No Brasil parece tradição, cultura arraigada: somente depois da porteira arrebentar é que procuram colocar uma tranca. Fato que se destaca a quem tiver um mínimo de capacidade e condição de observar a rotina brasileira. Caos aéreo, desmandos políticos, acidentes como o da Fonte Nova. Tragédias anunciadas. Por que seria diferente no futebol?
O futebol, tratado como religião por aqui, confirma a regra. Mandos e desmandos, oportunismos e bairrismos são corriqueiros e tratados pela mídia e dirigentes como tradições a serem respeitadas, pois representam o sentimento do povo, este mesmo que é considerado somente quando do interesse de algum cartola, ou para impor benefícios a determinados clubes em contratos televisivos. Esse mesmo povo que foi desrespeitado quando se autorizou uma lotação absurda, num estádio como a triste Fonte Nova. E agora, ninguém sabe, ninguém viu e fica tudo por isso mesmo.
Já faz tempo que o futebol é tratado somente como fonte de lucro. A ganância, a ambição, o interesse há muito são mais importantes que títulos, que torcidas, que tradição. E, diante disso, atos que no passado não muito distante, seriam vistos com repugnância e tristeza, hoje são tolerados e até aplaudidos, saudados pelos pragmáticos apologistas deste profissionalismo como exemplares, como dignos da nova realidade do futebol mundial. O principal exemplo é a facilidade com que o atleta profissional fala em trocar de clube, por motivos salariais. O que define é somente o dinheiro, quem paga mais, ou seja, todos têm seu preço. O atleta tem o direito de fazer seu pé-de-meia, pensar no futuro”, dizem alguns, em defesa de tal comportamento. É claro que sim, afinal todos pensamos nisso todas as noites, ao deitarmos a cabeça no travesseiro para dormir. Mas não parece estranho que esses mesmos adoradores defendam um profissional que, por exemplo, recebe milhares de reais por dia, quando torcedores, imprensa e dirigentes do clube reclamam de fraco desempenho? E quando profissionais, que são exemplos para milhares de jovens no mundo inteiro, viram manchete, não por seus últimos desempenhos, mas por noitadas e baladas. Pobres vítimas da imprensa marrom? Ganância é permitida, fraco desempenho profissional é tolerado. Que profissionalismo é esse?
Atualmente, o que vemos acontecer quando um profissional é cobrado, seja por má atuação, seja por comportamento inconveniente, é ele rapidamente começar a negociar com outro clube que, ávido, ignora quaisquer comportamentos anteriores e, vendendo até a alma se for necessário, saúda o recém-contratado como um herói, um deus. E dá-lhe beijos vazios em escudos de clubes e juras eternas de amor à torcida, fato que acontecerá no futuro próximo em outro clube, para outra torcida, sem nem ao menos deixar o nosso herói/deus ruborizado ou sequer constrangido. No outro clube, o que perdeu o antigo deus, dizem: Acabou o ciclo de fulano aqui e desejamos tudo de bom em sua nova empreitada, como procurando justificativas pelo abandono, como procurando entender como o deus foi embora assim, tão facilmente, se nossa torcida o deixava arrepiado de emoção.
Não concordo com o término de ciclos. Não concordo com a postura dos ditos heróis modernos do futebol, e ídolo, para mim, é aquele por quem eu poderia basear as minhas ações diárias, profissionais ou não. Já faz tempo que não existe nenhum profissional desse quilate no elenco do Atlético. Por isso não lamento a saída de ninguém, nem procuro justificar com sofismas salariais a preferência ou desejo ardoroso que muitos têm em atuar por equipes cariocas ou paulistas. Atleticano, mas atleticano mesmo, são os torcedores, principais responsáveis pelo Atlético ter saído do buraco nesse ano de 2007.
A crise ética atual na política brasileira, que muitos apontam, indignados, também tem sua correspondência no futebol. Só que nesse parece ser muito mais tolerada e aceita. Péssimo sinal dos tempos.
Falando ainda no ano de 2007, escapamos do rebaixamento e só. Aplaudo a mudança de pensamento da diretoria, que anteviu o desastre e atuou a tempo, ao contrário dos paranistas. Nisso nossos comandantes mostraram real capacidade e potencial para dar um novo impulso no nome de nosso Atlético. Espero, sinceramente, que as lições tenham finalmente sido aprendidas. A manutenção de Ney Franco foi positiva, só que qualquer um pode ver que manutenção de base para o ano que vem é besteira. Que base?
Feliz 2008 a todos!