Quando o povão ganhou um Atletiba três dias antes do jogo
Acompanho futebol e, principalmente o Atlético, desde 1968 (contava então com 9 anos), conhecendo, participando e assistindo aos mais variados fatos.
De torcedor, motivado por alegrias, tristezas, raiva, frustração, orgulho, conquistas, lágrimas de emoção e, sobretudo, muita paixão. Paixão que move todo um povo a encontrar no rubro-negro o componente do dia-a-dia.
Para este “povão”, significa até a força e um ideal de vida. Povão, força, paixão: isto jamais pode ser deixado em segundo plano. Tive o privilégio de atestar esta simbiose, numa cena pouco presenciada e divulgada, mas que traduziu como nunca o rótulo de 12º jogador a auxiliar o time numa vitória.
Isto não é tão especial, dirão alguns, pois é comum uma torcida motivar o seu clube para ganhar. Realmente, são vários e constantes os exemplos similares. Mas no estádio. O que não é comum é uma torcida “ganhar” o jogo dias antes de ele acontecer, com tanta certeza e, melhor ainda, num clássico contra seu maior adversário.
Em 2002, mesmo com um excelente grupo, o Atlético fazia uma campanha fraca na sua segunda Libertadores, reflexo de um conjunto de fatores extracampo após ter sido campeão brasileiro. Assim, após mais um mau resultado fora do Brasil, o rubro-negro chegaria em Curitiba na noite de quinta-feira. A insatisfação era latente, muito mais pela incompreensão da performance após um brilhante 2001, do que pelos resultados em si isoladamente.
Ensaiava-se uma manifestação de fortes protestos e cobrança de explicações no aeroporto e defronte à Arena. Certamente isto não só traria mais problemas ainda, como agravaria a situação para o próximo jogo – um Atletiba decisivo no domingo, em plena Arena, pela Copa Sul-Minas, e que tinha um adversário em evolução e vindo de boa campanha na temporada. Por isto, para preservar o time de maior desgaste ainda, a comissão técnica solicitara ao ônibus que embarcasse todos no estacionamento interno, evitando confrontos.
Face ao clima, Suke e o Julião, da Fanáticos, foram contactados perto das 12h. Após exame da situação e dos riscos para domingo, definiu-se organizar uma manifestação exatamente contrária, recepcionando e ovacionando todos na chegada ao Aeroporto. Ficaram de convocar seus associados e amigos e fazer o que pudessem, pois todos estavam muito aborrecidos.
Enquanto isto, confiando-se na ação e nos seus resultados, preparavam-se outros itens, como transporte e lanche, confecção de faixas, até com textos individuais para quem a Fanáticos estava na “bronca”; tudo sob uma certa ansiedade em saber à tarde se haveria um bom número de torcedores presentes.
Após telefonema em torno das 18h, veio a resposta: estava tudo certo; a “galera” entendeu e ia comparecer e que não se deveria ter preocupação com nada, pois estavam se organizando e pedindo empenho pessoal de todos.
Marcado no Afonso Pena às 21h (a previsão era do time chegar às 22h), mas 30 minutos antes a cena era algo singular: aproximadamente 60 adolescentes e jovens, rapazes e moças, todos trajando camisas e bonés atleticanos, muitos instrumentos prontos para explodirem em batuque e para a guerra sim, mas de paz e incentivo.
A oferta para jantarem não foi aceita, e num misto de timidez e orgulho, informaram que já tinham se “virado” com sanduíches em sua sede. Enquanto se aguardava, transcorriam deliciosas histórias de sua trajetória de torcida muito organizada e bem ordeira, apesar dos, digamos, acidentes próprios de percurso.
O tempo passava, o Aeroporto não tinha confirmação de chegada, apenas de que ocorreria atraso. E eles, ali, prontos, em alerta, vez por outra alguns cochilando, mas sempre observando que era só chamar quando fosse a hora. Em nenhum momento fizeram menção de irem embora.
Finalmente, à 1 hora da madrugada de sexta o vôo chegava. Foram avisados pelo celular o “psicólogo” Bolinha e o Prof. Cordeiro para que encaminhassem o pessoal (jogadores e comissão) para a saída normal e confiassem numa bela surpresa.
Tão logo o grupo se aproximara do saguão de desembarque, a Fanáticos foi avisada: foi o estopim para uma grande batucada, cantos e hinos, num Aeroporto quase vazio (não tinham outros vôos). Os jogadores se assustaram sem entender no início (Bolinha disse que ao ouvirem os gritos, ainda dentro da sala de desembarque alguns queriam dar a volta receando protestos e ironias, após tanto cansaço da viagem).
Não houve qualquer protesto ou cobrança; não se comentou o resultado ruim que traziam na bagagem; não se pediu nada para domingo; houve sim muita festa, bandeiras e faixas, fotos, presentes (bonés e camisetas da Fanáticos), abraços, tietagem e muito, muito mesmo, incentivo e alto astral.
Os jogadores se encaminharam para o ônibus, confiantes, revigorados, prometendo uma grande vitória no Atletiba. A torcida, ah esta bela torcida, saiu quase que às 02h30 de uma madrugada cansativa, mas com um orgulhoso semblante de “dever cumprido”.
Resultado de domingo? 2 a 0, com um bom futebol e raça o tempo todo. E, ao final, os jogadores indo até o alambrado agradecer o reforço secreto da madrugada de sexta.
Quem disse que torcida não ganha jogo? Ganha sim, até antes. Mas isto é próprio da torcida de um jovem de oitenta anos, mas sempre e cada vez mais Furacão!