Gol de Matosas
É verdadeiramente impossível descrever o que se sente na primeira vez em que se entra em um estádio de futebol lotado, sobretudo quando se vive essa experiência ainda na infância. Quando se está passando sob as arquibancadas, ao ouvir o burburinho do público e as peles dos tambores sendo aquecidos, o coração já dispara como se soubesse que está na iminência de acontecer algo que vai te mudar pra sempre. Ao cruzar os túneis de acesso à arquibancada e ver a multidão, o impacto é como se estivesse se abrindo, diante dos olhos, um novo mundo. E neste mundo, ao menos no primeiro dia, o tempo corre mais devagar, os barulhos e reações das pessoas ao redor não parecem reais e o jogo em si quase não importa.
Silvio sentiu tudo isso muito cedo. Sempre que possível, seu pai o levava para ver jogos do Rio Branco de Paranaguá no estádio da Estradinha, e lá aprendeu a amar as arquibancadas desde criança. Torcia para o Rio Branco, mas também para o Flamengo – por herança de seu pai.
Até que em abril de 1996, algo aconteceu. Silvio entrou no estádio com seu pai como fizeram muitas outras vezes antes, mas o seu coração disparou sob as arquibancadas como se fosse o primeiro dia. E a torcida, pela primeira vez, parecia não importar tanto, quando entrou em campo um adversário vestido de branco para jogar no gramado que estava um completo lamaçal naquela tarde chuvosa.
E foi aos 16 minutos de jogo que o sol resolveu brilhar no meio do gramado da Estradinha, iluminando o tortuoso caminho que percorreria Matosas, camisa 10 do time de branco. Perseguindo a bola como um alucinado, o uruguaio dividiu com um zagueiro, caiu virando uma cambalhota, levantou, levou uma bolada e seguiu lutando contra qualquer força que se opusesse, ficando maior e maior diante dos oponentes a cada disputa. A essa altura os adversários já sabiam que seria impossível deter o jogador uruguaio, então todos no campo pararam para assistir o que viria quando ele ficou de frente para o goleiro. Esperavam um chute forte – uma explosão que fizesse jus ao vigor da jogada. Mas Matosas mostrou que entre as pedras também podem nascer flores e deu um toque suave encobrindo o goleiro e deixando mais colorido o dia cinzento na cidade de Paranaguá.
Diz o jargão que que quando um jogador joga muito bem ele “só não fez chover”. Mas a missão de Matosas neste dia não era essa, e sim fazer a luz. E a luz fez brilhar os olhos de Silvio, que com 9 anos de idade saiu do estádio sabendo que talvez fosse decepcionar seu velho, mas não haveria mais espaço para o Flamengo em seu coração depois do que tinha sentido durante o belo (e sofrido) gol de Matosas.