23 dez 2011 - 3h04

Gustavo: “Pra ganhar da gente tinha que suar o dobro”

Sua imagem escalando o alambrado do estádio Anacleto Campanella na final do Campeonato Brasileiro de 2001, contra o São Caetano, ainda está viva na mente de muitos atleticanos. Gustavo, zagueiro de 1,92m de muita raça e determinação, foi eleito o melhor da posição do Brasil conquistando o troféu Bola de Prata da Revista Placar naquele ano.

Mas nem tudo foi alegria. Sofrendo com contusões e dores, jogou as partidas finais à base de infiltrações. “Nem treinava mais, só injetava xilocaína e ia para o sacrifício. Não queria ficar de fora de jeito nenhum, eu sabia que ia dar conta do recado, mas sem a infiltração eu não teria condições de jogar”, lembra o ex-jogador, que hoje coordena um projeto social no Guarujá, treinando crianças e adolescentes.

Na grande final, Gustavo simplesmente anulou o atacante Magrão, do São Caetano, fazendo uso de seus 1,92m de altura para barrar o perigoso jogo aéreo adversário, que havia anotado gols nos últimos cinco jogos daquele campeonato. “Vieram me entrevistar e perguntaram o que ia fazer para marcá-lo. Respondi que estava preparado. Tinha treinado a vida toda para aquele momento. E ele não andou em campo”.

Gustavo foi emprestado ao Palmeiras em 2003, mas ficou apenas seis meses, pois sentiu uma lesão no joelho. No mesmo ano seguiu para o São Caetano, onde conquistou o primeiro titulo importante do clube, o Campeonato Paulista, além de ter participado da campanha que deixou o time em terceiro lugar no Campeonato Brasileiro daquele ano, conquistando vaga para a Libertadores. Ficou no Azulão até 2007, quando chegou ao Corinthians. Sem sucesso, no ano seguinte foi para o Sport, time em que foi campeão pernambucano. Retornou ao Atlético em 2008 e novamente conviveu com lesões. Passou pelo Sport e Boa Vista/RJ, encerrando a carreira pelo Al-Shamal, do Qatar.

Em entrevista exclusiva à Furacao.com, Gustavo reviveu os grandes momentos vestindo a camisa atleticana em 2001, o momento em que desceu do avião no Aeroporto Afonso Pena carregando o troféu de campeão, além do comprometimento e dedicação do grupo. “Pra ganhar da gente tinha que suar o dobro. Se precisasse bater ou brigar, jogar com elegância, não importava, a gente ia sempre para ganhar”.

O que representou o título brasileiro de 2001 na sua carreira e na sua vida?
Representou a consagração de uma vida toda de esforço. Éramos um time determinado, aguerrido e cumprindo as funções.

Qual a melhor lembrança que você tem daquele Campeonato Brasileiro?
Foi a volta de São Paulo para Curitiba. O voo atrasou, deu tudo errado na volta. Tenho uma lembrança interessante daquele dia. Nunca liguei muito pra essa coisa de carregar troféu, mas foi bacana descer do avião, quando pousamos em Curitiba, com o troféu na mão. Foi um momento que me marcou muito. Eu tinha chegado atrasado e sentei na frente, então não foi nada programado. Aí todos foram descendo e o Carletto me entregou o troféu. Chegamos em Curitiba umas 3 ou 4 horas da manhã e pensamos que todo mundo tinha ido embora. Mas a Baixada estava lotada, tudo lotado, desde o aeroporto um mar de gente nos acompanhando e comemorando junto. Não imaginávamos isso, até pelo horário. Outra lembrança boa foram os jogos na Baixada, sempre lotada. Já entrávamos sabendo que íamos ganhar. Quando a gente estava perdendo algum jogo, a torcida se inflamava, gritava demais e a gente sabia que ia virar o placar. O Souza sempre falava: “Os caras começaram a gritar, agora ninguém segura’’. Tinha jogo que a gente saía perdendo, mas aí o time adversário ‘acordava a fera’, ou seja, a torcida e era certeza que o jogo ia virar a nosso favor. A conexão, a ligação e entrosamento com o torcedor eram fora de série. A gente comenta isso e parece mentira, mas não é todo time que tem isso.

