O tumba

Lá pelos idos anos do final da década de 90 (não parece que tá tão longe, mas do jeito que as mudanças são rápidas hoje em dia, dá pra se usar a palavra ‘idos’ até para uns 2 anos atrás; e estamos falando do século passado!) atuei por ‘algumas temporadas’ num time de amigos chamado Tumba. Os motivos do nome do escrete podem ser imaginados. A escalação começava pelo Luciano, capoeirista muito doido que dava uma de goleiro e que uma vez quis me bater porque fiz um gol de letra entre suas pernas num ‘jogo-treino’ um tanto quanto tumultuado. Depois vinha a linha defensiva, com o Leitão, que usava lentes de correção na época (mas jogava sem elas); o César; o Arninson que, pra se ter uma idéia da sua mobilidade em campo, tinha o apelido de ‘Pedra’, e o Esso, um jogador destro que tinha lá suas virtudes. A composição do meio-de-campo tinha o Léo, que na época ainda era advogado e se locomovia num Del Rey que às vezes levava quase o time inteiro (hoje é juiz de direito e a última vez que o vi, dirigia um mustang). O Léo tem uns 1,90m de altura, deve calçar 44 e tinha uma seriedade, uma raça, uma vontade em campo (às vezes confundida pelos adversários com maldade), que eu desconfiava que até em jogo de gol a gol ele dava um jeito de ‘chegar junto’ no seu adversário. Depois vinha o Rudi, irmão do Léo, da mesma altura, mas que no jogo era o oposto: jogava com uuuuma preguiça… e finalmente o eu, que além de ainda não ter estourado o joelho esquerdo, corria pra caramba, tinha minhas habilidades e jogava de meia-atacante. O ataque era formado pelo Stanley e pelo Juninho, que raramente estava em condições de jogo nos sábados e domingos, principalmente pela manhã. Não por acaso, o número da sua camisa era o 51. Com mais o Elízio, o Edson e o Cris, que entraram na sequência, esta era a base do nosso time.

Se você olhasse no papel, individualmente, não dava pra ter grandes aspirações. Confesso que sempre antes dos jogos eu pensava, ‘putz, vamos levar uma sacola’. Não levávamos. Ganhamos de muitos times superiores individualmente ao nosso. Eu sempre me surpreendia. Certa vez o Gegê da Psico montou uma seleção pra tentar, depois de uma sequência de umas cinco derrotas, quebrar nossa invencibilidade contra eles. O jogo foi lá no campinho suíco da Kraft. No time deles tinha até cara que já tinha sido profissional e jogava na suburbana de Curitiba. Dessa vez eu pensei que não ia dar pro Tumba. Eles dominavam totalmente o jogo, acertavam a trave, perdiam gols por excesso de preciosismo e diria até por falta de humildade. E inevitavelmente fizeram 1 a zero. Mas nosso time continuou correndo e lutando, mesmo com dificuldades. O jogo era daqueles quentes, de saír faísca. E com um gol meu e um do Rudi, viramos o jogo. No final eles conseguiram empatar, mas saíram de campo como se tivessem sido derrotados, afinal, nunca conseguiram nos vencer, nem com um time claramente superior. Nosso time individualmente não era grandes coisas, mas era entrosado e superava-se, pois era um time guerreiro, brigador, que superava suas deficiências técnicas, suas faltas de lentes de correção, e até seu excesso de ressaca, com muita raça, muito empenho, muita determinação, vibração e seguia surpreendendo até a ele mesmo.

Com o passar dos anos o Tumba foi sepultado pelo desmanche que a vida de seus jogadores lhe impôs. Ninguém recebeu propostas irrecusáveis do time da Psico, mas sim outras para casamentos, mudanças de emprego, de cidade. Ainda tenho contato com alguns ex-tumbas mas nunca mais jogamos juntos. E até hoje eu guardo na memória a mística deste time surpreendente.

É esse espírito que nós torcedores esperamos do time e dos jogadores que representam nossa paixão. Não importa se temos uma mescla de Leitões, Rudis, Pedras e Juninhos. Importa que sua determinação, sua raça, seu empenho, sua garra sejam demonstrados do início ao fim de cada jogo. Hoje em dia é difícil se ver isto. Não à toa ainda lamentamos tanto a saída do Claiton, o Léo do Atlético. Não à toa, poucos são os ídolos eternos surgidos recentemente. Não à toa, muitos dos que pisam o gramado da Arena são logo esquecidos, sepultados na tumba do esquecimento.