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7 jun 2014 - 14h51

Figurinhas

Tendo saído da barbearia Itacolomi, eu seguia pelo trecho da Saldanha Marinho que antecede a Fernando Moreira. Ia pegar o ônibus no tubo Visconde de Nácar. Faltavam poucos metros para chegar à estação, quando vi o portentoso expresso vermelho e preto rasgar a reta e me deixar a ver navios. “Perdi o bonde e a esperança”, como nos versos de Drummond. E como a espera por outro ônibus seria inevitável, resolvi comprar meu marlborinho vermelho na banca de jornais do pequeno largo que interrompe naquele ponto a Rua Saldanha Marinho.

– Amigo, por gentileza, me veja aí um marlboro vermelho box e um halls preto.

Ao dono da banca estendi uma nota de cinquenta reais, recebi o troco e conferi – como bom bisneto de sírio que sou. E antes de retirar do box o cigarrinho que me faria companhia na provável longa espera da condução, um piá – aparentando 6 anos de idade – me pediu:

– Tio, compra pra mim uma figurinha da Copa?

Era um piá, um piazito, um toco de gente que se dirigia a mim num fio de voz, como se não quisesse incomodar, como se confidenciasse um segredo. Um pedido singelo, feito por um menino tão humilde. Humilde em gestos e vestes: a calça de uniforme escolar com bolsinho de zíper num dos lados, o moletom de um azul esmaecido, havaianas nos pés, as mãos vazias e os olhos baixos. “É gente humilde, que vontade de chorar” – imediatamente me veio a lembrança da bela canção do Chico e do Vinicius, mas me contive. Um bom palhaço não chora diante de uma criança, ao contrário: arranca-lhe o riso. E se eu não sou um bom palhaço, sou ao menos esforçado.

– Se eu compro uma figurinha pra você? Ué, mas eu nem sei o teu nome? Qual é o teu nome, piazinho da figurinha?

– Meu nome é Pedro! E o teu?

– O meu? Pera que eu vou ver aqui na Identidade, só um minuto: Rafael! Tá escrito aqui que o meu nome é Rafael, mas você pode me chamar de Rafa, pois meus amigos me chamam assim!

O piazito achou graça. Um sorriso banguela iluminou o rosto miúdo. O papo prosseguiu.

– Eu quero uma figurinha da Copa, pois eu nunca tive uma figurinha! Eu quero ver como é, Rafa! Pegar na mão, ver as cores, ver de que seleção que é.

O dono da banca assistia à cena com olhos atentos e prontamente atendeu meu novo pedido:

– Amigo, me veja aí dez pacotinhos de figurinhas da Copa.

Entregou-me os pacotinhos, o álbum e a distância ficou nos observando.

– Aí Pedrão, estão aqui as figurinhas e o álbum, meu amigo!

O sorriso do piá ficou ainda mais largo.

– Eba, Rafa, as figurinhas da Copa!!!

A estação-tubo estava convidativa: dois degraus e a parte inicial da plataforma seriam o cenário perfeito pra gente abrir os pacotinhos e colar as figurinhas no álbum. Dentro do tubo, uma cobradora de olhar maternal nos dava tacitamente a permissão de que precisávamos para estar ali.

– Ô Pedro, você me ajuda a abrir os pacotinhos?

– Claro, Rafa!

E lá fomos nós. Entreguei o primeiro pacotinho ao guri e fiquei observando. A mãozinha pequena querendo ser mais rápida do que o pensamento. De repente, saltaram os cinco primeiros cromos autocolantes.

– Olha, Rafa, que figurinha bonita! Que camisa bonita, Rafa! Que seleção que é?

– Portugal, Pedrinho! E você já começou bem, pois esse jogador feioso aí é o Cristiano Ronaldo, o craque deles!

– Sério que é, Rafa?

– Tô te falando!

Mais um pacotinho aberto e outro. Até que o Pedro explodiu em nova exclamação:

– Rafa! Esse aqui é do Brasil! Ó a camisa dele: é amarela! E esse jogador eu sei quem é, não fale, eu sei: é o Fred!

– É o Fred mesmo, cara! Pô: você só tira figurinha de craque, Pedroca! Vai ter sorte assim lá longe, piá! Você é pé-quente!

