17 ago 2020 - 11h07

Em defesa de Dorival Júnior

Contratado em janeiro de 2020, Dorival Júnior assumiu o comando técnico do Athletico Paranaense numa situação singular. Ao mesmo tempo em que teria em mãos um time vencedor e organizado, teria também a sombra do treinador que lhe antecedeu, grande responsável pela boa fase da equipe que treinaria dali em diante.

A pressão e a desconfiança da torcida, portanto, viria ao natural, em especial por ser uma contratação que, num primeiro momento, parecia diversa da comum ousadia atleticana em relação a treinadores e, após a saída de Tiago Nunes, gerou nos torcedores a expectativa de um técnico mais jovem, com trabalhos promissores, e de preferência estrangeiro.

Com a (discutível) retomada do futebol nacional após pausa forçada pela pandemia de COVID-19, a abstinência de Athletico foi recompensada com um título estadual conquistado após duas vitórias sobre o maior rival, o que, na maioria dos clubes do país, provocaria euforia.

Para a torcida atleticana, porém, o que se viu foi um aumento da desconfiança em relação ao trabalho de Dorival, uma vez que o futebol apresentado na retomada do Campeonato Paranaense (assim como na final da Supercopa do Brasil, ainda em fevereiro), em especial nos jogos contra o Coritiba, ficou abaixo das expectativas e, principalmente, da ofensividade vencedora que marcou os times de 2018 e 2019. Tal insatisfação aumentou com a primeira derrota atleticana no Brasileirão, por 3×1, contra o Santos, fora de casa, num jogo onde o comandante desfalcou a equipe por ter testado positivo para o Corona vírus.

Porém, apesar de algumas críticas serem muito necessárias, existem motivos pelos quais o professor Dorival merece um voto de confiança por parte da torcida rubro-negra.

O TIME CONTINUA EM FORMAÇÃO

É preciso lembrar que 2020 começou com fortes críticas à diretoria pela falta de contratações, em especial após a saída de jogadores titulares, como Léo Pereira, Rony, Marco Ruben, e Bruno Guimarães; as notícias relatavam, constantemente, que os valores assustavam. Com a pausa decorrente da pandemia que acometeu o mundo, somada à punição da FIFA que tende a impedir o clube de registrar novos jogadores em breve, o Athletico passou a realizar diversas contratações, mais do que qualquer outro clube da série A:

https://twitter.com/freire88/status/1271051352756584449?s=20

Foram contratados para a equipe principal os zagueiros Edu, Felipe Aguilar e Pedro Henrique, os meias Ravanelli, Jaime Alvarado, Richard, e os atacantes Geuvânio e Walter.

Além disso, com o calendário apertado, extinguindo os jogos onde se utilizaria a equipe de aspirantes, diversos jovens promessas passaram a integrar o time principal, como Luan Patrick, Kawan, Christian, Jajá, Pedrinho e Mingotti. É importante recordar que, embora a torcida admire muitos desses garotos, Dorival passou a tê-los no dia-a-dia de treinamentos e preparações apenas depois do retorno dos treinos em julho. Integrá-los na equipe titular não é um trabalho simples até mesmo por questões de gestão do elenco, e é necessário paciência.

DORIVAL NÃO É UM “MEDALHÃO”

Boa parte da torcida que esperava uma contratação ousada de um treinador diferente e estrangeiro, ficando ansiosa pelas aproximações a nomes como Sebastián Beccacece e Miguel Ángel Ramírez, pode ter se decepcionado com a contratação de Dorival Júnior, treinador brasileiro com longa carreira no país, sem grandes títulos e trabalhos de maior destaque.

Porém, Dorival está longe de se assemelhar aos treinadores “medalhões” claramente ultrapassados do futebol brasileiro, e apresentou isso em seu último trabalho, no Flamengo, antes de uma pausa forçada para tratar de um câncer que lhe acometeu. No Rio, conquistou 7 vitórias, 3 empates e 2 derrotas, não permanecendo apenas pela troca de diretoria – que optou por Abel Braga -, escolha essa criticada desde o início por especialistas.