         

Qual foi o momento mais difícil na campanha?
Acredito que foi o começo. Tivemos cinco jogos, cinco vitórias, viramos líderes de repente, o time todo desconhecido. Os mais ‘famosos’ eram o Nem, por causa do São Paulo, e o Souza, pelo Corinthians, o restante ninguém conhecia. E eles também tinham que provar, por terem passado por times grandes e terem recebido uma nova chance do Atlético. Nesse meio tempo, fui tirar o parafuso do tornozelo, o Nem se machucou e o Rogério operou o joelho. O nosso elenco era formado por 18 jogadores mais velhos e o resto era molecada do junior, como o Kleberson, Fabiano, Daniel e Altair. Ou seja, os três zagueiros machucaram e foi uma pressão pros meninos. O time tropeçou, o Mario Sérgio quis sair, aí ficou, mas aí saiu de vez. Veio o Geninho, que deu outra cara ao time, montou o grupo com estrutura e ficou até o final. Então acho que essa transição foi difícil no começo, apesar do elenco fosse muito bom, saía um, entrava outro e dava conta do recado. Mas até pegar entrosamento, demorou um pouco. Era o primeiro Brasileiro dos meninos dos juniores. O resto entrava e sabia o que ia fazer, todo mundo estava preparado e treinado, sabíamos que as vitórias eram certas.

Você sofreu várias lesões naquele ano e inclusive jogou à base de infiltrações na final contra o São Caetano. Teve receio ou medo de não seguir mais na campanha?
Naquele ano fomos campeões paranaenses e joguei uns dois ou três jogos no máximo por causa do meu tornozelo esquerdo, que já tinha operado quatro vezes. No Brasileiro também não joguei muitos e o Dr. Thiele até apresentou o meu caso num congresso, diziam que eu não tinha mais condições de jogar futebol. Em 2001, o Mario Sérgio me colocou pra jogar na estreia contra o Grêmio, ganhamos de 2 a 0, mesmo eu não estando 100%. Aí ganhamos do Cruzeiro, Flamengo e Galo e contra o São Paulo coloquei uns parafusos no tornozelo, para tirar dali seis meses, mas teve rejeição e fiquei mais duas semanas parado. Nas finais, lesionei o joelho colateral e já não treinava mais. Fiquei as finais todas assim. Concentramos um mês antes e no jogo contra o São Paulo eu não estava mais treinando, injetava xilocaína e ia pro sacrifício. Fazia as infiltrações e fiquei um mês sem treinar, não fazia nada, era tratamento direto e gelo, já que eu não queria ficar de fora de jeito nenhum. Eu sabia que ia dar conta do recado, mas sem a infiltração eu não teria condições de jogar. E a infiltração que eu fazia era anestésico, não sentia dor durante o jogo, mas depois passava o dia todo sem andar. Depois disso fiquei três meses parado tratando até voltar a jogar. Aliás, tenho que deixar meu agradecimento a todo o DM naquela época, porque senão fossem por eles a minha história no Atlético não seria tão bonita como foi, já que minha carreira poderia ter acabado naquele momento.

Na sua opinião, quem era o melhor jogador do time?
Era o conjunto. A bola chegava na defesa, a gente dava um jeito. E lá na frente, eles guardavam. Era difícil passar pela lateral, pelo meio, todo mundo chegava do mesmo jeito, todos se ajudando. Pra ganhar da gente tinha que suar o dobro. A gente tinha que fazer o que fosse, mas tínhamos que ganhar. E era esse espírito em todas as partidas, não faltou em nenhum jogo. Não interessava o que acontecesse. Se precisasse bater ou brigar, jogar com elegância, não importava, a gente ia sempre para ganhar.

