Petraglia: ‘Estaduais são um engodo’
Mario Celso Petraglia passou o início de ano sem dirigir qualquer palavra à imprensa paranaense, mas não teve papas na língua em sua primeira entrevista exclusiva. Ao LANCE!Net, o mandatário do Atlético decretou a falência dos estaduais ("um engodo"), falou sobre os sacrifícios do projeto a longo prazo da Arena da Baixada e lamentou não ter o estádio já nesta temporada, que marca a volta do Furacão à Série A do Campeonato Brasileiro.
Três imóveis que eram para ser demolidos ainda não foram desalojados pela prefeitura de Curitiba revelou Petraglia, se referindo ao entorno da Arena da Baixada, uma das 12 sedes da Copa do Mundo de 2014.
Petraglia, presidente do Atlético na conquista da Série B de 1995, da Série A de 2001 e no vice da Libertadores de 2005, também destacou o que o levou a romper com a imprensa do Paraná, entre outros assuntos, como a relação do Atlético com o rival Coritiba, que, segundo ele, poderia ser melhor.
Pode-se dizer que o Atlético inovou, ao usar seu time sub-23 no Estadual e dar uma pré-temporada no exterior para o elenco principal. Como surgiu esta ideia?
Fizemos um balanço do Campeonato Estadual. Nós estávamos pagando para jogar, sofrendo na parte técnica e na arbitragem. Apenas dois clubes têm história, o resto é só clube de formação de empresários, de aluguel. A gente viu esta abertura para dar aos jovens talentos um teste em uma competição com pressão da torcida, imprensa e mídia. Do outro lado, sabemos que o calendário do Brasil é extenso. São mais de 60 jogos por ano, e o time principal chega ao fim do ano estafado. Sem o Campeonato Paranaense, eliminamos 22 partidas. Em compensação, deixamos os titulares ansiosos para jogar.
Seria uma façanha o time Sub-23 ganhar o Campeonato Paranaense?
Não vejo assim. Não há a meta de os meninos serem campeões, como ocorre todos os anos com o time principal. Os meninos têm grande potencial, mas o campeonato está nivelado por baixo.
Vemos hoje no Brasil afora estaduais longos, com média de público baixo, nível ruim. Como aconteceria esta mudança?
Temos de mudar o calendário. Não se pode mais preservar os feudos das federações locais e estaduais. Eu falo há anos que estaduais são um engodo sustentado pelas federações e por um pseudo-interesse dos pequenos. Clubes de cidades menores estão sucateados, falidos, entregues a empresários graças à fatídica Lei Pelé, que deu todos os mecanismos de proteção a investidores e agentes Fifa com prejuízo claro. Os times estão quebrados. A gente tem a notícia de dívida de R$ 750 milhões do Flamengo. Acusam os dirigentes de incompetentes, mas o problema é o modelo. Tem de ser criada a Liga Brasileira. Posso garantir que o Atlético, em minha gestão, não jogará o Paranaense com o time principal se o modelo continuar como está.
Falando em competição nacional, como o Atlético vem para seu retorno à Série A?
Houve um sacrifício financeiro e econômico nas entradas das receitas. Não sabemos onde jogar. Nosso estádio, que seria entregue em março ou abril, não está pronto por questões de governo e prefeitura. A torcida está ciente de que será mais um ano de sacrifício. Mantivemos nossa base do time que subiu para a Série A. Tivemos ofertas para nossos jogadores, mas, mesmo precisando, quisemos aguardar. Fizemos algumas contratações, e agora é aguardar para iniciar a competição. Depois reavaliamos na janela.
O Atlético trouxe o espanhol Fran Mérida. Como surgiu esta oportunidade, e qual o impacto que a contratação pode trazer?
Isso é fruto de um trabalho. Somos conhecidos no mundo todo. Mas buscamos de acordo com nossa realidade econômica. Temos a política de não-endividamento. Nos próximos dias, faremos nosso balanço de 31 de dezembro de 2012, com um superávit altíssimo. Dentro das limitações, um Pedro Botelho, que atuou no Arsenal, e um Fran Mérida vão surgir. O impacto do Fran ainda não aconteceu porque ele não jogou. A gente pretendia que atuasse no Estadual, mas a burocracia não deixou.
Voltando a falar de estádios, o Couto Pereira pode ser uma possibilidade no Campeonato Brasileiro?
