23 dez 2011 - 2h57

Flávio: “Todos davam a vida dentro de campo”

Seguindo a mística de que todo grande time começa com um grande goleiro, o Atlético contou com Flávio na meta atleticana durante o Campeonato Brasileiro de 2001, quando se consagrou campeão. O alagoano, apelidado de “Pantera”, defendeu a meta rubro-negra por sete anos e conquistou oito títulos com a camisa atleticana, participando como titular de sete deles. Suas características sempre primaram pela agilidade, velocidade e o reflexo. Dotado de uma condição física invejável, o goleiro foi responsável por defesas históricas, nas quais ele empregou velocidade fora do comum para evitar gols.

Vindo do CSA, de Alagoas, onde foi bicampeão estadual, Flávio chegou ao Atlético em agosto de 1995. Mesmo na condição de reserva, decidiu continuar trabalhando forte. Nos treinamentos, mostrava agilidade e boa colocação, deixando a certeza de que poderia substituir o titular com a mesma eficiência. Em 1996, a tão sonhada chance apareceu. Nas rodadas finais do Brasileiro, Ricardo Pinto desfalcou o time depois de ser covardemente agredido pela torcida do Fluminense. Mesmo assim, o técnico Evaristo de Macedo preferiu contar com o veterano Ivan, mantendo Flávio na reserva. Apesar do duro golpe, Flávio continuou trabalhando com a mesma seriedade – uma marca em sua carreira. Mas, nos dois primeiros anos, poucas foram as chances de mostrar seu potencial. A grande oportunidade veio quando Ricardo Pinto deixou o clube. Com a oportunidade lhe conferida pelo técnico Abel Braga, veio também a responsabilidade de transmitir segurança, tanto para o time quanto para a torcida.

Flávio ficou no Atlético até 2002, fazendo parte da equipe que foi campeã paranaense. No ano seguinte foi contratado pelo Vasco da Gama e, no mesmo ano, seguiu para o Paraná, permanecendo até 2007, quando o clube participou da Copa Libertadores da América, mas acabou sendo rebaixado para a Série B do Brasileirão. Em 2008 chegou ao América-MG, onde esteve até o mês de dezembro. Assinou com o CSA, clube que o revelou, e onde irá encerrar a carreira.

Em entrevista exclusiva à Furacao.com, o goleiro relembrou o trabalho ao lado de Ricardo Pinto, as mudanças que acompanhou de 1995 a 2001 e o modo como a torcida jogava junto com o time na Baixada. “A gente via que eles estavam do nosso lado. E assim foi em todos os jogos, sempre nos apoiando para que a equipe pudesse vencer sempre”.

Bem postada, a defesa do Atlético costumava anular os ataques adversários na competição, o que fazia com que eles arrematassem de fora da área. Você treinava muito esse tipo de defesa de chutes longos?
Eu sempre procurava treinar porque para entrar na nossa defesa e passar pelo Gustavo, Nem e Rogério era difícil. Dificilmente as outras equipes adversárias entravam fazendo jogadas com a bola dominada dentro da nossa área. Então muitas vezes os chutes eram de fora mesmo, de longa distância. Eu dificilmente tomava gol de longe, por isso dava uma atenção especial nos trabalhos de defesa de bola fora da área e também focava na bola aérea também.

Na final, você levou um gol do Mancini que não costumava levar. Você foi atrapalhado pelo sol naquele lance?
O sol estava atrapalhando mesmo naquele dia. Inclusive, antes da partida, até tinha colocado um boné pra jogar porque estava complicado. Era difícil quando jogávamos ali em horários como 16h ou 18h, sempre era muito sol, muito em direção aos olhos. Naquele jogo, o Mancini chutou forte, a bola quicou e dificultou a defesa.

