8 mar 2021 - 23h16

Especial ELA com E.L.A.: “Paixão pelo Futebol”, por Maria Lucia Wood Saldanha

Nesta segunda-feira, Dia Internacional da Mulher, a Furacao.com traz um exemplo de garra, luta, superação e inspiração da atleticana Maria Lucia Wood Saldanha, portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença rara, neurodegenerativa progressiva e que não existe evidência de tratamento que leve à cura – a doença é a mesma que tinha o ex-jogador Nowak, que vestiu a camisa atleticana em 96 e 97 e faleceu em 2005. Mesmo com todos esses problemas, ela traz no amor ao Athletico um estímulo a mais para viver – e nos orgulhar ainda mais!

O texto foi originalmente publicado no jornal Indústria e Comércio (clique aqui e confira os textos do blog ELA com E.L.A., escrito por Maria) e gentilmente cedido pela autora para reprodução na íntegra em nosso site. Que o exemplo de Maria Saldanha motive e inspire muitos outros torcedores. Parabéns, Maria, e a todas as torcedoras atleticanas!

Desde criança sou torcedora do Athletico Paranaense. Ia com meu pai e meus irmãos aos jogos, pois morávamos perto do estádio. Minha família toda é atleticana roxa. Posteriormente, sempre que podia, acompanhava as transmissões pelo rádio ou TV, porém não ia mais ao campo.

Meu pai, que havia sido jogador quando jovem, em Ponta Grossa, nos ensinou as regras, bem como a torcer, vibrar e, sobretudo, defender sempre a camisa rubro-negra. Lembro-me de uma ocasião em que ele fugiu da minha mãe para ir a um jogo do Atlético (na época a grafia era sem o “h”). Ele estava às vésperas de uma cirurgia cardíaca e, portanto, não poderia sofrer fortes emoções. Mas, mesmo assim, preferiu arriscar a saúde ao ter que deixar de estar presente numa partida do seu time.

Na Copa do Mundo de 2014, depois de longos anos, retornei àquele local que me trazia doces lembranças de uma infância feliz. Agora já como Arena da Baixada, no jogo da Espanha contra a Austrália. Fiquei encantada com aquela estrutura maravilhosa. Eu usava andador, porém, para grandes distâncias, fazia uso da cadeira de rodas. E foi assim que lá entrei, conduzida por minha mãe, que já começava a apresentar confusão mental, pois passou o jogo inteiro torcendo por um time, achando que era outro.

Depois desse jogo, conheci uma paciente de ELA, aqui de Curitiba, cujo genro trabalhava no clube e conseguiu alguns ingressos para a ala vip. Fomos algumas vezes com a filha dessa paciente, antes de eu ser submetida à traqueostomia. Tornamo-nos amigas. Com o tempo fui enfraquecendo, não conseguindo mais ficar por muito tempo sentada na cadeira de rodas.

Depois da traqueostomia minha condição de saúde melhorou muito. Após a primeira saída de lazer, minha prima me perguntou qual seria o próximo passeio, questionando onde eu gostaria de ir. Falei que minha vontade era ver mais um jogo do nosso time.

E lá fomos nós para mais uma aventura. Minha amiga conseguiu novamente os ingressos com o marido, bem como que puxassem uma tomada ao lado do lugar que eu ficaria, para ligar o aspirador de secreção e o respirador, caso fosse necessário recarregá-lo. Minha prima contatou o clube, contando da minha vontade e do meu esforço para poder assistir uma partida. Fiquei muito emocionada quando recebi das mãos do técnico uma camisa do Athletico, e do clube, o direito de participar de todos os jogos, pelo período de um ano.

Isso me fez muito bem e me motivou a sair de casa a cada jogo. Fui em quase todos. Só não compareci em alguns, quando eu não estava bem de saúde, ou então, quando a temperatura estava muito baixa, o que poderia comprometer a minha parte respiratória. A cada jogo era um empenho. Ver quem iria me acompanhar junto com a técnica de enfermagem, como familiar ou cuidador, organizar bolsa com materiais de uso frequente, bem como para emergências, adiantar ou atrasar horários de dieta ou medicações, verificar carga de baterias do respirador e colocá-lo na cadeira de rodas, organizar o aspirador de secreção no carrinho de transporte, agendar táxi adaptado, além de terem que me arrumar adequadamente para que eu ficasse confortável todo o tempo fora de casa. Mas valeu a pena. 2019 foi um ano de conquistas. Começou pelo Campeonato Paranaense, Levain Cup no Japão e Copa do Brasil, além de ter ficado na quinta colocação do Campeonato Brasileiro. Prefiro acreditar que posso ter dado sorte, pois me motiva a continuar indo, já que o clube renovou, por mais um ano, o direito de eu assistir aos jogos.

Outra conquista que não posso deixar de compartilhar foi a seguinte: meu filho sempre dizia que não torcia por nenhum time de futebol. Acredito que para não me magoar e nem a seu pai, que torce por um time rival. Certo dia, me deparei com ele saindo de casa, vestindo uma camisa minha do Athletico. Ele cruzando a sala, vindo se despedir de mim com um beijo, me trouxe uma alegria tão grande, que acabei chorando, pois para mim era como se fosse mais um título vencido. Desde então, sempre quando vinha a Curitiba, me acompanhava nos jogos, agora já com a sua camisa nova, presente de seu padrinho.

Questionam-me se não tenho medo de ir num lugar com tantas pessoas, ou ainda, como eu agiria em caso de emergência. Quem conhece a estrutura da Arena sabe que não há o que temer. Desde o estacionamento sempre somos recepcionados por colaboradores muito simpáticos e bem treinados, que nos acompanham da entrada do elevador até a do piso onde fica o meu espaço. A área destinada aos portadores de necessidades especiais é separada e com visibilidade extraordinária para todo o campo. Em todos os jogos sempre vem algum empregado do clube perguntar se a tomada que foi instalada no meu espaço está funcionando corretamente e se preciso de algo. Há um portão de saída bem próximo ao local onde ficamos, sendo mais rápido o acesso, em caso de emergência a precisar de ambulância, do que sair do prédio onde moro. Ainda, nunca encontrei dificuldade para sair ao final dos jogos, pois geralmente aguardo uns minutos e, quando não, sempre há empatia por parte dos demais torcedores e colaboradores, que abrem espaço e facilitam a minha saída.

O Athletico, portanto, fez a diferença na minha vida, principalmente depois da traqueostomia, pois me proporcionou e sei que ainda me proporcionará muitos momentos felizes.

Maria Lucia Wood Saldanha
Assina uma coluna semanal no site do jornal Diário Indústria & Comércio, que retrata e chama a atenção para a realidade de pessoas que convivem com doenças, neste caso, terminal, além de servir como referência de dinamismo, fé, amor e exemplo de vida. e-mail: mlucia.saldanha@hotmail.com



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