Qual foi o fator essencial para a conquista do título?
O time entendia bem o que o Geninho queria e o que era pedido era feito. Não tinha essa de pediu isso, mas vamos fazer aquilo. Não. Pediu isso, nós vamos fazer e acabou. Ele tinha um controle muito grande sobre a equipe, além de muita cumplicidade. Ele perguntava: “Vocês confiam em mim? Então o que eu pedir será até o fim”. Se um jogador ia marcar outro individualmente, cansava, saía e entrava outro. Além disso, tinha toda a conexão com a torcida. Os reservas também, quem ficava de fora torcia pra gente jogar bem e ganhar. Não tinha aquilo de uns torcerem pra perder ou machucar, ia sempre o time inteiro para a Baixada, todo mundo no vestiário. Ao invés de 18 jogadores, sempre tinham 25 ou 30. Às vezes o time podia estar mal em campo, aí a torcida começava a gritar, empurrar e a gente correspondia. Tinha muita cumplicidade entre o time, com a comissão técnica, o treinador e a diretoria. Todos sempre viajavam com a gente, o Cordeiro, o Maculan, Valmor, Petraglia e outros. Todos juntos e unidos em busca do objetivo de ser campeão. E fomos.

Como vocês lidavam com o descrédito da imprensa do eixo?
A gente não ligava pra isso. Se fôssemos ligar, estaríamos onde? Eles diziam: “Quem é Nem, Gustavo, Rogério Correa, Flávio?” Então a gente nem ligava mesmo, tínhamos concentração que íamos entrar e ganhar. Foi feito um trabalho muito bom com a Suzy Fleury, toda a parte emocional, tinha vídeos em todo jogo e mensagens dos funcionários do clube até para dar uma amenizada nessa parte de críticas. A gente ganhando de todo mundo e para a imprensa de fora éramos ruins. Às vezes chegava a ser engraçado. Ganhamos de todo mundo e como que você continua sendo ruim e os outros são melhores? Fomos o segundo time na classificação geral e os outros que eram favoritos. Nunca fomos favoritos. Até na final não éramos favoritos. E aí tiveram que nos engolir. Não era exagero de confiança ou salto alto, a gente jogava pra ganhar. Às vezes revejo alguns jogos e chega a doer o meu peito. A primeira ordem do Geninho era sempre atacar. Ele dizia: “Vamos matar logo, depois a gente se vira”. Ou seja, o time era obrigado a atacar, era sempre a primeira ordem. Aí juntava Kleber, Alex, Kleberson, Gabiru… os caras deixavam qualquer time louco!

Qual foi a importância da Arena e da torcida nos jogos decisivos?
Na reta final não tinha espaço para outra torcida, que até ameaçava gritar, mas não adiantava, a nossa torcida engolia. Era só incentivo, o time ganhando ou perdendo, e isso era gratificante. Às vezes o time não estava bem, mas mesmo assim não tinha silêncio. Estavam sempre cantando, às vezes meio que sabendo que ia sair o gol. No jogo contra o Fluminense saímos perdendo, aí alguns achavam que a coisa ia esfriar e eles pensavam “Agora calamos eles”. Mas que nada, o bicho pegava e até acho que eles pensavam que não deviam ter feito gol. A Baixada tremia e o gramado balançava. Vivi essa sensação e agradeço a Deus por ter jogado no Atlético.

E a importância dos outros integrantes da comissão técnica e funcionários do CT e da Arena na motivação do grupo durante a campanha?
Isso tem que destacar muito. A gente ficou um mês concentrado sem poder sair pra nada. As famílias iam lá nos visitar de vez em quando, ver que a gente estava vivo. A gente sabia o nome de todos os funcionários, todos eram chamados pelo nome e o tratamento era igual. Eles gostavam de ver a gente ganhando e ficavam tristes quando perdíamos. E assim formamos uma grande família, diretoria, administração, funcionários, todos faziam tudo pela gente, até porque não podíamos sair. O tratamento era fora de série. A felicidade deles era ver a gente ganhando. Muitos chegaram a dizer que tinha briga pelos bichos, enquanto tudo era dividido igual com o CT todo, do tio da limpeza até o gerente de futebol.