Se um goleiro vai bem, muitos dizem que não fez mais que a obrigação. Se vai mal, fica marcado para o resto da carreira. Como foi sua preparação psicológica para aguentar a fase final da competição?
A minha preparação era muito tranquila. Graças a Deus, em oito anos ganhei sete títulos e isso mostra que dentro do grupo eu era vencedor e tinha respeito. Não tive nenhum tipo de problema no Atlético. Sempre que precisavam de mim, principalmente em momentos de decisão, eu aparecia bem. Joguei bem em todas as decisões que participei. E nesse jogo contra o São Caetano, da pergunta anterior, na Arena, apesar de ter falhado naquele gol do Mancini, fiz umas quatro ou cinco defesas difíceis naquele jogo. Então no momento em que um time precisa, todo goleiro tem que mostrar. Também não adianta jogar um campeonato todo bem e chegar na fase decisiva e falhar, isso acontece muito. Mas sempre que o Atlético precisou eu ajudei bem.

Quando vocês passaram a acreditar que o título era uma realidade?
Foi quando nos classificamos em segundo lugar. Aí a gente sentiu que era o momento, que tínhamos uma excelente oportunidade nas mãos, que não podíamos deixar passar. Aquele momento foi importante porque ficamos no CT, todo mundo junto, uns 20 dias trancado, trabalhando também toda a parte psicológica, concentrado nos treinos e nos momentos que antecediam as partidas. Todo mundo estava sempre concentrado, sempre focado no objetivo. Nosso time tinha muita confiança também. Quem entrava nas partidas, no decorrer, sempre entrava muito bem. Então quando você tem um grupo onde um confia muito no outro tem tudo para dar certo e a tendência é sempre vencer. Estávamos muito cientes de que era o momento, uma oportunidade muito boa e não ia ter outra igual aquela.

Como foi a conversa que você e outros jogadores tiveram com o Mário Sérgio, no hotel onde ele estava, quando ele pediu demissão?
Ele estava decidido. Aí eu, Gustavo, Kleber, Alex, Souza e Nem, os mais experientes, fomos no hotel onde ele estava, conversamos e pedimos para ele continuar com a gente. Ele era um treinador que todo mundo gostava, apesar daquele jeito dele. Aí pedimos pra ele voltar ele até continuou, mas logo depois ele resolveu não ficar mais. Aí não tinha jeito mais. Era a vontade dele e não podíamos mais atrapalhar.

Você esteve no Atlético desde 1995. O que mudou nos seis anos que levaram o Atlético da Série B para o título Brasileiro?
Começou pela mudança de pensamento nas pessoas que estavam no clube, que resolveram fazer uma mudança geral e começaram pela estrutura. E a partir do momento que o clube oferece condições melhores para os jogadores trabalharem bem tem tudo para conseguir os objetivos. O Atlético mudou pra melhor e isso foi um fator muito importante para o time conseguir grandes títulos, além de uma estrutura de causar inveja aos outros clubes.

A Baixada sempre foi tratada como um diferencial para a equipe. Você defendeu o Atlético como mandante na Vila Capanema, Pinheirão e até no Couto Pereira. É, para o jogador, realmente diferente? Por que você avalia que o estádio vira o “caldeirão”?
Para qualquer jogador, jogar na Arena não tem coisa melhor. Tenho visto ultimamente que o fator campo não tem ajudado muito o Atlético comparando com aquela época, de 95 até 2002, ou em 2004 e 2005. Até esse período, era complicado ganhar na Baixada. Só que nesses últimos anos vi os atletas não têm conseguido usar o fato campo. Sempre foi difícil ganhar do Atlético na Baixada na época, o time jogando com a torcida vibrando e empurrando. O Atlético precisa resgatar isso, usar mais o estádio a seu favor, a torcida inflamada e vibrante, para que o clube volte a ser o que era antes, ser imbatível em seus domínios. Tanto que na primeira fase, em 2001, só perdemos para o Fluminense em casa.

