[Promoção Brasileiro 2001 – 10 anos] Onde eu estava, afinal?
Onde eu estava no dia 23 de dezembro de 2001? Não consigo identificar, no turbilhão de imagens vivas e intactas que me vem à cabeça, nenhum pedaço de concretude, nenhuma evidência de matéria. Tudo, então, era feito sentimento. Sentia-me parte de um todo indivisível, pintor dos espaços tímidos da minha cidade, enfim tingidos do vermelho e do preto dos sonhos do menino que fui. Sentia ter valido a longa espera, relembrava as frustrações do passado, os momentos de alegria que nos foram roubados, saboreava o gosto da doce vingança servida em prato frio.
Mas onde eu estava, afinal, naquelas horas de preparação e angústia? E durante os noventa minutos fatais, que nos levaram à eternidade? Onde o meu corpo, o meu copo, o meu grito? Pois essa complexa equação eu não sei resolver. Não fiz parte do barulhento comboio que seguiu ao Caetano do ABC, é certo. Ainda assim, vejo-me espremido nos espaços permitidos da arena minúscula e interiorana, cercado de vultos trajados com o manto sagrado. Também me enxergo em frente ao aparelho de televisão, absolutamente só, eu e minha aflição, a contabilizar a passagem de cada segundo da partida épica. Ou na multidão concentrada nos arredores da Baixada-templo, onde éramos invencíveis.
Onde eu estava no dia 23 de dezembro de 2001? Eu estava em todos os lugares e em nenhum lugar, porque tudo era fantasia e tudo era real. Eu estava na Curitiba das ruas sem asfalto, primeiro, e da modernidade afetada, depois, eu estava em São Caetano, em Santo Antônio de Lisboa, em São Francisco, em Madri, em Havana, em Porto Príncipe, em Santiago, em Cachoeiras de Macacu. Eu estava no mundo, flutuando como espírito, porque, eu já disse, nada era matéria, nada era concreto. E foi assim até que os pés abençoados de Alex, o Grande, o Mineiro, o Eterno, encontraram a bola que lhes foi servida pelo tiro de Fabiano, espalmado por Sílvio, e a fizeram descansar solenemente no lugar que lhe havia sido reservado pelo destino. Gol, delírio, certeza. Éramos campeões!
A partir daí, retornei ao chão, meus olhos se encheram de água e eu agradeci aos céus, à natureza e aos deuses do futebol por estar vivo. O que acontecia diante dos meus olhos era finalmente concreto, um todo indivisível. Algo para não se esquecer nunca.