Nos Bailes da Vida
Na estreia da coluna, o cenário é a tarde mágica de 02/10/2004, na Arena da Baixada, ainda rubro-negra, com paredão de madeira, sem Setor Brasílio Itiberê, mas muito mais cheia de calor da frenética torcida mais apaixonada e barulhenta do Brasil. Um jogo memorável, Athletico 5 x 0 Atlético-MG.
Naquele início de ano, fracassamos no Paranaense e outro furacão assolou o Rio Grande do Sul e Santa Catarina: o fenômeno meteorológico Catarina, que deixou um rastro de destruição, 60 feridos e dois mortos. Na música, Skank e Pitty faziam sucesso no Brasil e, no cinema, Christopher Reeve, o mais clássico intérprete do Superman, nos deixava. Mas, no Brasileirão 2004, o Athletico teve outros heróis, dos quais se destaca nesse apanhado de palavras o pequeno Jadson.
Era um encontro de Atléticos, nesse momento, nenhum deles com h. Nem o Paranaense, muito menos o Mineiro. Para muitos, inclusive esse que vos escreve, esse time foi o mais envolvente e empolgante Athletico de todos os tempos. O elenco contava com Diego, Rogério Correa, Marcão, Pingo, Morais, Raulen, Igor, Willian, Fabrício, Alan Bahia, Fernandinho, Fabiano, Washington, Dagoberto, Dênis Marques, Ivan, Marinho e, claro, Jadson, entre outros.
Já o Galo, num ano nada animador, conforme as palavras de seu treinador Jair Picerni, veio para não dar espaços. E não deu, mas por apenas 30 minutos, pois foi esse o tempo que o oponente resistiu. Aos 31, um lance de grande inteligência de Washington que, numa virada de jogo em que o grandalhão até pareceu desengonçado no lance, achou dois passos para dentro da área o menino Jadson, garoto que estava sendo apresentado ao Brasil naquele ano. O mágico camisa 10 fuzila de canhota no ângulo de Danrlei e estremece o Caldeirão. Era apenas a primeira dança.
A tarde era de baile no Joaquim Américo e o garoto Jadson, mirrado, pequenino, franzino, tirou o zagueiro pra dançar. Já no domínio, próximo à meia-lua e de costas pro gol, como se tivesse cola na chuteira, a bola grudou no pé direito do menino, que girou desnorteando o primeiro marcador, Emerson, que, segundo a lenda, até hoje está procurando por ele. O becão, que estava segurando Washington, desprendeu-se, no desespero, e também caiu na dança… O mago puxou a bola do pé direito para o esquerdo, como num passo de valsa, e castigou o goleiro adversário, deslocando-o, num chute da esquerda, rasteiro, que foi beijar a bochecha da rede no canto cruzado, rente ao poste oposto do goleiro. O autor da pintura, Jadson, de joelhos, agradece o dom divino que lhe foi concedido, a magia.
Após o intervalo, a banda seguiu tocando no mesmo ritmo e Alan Bahia, com um passe de gênio, rasgou a defesa mineira, o toque achou Washington no vazio, entre os dois zagueiros do adversário, o Coração Valente, com um só toque matador, fez a alegria do povo rubro-negro pela terceira vez no jogo.
Mas o que o menino prodígio queria mesmo, naquela tarde, eram abraços… Uma falta na entrada da área, a dois passos da linha, um pouco à esquerda da meta, naquele local clássico de onde os grandes batedores treinam. Barreira com 6 homens, o mágico procurou na cartola, tomou pouca distância da bola, a perna direita disparou com desprezo, o arco encobriu a muralha de defensores e o arqueiro assistiu o voo perfeito da bola, nem se mexeu pra não estragar a imagem. Três vezes Jadson!!!
Embalados pelo som de Milton Nascimento, foi como Nos Bailes da Vida: “Cantando me desfaço, não me canso de viver nem de cantar” e sem descansar, a arquibancada cantou pela quinta vez. O maestro Jadson encaminhou o gran finale do seu concerto. Num passe milimétrico, ele pôs Dênis Marques na entrada da área, o artilheiro dos gols de placa, dominou, deu uma sambadinha em frente a três defensores e finalizou à meia altura, no canto oposto de Danrlei, como se falasse pro goleiro: busca lá, quero ver…
Assim foi o baile, o show, o espetáculo daquele Athletico que encantou o Brasil e, pelas ironias e injustiças da bola, perdeu o título mais ganho da sua história…
Para ilustrar essa tarde mágica, ficam dois links para ambientar a os fatos:
Os melhores momentos do jogo
A trilha sonora para o baile