Com a saída do Almir, que foi para o futebol japonês, você passou a trabalhar com o Ricardo Pinto, que chegou a jogar com você em 95 e 96. Como era a convivência de vocês?
Era muito boa, pra caramba mesmo. Ele é um cara sensacional, desde a época em que jogamos juntos. Em 2001 ele chegou depois, lá pela segunda fase do brasileiro. Como meu treinador, ele conversou bastante comigo e falou que ia precisar bastante da minha ajuda, que era uma função nova para ele. E ele queria que eu desse uma força pra ele, que procurasse ajudá-lo porque ele estava começando. Aí falei que ele podia ficar à vontade, até porque ele é um cara que entende como poucos da posição e me ajudou muito ali. E eu, como jogador, procurei fazer o melhor para que ele pudesse mostrar o trabalho dele também. Nos divertimos muito, é um cara com muita competência e me passou sua experiência. E graças a Deus conseguimos que tudo desse certo na medida do possível.

O que representou o título brasileiro de 2001 na sua carreira e na sua vida?
É o sonho de todo jogador, né. Tem jogador que chegou à Seleção Brasileira, mas não tem título de Campeão Brasileiro. Acho que ser campeão para clubes como São Paulo, Corinthians, Palmeiras e Santos é mais simples do que você ser campeão por um time médio como ainda era o Atlético naquela época, que quase ninguém conhecia, apesar de ter uma das melhores estruturas do Brasil. Ninguém acreditava na gente e isso era difícil. Então tivemos o privilégio de ter conseguido aquele título e isso fez ter um sabor todo especial. Um time médio naquela época, apesar da estrutura, se sobressair como foi em relação a todos os outros times.

Qual a melhor lembrança que você tem daquele Campeonato Brasileiro?
Ah, foi quando o juiz apitou o jogo final contra o São Caetano, toda aquela comemoração. Não tem melhor momento do que esse, o apito final e poder gritar “É campeão!”. Esse momento pra mim foi o momento mais importante, ouvir o apito final e sair comemorando.

E o momento mais difícil na campanha?
Pra ser sincero, acho que não teve. O Atlético foi um time que desde o começo manteve uma média boa. Aconteceu sim de perdermos algumas partidas, aquilo sim foi um momento triste, você quer sempre vencer, nunca pensa em derrota, aí quando perde fica chateado. Quando a gente perdia, ficávamos de cabeça quente, então naqueles momentos você não fica legal.

Na sua opinião, quem era o melhor jogador do time?
Difícil essa. Todos jogavam muito bem naquele time. Naquele grupo, tanto quem jogava quanto quem ficava de fora, todos eram muito bons. Mas em todo time tem um destaque especial né, e eu achava que o cara do nosso time era o Alex, não tem o que falar. O cara nos ajudou muito mesmo, foi fora de série. Mas acho que também ajudei bastante, assim como toda a zaga, enfim, todo mundo mesmo. Mas pra mim, o grande destaque, sem dúvidas, foi o Alex.

Qual foi o fator essencial para a conquista do título?
A união de todos. Nosso time era uma família. Tínhamos prazer de ficar todo mundo junto, concentrado, era uma resenha toda concentração. Quando você tem um grupo assim, dificilmente alguma coisa dá errado ou tem brigas. Quando você quer muito ganhar, claro que também tem atritos, o que é normal, mas tem que ter humildade de quando errar chegar e pedir desculpas. Então tivemos alguns momentos assim, mas a gente sempre se reunia e resolvia ali mesmo, nunca deixamos para depois ou levávamos para fora de campo.

Como vocês lidavam com o descrédito da imprensa do eixo?
A gente até ouvia uma coisa ou outra, mas não levávamos em consideração. A gente se fechava. As pessoas até podiam não acreditar, mas nos juntamos e o grupo e tornou muito forte. Não deixávamos que nada de fora nos atrapalhasse, o grupo era fechado e isso nos ajudou bastante naquela campanha.

