista foi o ponta-direita Julinho Botelho, ex-Palmeiras. Em 1959, a Seleção Brasileira disputou um amistoso contra a Inglaterra, no Rio de Janeiro. Os torcedores lotaram o Maracanã para ver de perto os astros que haviam recém-conquistado a Copa do Mundo. Mas quando o sistema de som do estádio anunciou o nome de Julinho em lugar do ídolo Garrincha, o que se ouviu foi uma das maiores vaias da história. A resposta do jogador veio dentro de campo. Fez um gol, deu o passe para outro e foi o melhor em campo na vitória por 2 a 0. Resultado: terminou o jogo aplaudido. Sobre este episódio, o cronista Nelson Rodrigues registrou que "para o jogador de caráter, uma vaia é um incentivo fabuloso, um afrodisíaco infalível".
A bola está com você, torcedor atleticano. O que você pensa sobre o assunto? A vaia é um incentivo ou é prejudicial ao jogador?
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