E as figurinhas iam sendo coladas pelo Pedro no álbum da Copa, com o capricho de quem traz nas mãos um tesouro. Cada figurinha era colada e logo alisada num gesto carinhoso e cuidadoso, feito com as costas da mão.

– Você gosta de futebol, Rafa? – quis saber o menino, agora definitivamente à vontade comigo.

– Rapaz, se eu gosto? Eu gosto muito de futebol! Torço pro Atlético Paranaense desde que eu tinha o teu tamanho, a tua idade! E você, Pedro?

– Eu torço pro Brasil e um pouco eu torço pro Atlético também!

Os pacotinhos sendo abertos. Até que eu explodi em exclamação:

– Olha esta figurinha, Pedro! É metade da Arena da Baixada, Estádio do meu Atlético querido, estádio que vai receber quatro jogos da Copa! Olha que linda a Arena, Pedro! Só falta a outra metade e aí fica completinha, do jeito que ela está lá: bonita, esperando a Copa do Mundo!

Ele achou graça do meu entusiasmo, pegou a figurinha que representava metade da Arena e deixou de lado. Seguiu abrindo os pacotinhos e colando as figurinhas no álbum. Em certa altura, explodi de novo:

– Pedro! Olha aqui, Pedro! Saiu a figurinha com a outra metade da Arena do Atlético!!! Agora temos a Arena inteira, inteirinha, piá!!! Eu nem acredito!!! – e o Pedro pegou a segunda figurinha da Arena e colocou junto da primeira, completando o Estádio.

No final da operação, sobraram oito figurinhas repetidas e mais as figurinhas da Arena que, embora inéditas, não tinham sido coladas pelo menino.

– Pedroca, seguinte: as figurinhas repetidas você pode trocar com algum menino que também tenha figurinhas ou você pode jogar bafo e tentar ganhar outras! – e como ele não sabia o que era bafo, aproveitei para ensinar, mostrando pra ele como é que a gente fazia uma concha com a mão e depois batia nas figurinhas – com efeito – até que elas virassem e passassem a ser nossas. Ele ficou maravilhado com a brincadeira do bafo e me garantiu que perto da casa dele havia uns meninos que tinham, sim, figurinhas da Copa para perder pra ele nas disputas!

– Rafa, eu vou ganhar um monte de figurinhas lá perto de casa!

– E essas aí da Arena você não vai colar no álbum, não?

– Não. Essas duas da Arena eu vou dar pra um amigo que eu gosto muito!

– Aí, Pedroca, você é o cara! Você é um figurinha, piá! Sorte dele que vai ganhar as figurinhas da Arena e que tem um amigo legal que nem você!

Nesse momento, um jovem casal apareceu. Eram os pais do piazito. Ela aparentava ter 19 anos; ele, vinte e cinco, no máximo.

– Ê Pedro, de onde esse álbum e tanta figurinha, meu filho? – quis saber a mãe do garoto.

– Ganhei do Rafa! – respondeu o piazito apontando para mim.

Os pais sorriram em agradecimento. O pai acrescentou:

– Esse meu filho tá me saindo melhor do que a encomenda! – e riu. E rimos! O Pedro foi pra perto da mãe, com o álbum nas mãos e segurando também as figurinhas repetidas.

Era a hora de nos despedirmos:

– Tchau, Pedro! Jogue bafo e troque as figurinhas repetidas. Quero ver esse álbum completinho, ouviu?

– Tá bom, Rafa! E obrigado pelas figurinhas e pelo álbum!

– Imagine! Eu que agradeço por ter conversado com você e ter te ajudado a colar as figurinhas! Agora dá um abraço no Rafa!

Ele veio e me abraçou. E quando eu me preparava para entrar na estação-tubo, o Pedro me chamou – num fio de voz:

– Rafa, estas aqui são pra você! – e me entregou as duas figurinhas da Arena. Aquelas que ele não quis colar no álbum, porque estavam reservadas a um amigo de quem ele gostava muito!

E o Pedro, na companhia dos pais, seguiu pela Saldanha Marinho, levando com ele um álbum, um sorriso inocente no rosto e deixando comigo as duas figurinhas da Arena da Baixada. E uma vontade de chorar.



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