5 maio 2009 - 11h36

Ingleses boicotam jornal há vinte anos

A revolta da torcida atleticana contra a capa da Tribuna do Paraná não é inédita no Brasil, tampouco no exterior. Recentemente, o boicote da torcida do Liverpool ao jornal The Sun completou nada menos do que vinte anos. O protesto teve origem em uma reportagem sobre a pior tragédia da história do futebol inglês.

Em 1989, o Liverpool disputava a semifinal da Copa da Inglaterra contra o Nottingham Forest. Devido à superlotação do Estádio de Hillsborough, em Sheffield, 96 pessoas morreram asfixiadas ou pisoteadas e mais de 700 ficaram feridas. O desastre teve um impacto profundo no futebol inglês. Novas regras de segurança foram impostas e passou a ser obrigatório que todos os estádios tivessem cadeiras.

Loja exibe cartaz em Liverpool: "Não compre o Sun" [foto: ronramstew/flickr]


Dias depois da tragédia, o Sun estampou em sua capa a chamada para uma reportagem intitulada "A Verdade". O jornal disse que torcedores bêbados do Liverpool bateram, chutaram e urinaram em policiais, bombeiros e na equipe de resgate que tentava salvar os feridos. Afirmou ainda que os torcedores mortos tiveram suas carteiras roubadas.

A versão contada pelo Sun foi clamorasamente desmentida. Vários torcedores do Liverpool ajudaram no resgate das vítimas. A reportagem do jornal ofendeu a dignidade dos torcedores a tal ponto que deu origem a um boicote que até hoje não é esquecido.

Repercussão

O Sun é o jornal diário em lígua inglesa de maior circulação em todo o mundo. Seu dono é o magnata Rubert Murdoch, um dos homens mais ricos do mundo. Os principais atrativos do jornal são as notícias de fofocas de celebridades e a cobertura esportiva, principalmente de futebol.

Antes do incidente, em 1989, o Sun vendia 55 mil exemplares por dia em Liverpool. Hoje, vinte anos depois e mesmo com o aumento da circulação em todo o país, vende apenas 8 mil – uma queda brusca. Os números impressionam porque o Sun vende 3,3 milhões de exemplares em todo o país e Liverpool é a quarta maior cidade do Reino Unido. Segundo estimativas de outro jornal, o Guardian, o boicote de duas décadas causou um prejuízo de cerca de 73 milhões de pounds, em valores atualizados.

Imediatamente após a reportagem, as vendas despencaram. Donos de bancas de revista deixaram de pedir o jornal e há locais em que simplesmente ele não pode ser encontrado. Para combater o boicote, o Sun realizou várias promoções, reduzindo o preço do jornal e distribuindo brindes como revistas e DVDs. Mas os torcedores do Liverpool se recusavam a aceitar o jornal até mesmo de graça. Em mais de uma ocasião, exemplares do Sun foram rasgados e queimados em público.

Desculpas

O editor-chefe do jornal, Kelvin MacKenzie, lamentou a matéria. Mas o pedido de desculpas foi breve. Anos depois, ele confessou que não havia se arrependido e havia se desculpado apenas por pressão de Murdoch. Em 2004, o Sun publicou um editorial pedindo desculpas à torcida do Liverpool e dizendo que esta matéria foi o mais terrível equívoco da história do jornal.

Mas era tarde. A ojeriza cultivada ao longo de duas décadas fulminou a imagem do Sun na cidade. Até mesmo torcedores do Everton, o maior rival do Liverpool, aderiram ao boicote e deixaram de comprar o jornal.

"Cidade que não perdoa"

A indignação dos moradores de Liverpool é tanta que até o craque Wayne Rooney, ídolo da seleção inglesa e nascido na cidade, foi severamente criticado por ter vendido os direitos de sua biografia ao Sun. Rooney passou a ser xingado e ofendido na cidade – na época, ele ainda jogava pelo Everton.

Bandeira no Estádio do Liverpool prega o boicote ao jornal, mesmo duas décadas depois [foto: dontbuythesun.co.uk/flickr]


Os protestos da torcida do Liverpool contra o Sun são frequentes. Um grupo de torcedores mantém uma campanha permanente cujo slogan é "Não compre o Sun". Há camisas, bottons, adesivos e bandeiras com essa frase. Em 2007, durante um jogo contra o Arsenal, pela Copa da Inglaterra, torcedores organizaram um mosaico lembrando o caso e xingaram o jornal incessantemente durante os seis primeiros minutos do jogo (assista no YouTube).

O boicote é levado às últimas consequências. Uma reportagem do Guardian do último dia 18 de abril contou algumas histórias. O Sun é o único dos grandes jornais ingleses que não tem notícias reproduzidas no site oficial do Liverpool. O dono de um bar em Liverpool conta que uma vez rasgou um jornal que estava sendo lido no balcão por um cliente desavisado. Ex-jogadores e ídolos do Liverpool se recusam a dar entrevistas para o Sun.

No ano passado, a cervejaria Carlsberg havia acertado uma promoção com o Sun. A ideia seria distribuir um "vale cerveja" no jornal. Centenas de torcedores enviaram e-mails protestando e a empresa voltou atrás e cancelou o acordo. Sites de torcedores também apoiam o boicote.

Um jornalista chamou Liverpool de uma "cidade que não perdoa", em razão do longo boicote ao Sun, mesmo após vários pedidos de desculpas.



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