14 dez 2021 - 21h35

Nunca foi sobre vencer

Quando as pessoas me perguntam “quem é o Murilo?” a primeira coisa que digo é que o Murilo (ou Doc, como me chamam) é atleticano. Além disso, sou médico e atuo na área da Psiquiatria. Aqui, neste espaço, o intuito é conversar – de torcedor para torcedor – sobre aquilo que nos é cura, mas também comorbidade, loucura e uma licença poética: o Club Athletico Paranaense.

 

Futebol é sofrimento. Qualquer torcedor vai perder mais do que ganhar. O saldo é negativo e não tem como fugir disso. Se você não sabe desfrutar os grandes e históricos momentos do seu clube, desculpe a sinceridade, você não entendeu coisa alguma. O Futebol é muito parecido com a vida, no fim das contas. E eu sei que é assim mesmo: um dia a gente ganha, outro dia a gente perde. Mas por que quando a gente perde ninguém se lembra de que “futebol é assim mesmo”? Tentemos melhorar nossa relação com o esporte em si. Tentemos dosar e equilibrar, a nosso favor, os momentos de paixão e amor.

O Athletico é excepcional caso de sucesso, uma impossibilidade teórica que se tornou realidade. O Clube não mexeu uma vírgula nos seus planos de sócios, manteve a mesma política de preços de ingressos, continuou fazendo contratações de baixo custo e vem acumulando os títulos que o Galo, por exemplo, tanto queria, mas não beliscava. E por mais incrível que pareça, cá estamos numa final histórica contra o tal “forte e vingador” de elenco milionário e campeão brasileiro. Com sentimento de imenso orgulho, vestido em vermelho e preto, digo que para nós tudo é possível. É assim: um dia você acorda e descobre que existem maneiras diferentes de se chegar ao fim da escalada com sucesso. Para nossa sorte encontraram, aqui, este caminho. O Furacão é um exemplo para o mundo.

Ser torcedor exige coragem. Coragem em perceber que se torce “na boa ou na ruim”. Afinal, cicatrizes indeléveis fazem parte de qualquer guerra. E nada como um dia após o outro. Uma hora o vento muda de direção e muitas vezes se transforma em Furacão.

Concordo quando ouço/leio que o Paranaense goleado impiedosamente pelo Mineiro foi indigno da sua história de luta. A derrota nas Minas Gerais era possível (quase óbvia), mas a maneira como aconteceu é difícil engolir. Tendo que trazer resultado alcançável para Curitiba e podendo sim fazê-lo, o quatro a zero revelou negligência individual, planejamento equivocado, coletivo frágil e ausência de espírito de final. Era jogo de erro zero e o que vimos foram desacertos em cascata. Irresponsabilidades milionárias. O Athletico entrou em campo mal preparado, sem entender o tamanho do adversário, taticamente mal posicionado, psicologicamente instruído por estagiário do assunto.

Cada um sente de uma forma. Uns destilarão raiva (e tudo bem). Outros, conformismo (e tudo bem). Outros, indignação (e tudo bem). Uns farão reflexões mais técnicas e racionais (e tudo bem). Outros ainda refletirão de forma mais visceral e emocional (e tudo bem, também!).

E os guerreiros torcedores rubro-negros que estiveram no Mineirão domingo? Valeu a pena? Claro que sim. Isso é história. Soubéssemos que nosso Athletico seria massacrado em campo – da maneira como foi – iríamos? Com toda certeza. Porque, simplesmente, não se trata de vencer. Fosse só isso, racionalmente, você, torcedor e torcedora, jamais existiria. Fosse só sobre vencer, tudo isso que vivemos até aqui não seria realidade. Fosse só sobre vencer, nenhum clube teria torcedor. Fosse só sobre vencer, até mesmo o Futebol como esporte seria inviável.

Muitos de nós começaram a amar o Athletico na época em que não ganhávamos nada. Com o tempo e o apoio de cada um, crescemos. Hoje, estamos entre os maiores do Brasil. Portanto, honremos nossas cores. O vermelho da paixão, do nosso sangue. O preto de nossa raça, cujas coxas sempre foram mais do que apenas brancas. Mais do que imortais, mais do que um bando de loucos, mais do que uma nação, somos o que acreditamos que seremos.

Vamos lá, rubro-negro. Somos o novo grande e os grandes lutam dentro e fora do campo. E fora de campo a luta é nossa. O maior pecado é faltar à luta. Vamos, mexa-se, o Athletico precisa de você. Você não dribla, não ultrapassa, não chuta, não ganha ponto no cartola, mas quando as coisas não funcionam, você faz – e sempre fez – a diferença. Das arquibancadas da Baixada flui um vento vencedor impiedoso, um grito que embala e agride, um canto que carrega e esmaga, submissos ao toque do tambor que cadencia a batalha e destrói o inimigo com seu fanático rufar. Nosso papel é acreditar, fechar os olhos para a entropia estabelecida e se agarrar com a possibilidade de vitória – sempre possível no futebol.

Quarta-feira é dia de lotar a Baixada. Cantar durante os 90 minutos. Incentivar. Aplaudir. Desfrutar de uma grande festa que só o Futebol pode proporcionar. É dia de reencontro com a vitória. Sinfonias, mosaicos, festas pré-jogo devem fazer a torcida entrar forte, decidida, empurrando o tímido, fortalecendo o fraco, estimulando o conjunto. Com ardor de soldado novo, vistamos o manto sagrado – aquele agarrado à pele como farda (jamais fardo) que se veste pela vida toda. Porque eu, você, eles – nossos guerreiros -, todos nós, merecemos este momento. E que todo torcedor atleticano, ao final, possa olhar para frente e desejar apenas uma coisa: um 2022 com muita paz.

“Não importa a partida que você disputará”. Ser Athletico é ganhar sempre, em vários aspectos, independente do resultado do time em campo. Nosso papel como torcedor, em essência, é este: torcer. E nos faz bem estar lá, no estádio – do nosso time ou do rival – porque ao lado das nossas famílias, dos nossos irmãos em armas, em canto dos nossos corações, mora o Furacão. Ele é importante para nós, faz parte das nossas vidas, sofremos quando ele repete derrotas, vibramos quando acumula vitórias. É nossa escolha, um imenso matrimônio coletivo com uma simples história que nos comove e acolhe.

Torcedores, já passou da hora de entendermos que ser atleticano é muito maior do que qualquer triunfo. Sempre foi sobre torcer. Nunca – jamais – foi sobre vencer.



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