Antes da chegada do Geninho, o time realmente tinha problemas com a “noite”?
Não existia tanto assim. Ninguém deixou de fazer nada do que fazia, seja com o Mario ou com o Geninho. Cada um tinha seu jeito, mas a gente tinha responsabilidade dentro de campo e isso era cobrado de todo o elenco. Se o cara desse uma bola fora não era treinador que ia cobrar, era a gente mesmo que se cobrava. A gente chamava a atenção, dizia que isso ou aquilo estava atrapalhando. Ou entrava na linha ou saía do time. A noite sempre existiu e sempre vai existir. E naquela época tinha, ninguém era santo, mas dentro de campo tinha que dar resultado. Ou ganhávamos todo mundo junto ou perdiam todos. Mas se quisesse perder sozinho, saía do time. Acho que o Mario Sérgio fez aquilo pra mexer com o grupo. Além dos titulares desconhecidos, o resto era tudo junior e isso foi um peso grande pra eles. Se já era difícil para quem estava jogando, imagina para os moleques.

Como era o convívio com o Nem e o Rogério, que junto com você formaram a defesa campeã?
Era bacana. Claro que tinha alguns entreveros, a gente brigava direto, mas sempre para acontecer o melhor dentro de campo. Se um pegava a marcação individual de um jogador, a gente cuidava dos atacantes. Sempre saíamos do vestiário com cada função determinada. Na época tinha o França, do São Paulo. Aí o Geninho me dizia: “Se ele fizer alguma coisa a culpa é sua”. Eu tinha a minha responsabilidade, outros tipos de marcação, mas o França era meu. O Nem era sobra. Se a bola passava, tinha que derrubar os caras, não deixar de jeito nenhum fazer o gol. O Rogério ia bastante pra frente, o Nem era homem surpresa. O Nem tinha um comando espetacular, fora as orientações que passava, a percepção para poder sair ou evitar uma jogada. Tive o privilégio de jogar com os dois. Eu podia sair da minha marcação porque se algum jogador me fintasse, o Nem resolvia, ou o Cocito, enfim, o entrosamento era praticamente perfeito. Se um não desse conta, o outro sempre resolvia. Claro que às vezes tinha confusão, aquela coisa de “Você não marcou o cara, deixou sozinho”, mas a gente resolvia lá dentro, nunca deixava para resolver fora. Na função que o Nem fazia, eu não me lembro de ter visto outro atuando como ele. E até joguei assim em outros clubes, a função de líbero ninguém queria fazer, mas acabei jogando assim no São Caetano, Corinthians e Sport. Mas falar do Nem e do Rogério sempre será especial. Comecei a jogar de verdade em 2001 e foi ao lado deles. Isso é uma vez na vida e outra na morte. Eu podia furar uma bola, chutar o vento, que o Nem estava cobrindo. O Nem podia falhar, mas tinha o Rogério que salvava do outro lado.

Uma curiosidade: o que, de fato, aconteceu que você acabou não aparecendo na foto do título, no Anacleto Campanella?
Demorei para entrar em campo porque ainda estava fazendo o anestésico para poder jogar. Estava passando um pouco mal, chegou uma hora que eu já estava meio esquisito. A primeira injeção não fez efeito e aí fiz outra, por isso demorei a entrar. Sempre agachava para amarrar as minhas chuteiras, era superstição. Mas eu não estava bem, demorei a entrar, fui o último. Aí pensei, vou rezar, agachei para amarrar as chuteiras, a hora que olhei para o lado o grupo já tinha ‘desarmado’ da foto. Todo mundo saiu e deixei quieto. Alguns até fizeram uma montagem me colocando na foto, é legal sair, mas o importante foi ter sido campeão. Lembro que marquei o Magrão nas finais, que era homem mais alto e nos últimos cinco jogos havia feito gol em todos. Aí vieram me entrevistar, perguntaram o que ia fazer para marcá-lo. Respondi que ia encostar nele, que estava preparado. Eu tinha treinado a vida toda para aquele momento. E ele não andou em campo.



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