Qual foi a importância da Arena e da torcida nos jogos decisivos?
A torcida foi um fator importantíssimo para nós, sempre lotava a Baixada. Lembro bem no jogo contra o São Paulo, numa quarta-feira, horário tarde, frio, chuva forte, e a torcida lotou o estádio. A gente via que eles estavam do nosso lado. E assim foi em todos os jogos, sempre nos apoiando para que a equipe pudesse vencer sempre. Na reta decisiva teve uma parcela muito grande, nos empurrou e não parou de gritar um só momento. E isso faz com que o jogador cresça em campo. Qual jogador que não quer jogar assim, com uma torcida apoiando o tempo todo, vibrando e sem vaiar?

Antes da chegada de Geninho, o time realmente tinha problemas com
a “noite”?

Existia. Mas é aquele negócio, a vida particular cabe só ao jogador e a parir que afeta em campo aí sim, a diretoria e os outros têm que tomar atitude e punir. Tem jogador que gosta de sair , mas eu acho que não deve, tem que respeitar e zelar pelo seu corpo. Não tem que ficar saindo bebendo ou chegando tarde. Aconteceram coisas assim, mas o nosso grupo era muito forte e as coisas que aconteceram não foram para dentro de campo. Todo mundo sempre correspondia às expectativas, isso nunca influenciou ou atrapalhou. Todos tinham personalidade. Até porque quando esse tipo de coisa acontece, a tendência é não render dentro de campo. Mas isso não aconteceu no grupo, todos davam a vida dentro de campo.

Qual a importância dos outros integrantes da comissão técnica e funcionários do CT e da Arena na motivação do grupo durante a campanha?
Era total. Seja na sede ou no CT, o pessoal todo, desde os zeladores, tiveram uma participação muito importante naquela campanha. No contexto geral todos faziam parte e queriam o mesmo objetivo. O nosso sucesso era o deles. Então todo aquele clima ajudava muito, pagamentos em dia, tudo ocorrendo bem dentro e fora de campo. Eles nos ajudaram muito, principalmente o pessoal do CT, que ficava no dia a dia com a gente, o pessoal do refeitório, limpeza, dos campos, enfim, todo mundo mesmo.

Como foi aquele jogo contra o Fluminense?
Foi um jogo onde já existia uma rixa né, porque o Fluminense foi o único que ganhou da gente em casa, por 2 a 1. E também tinha aquele episódio do Ricardo Pinto, enfim, a torcida queria muito que a gente ganhasse, jogar contra eles tinha virado um clássico. E a gente não queria perder de qualquer jeito. Infelizmente saímos perdendo, lembro que tivemos duas chances boas, uma com o Kleber, outra com o Adriano, aí fizemos os gols com o Alex, viramos e eles empataram de novo. E enfim o Alex fez mais um, lá no finalzinho do jogo, e chegamos à final. Mas realmente foi jogo difícil demais pelos acontecimentos durante a partida, virada, empate, mas no final conseguimos a vitória.

O time mudou muito o jeito de jogar do Mário Sergio para o Geninho?
O Geninho continuou com o mesmo jeito que era antes com o Mário Sérgio, mas colocou algumas coisas dele, já que cada treinador tem a sua maneira de trabalhar. Mas basicamente o time continuou com a mesma característica, praticamente não mudou nada, até mesmo taticamente. Ele chegou, todos nós o acolhemos de braços abertos. Ele tem um carisma grande e nos ajudou muito.

Como foi a preleção no jogo final?
O que ele falou aumentou ainda mais a nossa responsabilidade. Ele nos disse que tínhamos um jogo difícil, mas que algo a falar pra gente, na verdade, nos entregar. A gente ficou esperando e ele disse que independente do que acontecesse, pra ele nós já éramos campeões. Aí ele foi entregando a faixa para cada um. Aí comentei que aquilo aumentou ainda mais a nossa responsabilidade, mas que todos podiam ter certeza de que tudo daria certo. Aí fomos para o jogo e deu.



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