Na busca pelo substituto de Tiago Nunes, Dorival não foi uma escolha aleatória. Passou por entrevista com o clube, e apenas foi contratado por apresentar ideias que se enquadram à mentalidade do clube.

O “JOGO DE POSIÇÃO”

Essa mentalidade é definida, em termos táticos, como “jogo de posição”, estilo que tomou as matérias esportivas mais recentes com a contratação de Domènec Torrent pelo Flamego. Trata-se de um jogo diferente, sim, do estilo de Tiago Nunes, mas não por isso menos ofensivo e moderno. O especialista Gabriel Corrêa, da Footure, detalhou esse modelo, analisando os primeiros jogos do Athletico em 2020. Sobre o tema, vale também o resumo feito no Twitter por Téo Benjamin, explicando o modelo de jogo que deve ser também implantado no Flamengo:

https://twitter.com/teofb/status/1289600383308849152?s=20

No futebol, não há um modelo “certo”. As preferências, em especial do torcedor, variam, e os resultados são necessários para sua aceitação. Porém, é possível sim concluir que as (modernas) ideias de Dorival casam com o “Jogo-CAP”, assim explicado por Eduardo Barros (mais detalhes no link):

“Eu tenho como ideia do modelo de Jogo-CAP ter largura, profundidade e mobilidade interior. Quem vai criar isso é o treinador com a equipe que ele tem. A estrutura que ele vai dar pode ser 4-3-3, 3-4-3 ou 4-1-4-1. O que importa é a ideia base”.

No trabalho de Dorival, pois, há pouco ou nada de ultrapassado, se aproximado do que há de mais moderno na tática futebolística atual, o que é raro no Brasil. Quem atesta isso é o zagueiro Gustavo Henrique, treinado por Dorival no Santos e atualmente no Flamengo:

“Senti muita diferença entre o Sampaoli e o Jesus e os treinadores brasileiros, sim. O que mais se aproximava era o Dorival Júnior, que também trabalhava todo dia a tática. Acredito que a principal diferença é essa: taticamente, eles são muito mais evoluídos que os brasileiros.”

CONCLUSÃO

Não se nega que alguns pontos do trabalho de Dorival merecem, sim, cobrança. O CAP tem historico de revelar bons jogadores da base, e a boa fase recente é prova disso. Dar mais tempo em campo a jogadores como Jajá, Pedrinho e Cristian é necessário, pois essas peças podem ser fundamentais se bem desenvolvidas.

Ainda (e talvez com maior urgência), é preciso aliar às modernas ideias de posse de bola a uma maior “verticalidade” (fazer o time ser mais ofensivo), como ocorreu nos anos anteriores, e como preza o famigerado “Jogo CAP”, desenvolvido pelo clube, independente do treinador.

Essa é a conclusão, também, de Leonardo Miranda, do Painel Tático do GE, em outra análise do jogo atleticano, até antes das finais do Estadual:

“Com 60% de aproveitamento na temporada, Dorival tem o desafio de tornar o Athletico ainda mais intenso. Foi justamente o que faltou na Supercopa do Brasil, vencida pelo Flamengo no início do ano. Antes da parada por conta da pandemia, o Athletico já estava em evolução. Agora vem jogando com cada vez mais velocidade: seja de pensamento, de reação ou a noção mais típica que temos, que é a de corrida.”

Com isso, num clube que se destaca por fazer o diferente, dar tempo a um treinador alinhado com os objetivos e ideias do clube é fundamental. Não pode um campeonato estadual colocar em xeque o projeto montado. Muito menos alguns poucos jogos em um ano atípico em termos de calendário, interrupções na preparação, e tantas outras anormalidades que já ocorreram – e ainda devem ocorrer – no futebol nacional durante o “ano da pandemia”.

Se vai dar certo (leia-se, se o Athletico apresentará um futebol vistoso e, ao mesmo tempo, vencedor) ou não, é impossível dizer. Porém, é possível concluir que o CAP fez o que faz desde 2014: contratou um treinador alinhado com a modernidade que o clube tanto preza. Por outro lado, Dorival tem, talvez, a melhor oportunidade de sua carreira para se destacar, e parece realmente disposto a aproveita-la.

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