O problema foi surgir no ano passado. Nós acertamos um compromisso, mas não foi honrado. Para o Atlético está encerrado o assunto. Ali nós não somos bem-vindos e também a nossa torcida não quer. Está afastada qualquer chance de jogarmos no campo dos nossos inimigos. Vamos buscar outras alternativas. Se não for em Curitiba, será fora da cidade.
O senhor abordou sacrifícios, como perda de sócios, receitas, a ausência da Arena, onde o Atlético é temido. Está certo de que o sacrifício vai valer a pena?
Não há dúvida. Teremos um dos melhores estádios do mundo. Aliás, 45 mil lugares é um tamanho ideal para nossa torcida e para Curitiba. Daremos conforto, visão e segurança a quem for aos jogos. Ouso dizer que será um dos melhores estádios do Brasil. E não nos entregaremos a empreiteiros e investidores. Estamos felizes em saber que o único time que ficará livre disso será o Atlético.
Qual foi o motivo que fez o Atlético radicalizar e romper relações com a imprensa para gerar seu próprio conteúdo?
Esta história é muito longa. Começa com as características do nosso povo e o fato de a maioria do pessoal que conduz a mídia daqui do Paraná ter suas cores. Todos temos um clube de coração, mas não podemos ficar a serviço dessa paixão. Todo mundo tem de ser imparcial, de conduzir de forma ética e moral. E aqui não aconteceu da forma que gostaríamos. Depois de tentar por vários anos, chegamos ao limite, e preferimos ir buscar nossa mídia independente. Nós tentamos buscar nossa rádio, nosso conteúdo. Nós fomos pioneiros. No início da construção da nossa Arena, em 1999, o pioneirismo nos custou muito caro. Em uma época, tivemos de aumentar nosso ingresso em 30% e fomos massacrados pela mídia local, que nos acusou de elitistas e de querer expulsar os povos dos estádios. Nossa aldeia que é reacionária insiste no futebol romântico, que dividia o estádio em meio a meio. Sou muito crítico, respeito a imprensa, acho que cada um tem sua função, é extremamente importante na sociedade. Agora, faço o enfrentamento crítico para o meu clube.
O senhor não tem medo de isto gerar antipatia de outras regiões ou de outros clubes?
Não, não, muito pelo contrário. Porque outros centros têm cabeças mais arejadas. Buscamos cobrar das rádios pelo espetáculo e pelo conteúdo. As rádios faturam, a publicidade não tem de compensar absolutamente nada para o futebol. O Atlético é um produto muito caro para ser dado de maneira gratuita. Aqui se confunde muito com as coisas locais, com as cores que cada um torce e levam para suas redações. Esta é uma visão míope ou cega que a paixão pelo futebol nos leva. Nós estamos fazendo mais este pioneirismo. Na Copa do Mundo, as rádios pagam. Na Olimpíada, as rádios pagam. Na Europa, há um forte caminho para os clubes terem seus meios de comunicação.
O senhor disse que haverá participação da prefeitura de Curitiba e do governo do Estado do Paraná na Arena…
O Atlético não teria entrado nesta aventura se nós ficássemos responsáveis por tudo. Dos R$ 220 milhões, o clube será responsável por um terço. Dois terços serão a cargo da prefeitura e do Governo. A cidade terá um retorno muito grande, e também a função do estado de trazer o interesse do povo, que tem problema de amor próprio.
O senhor não acha que seria interessante Atlético e Coritiba se unirem politicamente, pelo bem do futebol paranaense?
Não tenho dúvida. Sempre nos colocamos à disposição, vejo um clube dependente do outro. Tanto que, há alguns anos, fui à imprensa, depois de conversar com o governador e o prefeito, e propus a criação de um complexo único para Coritiba e Atlético jogarem. Isso tem uma visão clara de que eu não misturo fanatismo e paixão, e o jogo tem que estar dentro do campo, quando os 90 minutos começam. Infelizmente, os clubes são conduzidos por pessoas que têm visão regionalista, de querer todas as taças a curtíssimo prazo. O projeto do Atlético Paranaense vai fazer 20 anos, só se criam coisas a longo prazo. Mas a maioria dos dirigentes tem uma visão de curto prazo. O modelo brasileiro é muito sem compromisso. Fica sempre o desejo de mostrar que foram campeões, e pouco se preocupam com o futuro. Não tivemos abertura aqui. O fanatismo sempre foi para as mesas de conversa.