Meu personagem da semana
Era assim que Nelson Rodrigues intitulava sua crônica esportiva semanal. Antes de escrever sobre o resultado do jogo, escrevia sobre o personagem.
Isto diz tudo sobre o olhar rodriguiano. Pra ele futebol é espetáculo. É uma composição de personagens e enredos. “A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana”, disse.
Sem ter meu olhar próprio, peguei esse mesmo. Vi personagens pelas suas linhas: Garrincha, Pelé, Didi, Castilho e Sicupira.
Ainda hoje só me interesso por personagens. Algo cada vez mais desafiador em uma época especialmente carente deles. Todos hoje são iguais, banais e com discursos prontos. Diferenciam-se pela cor do cabelo.
Mas eu conheci um. Digno de crônica do Nelson. Feito que ele só não alcançou por um lapso temporal. Desgraçadamente então caiu em uma do Badé mesmo.
Lucho González
.
Curioso que apenas seu nome preenche um parágrafo. Talvez uma crônica inteira. Mas não arrisco tanto, então vou desenvolver.
Quando eu li a contratação primeiro notei o som. O nome tinha uma interessante gradação e cada sílaba estalava ao pronunciar. Daí em geral eu chegava para amigos e perguntava em um certo tom dramático:
– Viram a nova contratação?
(pausa)
– Lu-cho Gon-zá-lez.
Era agradável falar o nome.
E sendo um personagem já universal foi logo identificável. Virou simplesmente “Lucho”.
Lucho começou desempenhando um papel estranho: discreto. O enredo perturbou a plateia, que exigia protagonismo.
Até o jogo contra o Capiatá. O gol da classificação. Vestindo preto e comemorando de um jeito particular: com o dorso das mãos apoiado na testa, olhando pra torcida, pra plateia. Parecia procurar alguém. Um espectador distinto, sentado na última fila, talvez sozinho.
Este protagonismo continuou até o gol contra contra o San Lorenzo, sob a delirante narração argentina. Daí ele se recolheu. E o resto do elenco desempenhou um épico contra o Universidade Católica.
Nesse curto espaço de tempo há todo o Luchismo. As páginas seguintes foram uma variação disso. Lucho é um personagem que alterna entre protagonismo e o antagonismo, conforme a necessidade do enredo e até a percepção da plateia.
Complexo, o personagem esgotou o homem. Houve até um intermédio. Lucho teve que descansar.
E retornou para o último ato: ergueu os troféus da Sulamericana e da Copa do Brasil. Neste último o Luchismo ganhou outro interessante contorno dramático: dividiu a taça com Wellington. Majestade com fidalguia. Servidão com benevolência.
Quinta-feira não foi o último capítulo. Este foi o da Copa do Brasil, o livro é bem claro. Quinta foi o epílogo. Um apanhado geral da história que passou. Um olhar mais íntimo e afetivo em que o personagem desvela o homem.
Lucho foi esse personagem que fez o clube inteiro melhor: jogadores, comissão técnica e torcedores.
E até escritores. Porque modestamente acho que atingi um marco literário: escrevi sobre um argentino sem compará-lo a um tango. Até porque no epílogo ele revela que gosta mesmo é de cúmbia.
Não faz sentido se despedir de personagem. O livro acabou, sim. Mas dá pra reler, contar a história pra quem não conhece e até escrever outras inspiradas nela.
Lucho não foi embora. Lucho se encantou.