9 fev 2022 - 0h56

Há algo de podre no reino da Dinamarca

Quando as pessoas me perguntam “quem é o Murilo?” a primeira coisa que digo é que o Murilo (ou Doc, como me chamam) é atleticano. Além disso, sou médico e atuo na área da Psiquiatria. Aqui, neste espaço, o intuito é conversar – de torcedor para torcedor – sobre aquilo que nos é cura, mas também comorbidade, loucura e uma licença poética: o Club Athletico Paranaense.

 

Coloquei a máscara, alinhei o cachecol e fui embora. A vaia que ecoou das arquibancadas colocou ponto final no jogo em que a vitória líquida e certa escorreu pelo ralo nos derradeiros minutos. O apupar imenso provou que o atleticano aceita a piazada, os aspirantes, o “Ventania” no Paranaense, mas não a sequência de maus resultados e performances. Tudo vai bem, desde que a vitória aconteça.

Mas quem diria que – naquela algo melancólica noite de domingo – a intensa cobrança da diretoria rubro-negra sobre o trabalho do time de aspirantes culminaria com a saída de um dos principais nomes do clube nos últimos tempos? Claro que não foi (só) pela derrota.

O revés só serviu para escancarar a fragilidade egoica daqueles que estão no comando. Ou, pelo menos, que deveriam estar. É uma situação que perpassa o mundo da bola. E quem diria, também, que por aqui falaríamos sobre a “psicologia no esporte”?

Evidentemente, existe uma batalha de egos no tocante ao Futebol – e isso acontece em vários setores. No Athletico, então, este confronto se escancara. Tudo se concatena de uma forma peculiar e orgânica. É jogo de causa e consequência.

Aí vem a turbulência. Aparentemente não tão grave, apenas um conflito de ideias? Deveres colocados em cheque. Porque a todo instante fala-se em projeto – isso é formidável, o nosso Athletico é dos poucos clubes brasileiros com ideias inovadoras, ambiciosas e com capacidade de gestão para colocá-las em prática. E aquele que ficou refém de suas convicções abandonou o barco. Sim, pois nunca foi um mero conflito de ideias.

O Athletico, em momentos como o atual, comprova o embate entre egos – aquilo relativo à personalidade que, no âmbito psíquico, determina a maneira de agir de alguém. Uma batalha entre “personalidades fortes”.

Fala-se tanto em protagonismo, mas é importante dizer, também, que ele depende de alguns fatores, como inspiração, competência e lucidez. Necessariamente lucidez. Senão a gente foge da realidade e recai no abismo impiedoso e desgastante da psicose.

E, assim, aqueles que buscam escrever epopeias, marcar para sempre – indelevelmente – a história de uma instituição quase centenária, conseguiram produzir aquela aventura dramática, tão característica do autofágico rubro-negro paranaense. Sim, autofágico, porque, mais uma vez, o maior inimigo do Athletico é ele próprio.

Assim foi redigido mais um capítulo que gravita em torno de um (ou vários) conflitos entre vontades distintas, procurando uma vencer a outra. Quem escrevia bem estes enredos era justamente o mestre do Drama, William Shakespeare. Foi-se do romance à tragédia que, convenhamos, era iminente com tantos “comandos” internos. Seria inocência demais pensar que haveria convívio saudável entre os novos e velhos diretores. O racha era um óbvio ululante.

Agora é esperar a boa vontade de outros alguéns que se submetam ao tal do projeto. Perde o Athletico. Perde-se dentro de campo. Perde-se fora de campo. Perde-se gente capacitada. Perdem-se peças da engrenagem. Perde-se tempo. Tempo esse sempre tão valioso e constantemente vítima das constantes lamúrias de praticamente todos os dirigentes e treinadores do nosso futebol.

A diferença entre um clube vencedor e um clube que não consegue vencer é a atmosfera – da torcida, da política institucional, do plantel de jogadores. No Brasil, ainda custo a crer que haja, de fato, um projeto de futebol. O que existe é um projeto de vitórias (e, ainda, não a qualquer custo). O Athletico há de quebrar mais este muro.

Em socorro dos meninos pode-se dizer que o esquema viciou a todos no jogo para trás, tolheu a iniciativa; quem sabe em outro cenário, com mais liberdade, pudessem render muito mais. Que assim seja. E os treinadores? Lá atrás, inventou-se um “portuga” simpático. Quando a caravela estava naufragando o treinador lusitano “pediu para sair” (pediu mesmo?). Autuori – a contragosto – e aí as relações internas se estremeceram – assumiu o leme e, na sequência, achou Valentim perdido no nevoeiro. O jogador-ídolo quebrou o galho: com uma vitória, faturou a Sul-Americana; segurou um possível rebaixamento; foi atropelado pelo Galo. Na verdade, o Athletico piorou sob seu comando, os erros defensivos se multiplicaram, algo que as ruelas do Caju devem conhecer a causa. Há uma causa. Assim como, certamente, houve também muito trabalho que deve ser elogiado e exaltado. Eu não saberia especificar, ser justo.

Autuori repetiu enredo já conhecido. E o Eduardo Baptista da vez foi Ricardo Gomes. A lealdade na relação entre os profissionais não foi abalada pela provável deslealdade presente nos outros segmentos do clube. Temo em falar que o Athletico não mereça Autuori (o executivo mais capacitado do futebol brasileiro) e Gomes. O fair play não existe nem mesmo internamente. Ouso, ainda, dizer que os feitos do presente – que hão de reverberar quando das glórias de um futuro que se aproxima – deverão, em grande medida, ser creditados à figura do agora ex-diretor-técnico – com suas eficiências, eficácias, efetividades, vasta filosofia e prateleira de títulos conquistados em todas as formas de competir.

Existe um problema no Athletico que vai muito além da contratação de jogadores de qualidade discutível (mais um muro sendo quebrado?), de treinadores que pouco enxergam, que repetem escalados que pouco produzem – como se fossem pérolas a um dia sair da concha. Trago de volta à conversa Shakespeare: “há algo de podre no reino da Dinamarca” – expressão de Hamlet, tragédia que tem como título o nome da personagem.

Transportando para a nossa realidade, podemos dizer que a frase se refere para cada fato obscuro e podre que se imiscui além das cortinas que cerram algum espetáculo. O que há por trás dos fatos conhecidos são outros que não nos são revelados. E que fedem.

Na ânsia pela grandeza, os dirigentes não deveriam se deixar levar pelos orgulhos. Na ânsia pela grandeza, há imenso risco de pequenez. E isso, definitivamente, não combina com o Club Athletico Paranaense. Sim, há algo de podre no reino da “Dinamarca”.

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