A bola do jogo
Alguém joga cerveja para cima. Corro para o lado para não ser atingido pelo líquido precioso que era desperdiçado. Saí da escada. Estou na minha cadeira, em pé, feliz, como todos à minha volta. Como estão quase todos os mais de vinte mil presentes no estádio.
De repente vejo algo no céu. Lá vem a bola. Todos acompanham, alguém grita: olha a bola! “Vai cair aqui”, grita meu irmão. “Pega”, fala o Nardo. Na GV superior o Luciano faz o movimento de goleiro só para brincar. Não adianta, ela vai cair na GV inferior, perto da escada do setor 109. Penso: vou alcançar, é minha. Dois passos para o lado não adiantam e ela passa a 1 metro acima. Eu olho para trás, acompanhando o movimento da bola do jogo; a bola que acabara de entrar no gol da praça, em frente à Fanáticos.
Uma mulher estica o braço, espera pela bola. Ela vem rápida, forte, de muito alto. A bola alcança a mulher. Mas não é ali que ela queria ir. Braço esticado, mão aberta, como um goleiro que sai mal do gol, a mulher bate roupa, a bola bate na mão, espirra e toma outra trajetória. Rápida ela cai na fila H, fica se debatendo entre as cadeiras, ao meu lado, ao lado da minha cadeira. Ela estava ali, nervosa, rápida, alegre, feliz. Ela acabara de entrar no gol da praça, empurrada pelo guerreiro rubro-negro. Eu me abaixo, seguro. Cerca, cerca, grita o Nardo. Ela se aquieta, tranquila, na mão de um rubro-negro, a quem ela, segundos antes deixara feliz, como deixara todos os mais de vinte mil atleticanos dentro da Arena e todos os outros milhares que não puderam estar lá. Abraço-a e lembro do gol de Antônio Carlos, ele se abaixando, testando e fazendo-a entrar rápida, feliz e vibrante no gol são-paulino. Lembro do grito de gol da torcida. Lembro do meu grito de gol.
Aí viajo ao passado recente e lembro da alegria de ver Alex voltar a fazer gol e o Furacão virar para cima do Corinthians. Lembro que eu era um dos pouco mais de 40 atleticanos presentes no Pacaembu. Viramos o jogo. O empate nos tirou da briga pela Libertadores, mas não nos tirou a esperança e a certeza de que vale a pena estar lá. Seria um presente pela presença? Mas por que então ela não procurou um dos outros que lá estiveram? Por que eu?
Então lembro do Maracanã. Lembro dos pouquíssimos atleticanos. Lembro do Nardo e eu sendo guiados pelo policial dentro do Maior do Mundo para podermos chegar ao local destinado à torcida adversária, onde encontramos dois outros doentes esticando uma bandeira do Brasil com o brasão do CAP no centro. Será que foi por isso? Pelo Maracanã? Por ter saudado o time na entrada em campo em frente a oitenta e sete mil representantes da maior torcida do mundo? É um prêmio pela ousadia? É um prêmio pela paixão? Mas e Nardo? Então penso: ela é nossa. Não minha nem dele. É de todos nós. É um presente do time que através de um jogador chutou a bola para a torcida. Eu sou e serei apenas um representante, um fiel depositário da bola do jogo.