O referido causo nos remete a novembro de 1996. Lá estava eu, à época com os meus cinco anos de idade, num tempo onde a minha principal preocupação era não perder o horário das exibições dos Power Rangers na televisão. Contudo, vale a menção de que havia uma outra coisa que, cada vez mais, começava a tomar o meu gosto e atenção: os gols de Oséas e Paulo Rink.
Filho de pai coxa e de uma mãe sem gosto para o futebol – sem gosto, mas, pelo menos, sem o mau gosto do pai – tive em meu padrinho a minha salvação. Sua influência me distanciou de qualquer coisa que envolvesse os ‘alfaces do Perpétuo Socorro’, e é claro, me conferiu esta virtude, esta maravilha, que é ser atleticano.
Contudo, ainda que eu me considere rubro-negro desde o meu nascimento, até eu atingir os cinco anos de idade as coisas referentes ao Atlético eram um tanto vagas para mim. Porém, com um time daquele, que jogava ‘por música’ e que inclusive foi tema da minha primeira redação após o processo de alfabetização, era impossível eu não despertar para aquele mundo maravilhoso pintado de vermelho e preto.
Pois bem. Eu já tinha uma camisa do Atlético. Eu já sabia cantar o Hino do Atlético. Mas faltava eu ir a um jogo do Atlético. Depois de muita insistência, choro, ‘manha’ e todos os outros faniquitos possíveis e competentes a uma criança de cinco anos, enfim meu pai – SIM, O COXA – cedeu e datou o meu primeiro ingresso no Estádio Joaquim Américo: dia 24 de Novembro de 1996, para acompanhar Atlético contra Criciúma, em jogo válido pela última rodada da primeira fase do Brasileirão.
À época, meu pai era caixa do Banestado, e na véspera do jogo, ele e seus colegas de banco haviam marcado uma partida de futebol numa cancha localizada no município de Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba. Fato é que a família toda foi acompanhar a peleja, e logo nos primeiros instantes da partida meu pai desabou após uma dividida. E aí já viu. Foi aquele Deus nos acuda. Com a minha mãe no volante e meu pai aos resmungos, deitado no banco de trás do carro, voltamos o mais rápido que pudemos para a capital, a fim de encaminhar o atleta a um hospital.
O diagnóstico do ortopedista acusou o rompimento dos ligamentos do joelho esquerdo do meu pai, bem como a necessidade de uma intervenção cirúrgica para a colocação de alguns pinos. À noite, no quarto do hospital, meus pais conversavam enquanto eu apenas os fitava, silencioso. Sem mais nem menos, caí no choro. Logo, minha mãe me tomou em seus braços e disse: Não chore filho, o pai vai ficar bem. Vai dar tudo certo. E eu, por minha vez, rebati. Eu não estou chorando por causa dele. Eu estou chorando porque eu quero ir ao jogo! E como é que ele vai me levar desse jeito?
Tais palavras que ali emiti renderam e rendem até hoje, quando a passagem é contada nos nossos almoços de domingo sonoras gargalhadas. Naquele instante eu admiti o real sentimento do ser atleticano, o qual me acompanha até hoje: o amor incondicional ao Furacão, que não se abate seja pela chuva, pelo frio, pela distância, ou até mesmo por um pai fisicamente impossibilitado de levar o filho ao estádio. Pois bem, fato é que sobrou para a minha mãe, e lá fomos nós, naquele domingo tão especial, prestigiar o meu Atlético.
Na volta para casa, logo veio a pergunta do meu pai: E aí, foi tudo bem? Prontamente, minha mãe se antecipou algo irritada: Tudo bem? Nada bem! Fizemos todo esse esforço para levar o Victor ao jogo, e lá, além do Atlético perder, a torcida comemorava os gols do adversário. Para completar, ainda tomamos uma baita chuva. Em seguida, os olhos do meu velho se voltaram para mim, e puderam contemplar, segundo ele próprio, uma expressão de puro êxtase. Um olhar distante com uma sincera risada de boca fechada, que só se abriu para dizer, ao final de tudo isso eu quero voltar lá.
OBS: Naquele dia 24 de Novembro de 1996, o placar de 2×1 em favor do Criciúma gols de Marcão e Carlos Henrique contra o Atlético livrou a equipe catarinense do rebaixamento para a Série B, enquanto selou a queda do Fluminense para a segunda divisão, numa espécie de tributo da justiça natural ao Mártir das Laranjeiras, Ricardo Pinto.