Na oração e no coração
Quando as pessoas me perguntam “quem é o Murilo?” a primeira coisa que digo é que o Murilo (ou Doc, como me chamam) é atleticano. Além disso, sou médico e atuo na área da Psiquiatria. Aqui, neste espaço, o intuito é conversar – de torcedor para torcedor – sobre aquilo que nos é cura, mas também comorbidade, loucura e uma licença poética: o Club Athletico Paranaense.
Agradeço todos os dias por ser escravo da minha paixão – é um privilégio torcer pelo e para o Athletico e poder escrever mais um texto para mais uma decisão envolvendo nosso Furacão. Decisão internacional. Decisão grande. Decisão gigante.
Ainda murmurejam os comentaristas da grande mídia sobre a derrota do Palmeiras contra o Chelsea. Quem sabe embasados por pensamento – beirando a insanidade – de que o verde paulista era favorito, reclamam alguns da pouca coragem da equipe, acham que o Verdão poderia ter atacado mais, tentado a vitória e que o supercampeão portuga teria sido tímido na final. Talvez eles também precisem aprender a desfrutar do momento que vivem…
Abel Ferreira possui uma virtude inquestionável: sua dedicação ao estudo dos seus adversários. A análise profunda – a capacidade de mobilizar seus jogadores para anular potencialidades e atacar vulnerabilidades – já levou seu grupo à conquista das duas últimas Libertadores (vocês imaginam o tamanho disso?). O comandante sabia que o jogo por uma bola era única solução. Tentou. Chegasse às penalidades a missão estaria cumprida. Ficou no quase. Com este conhecimento, vejo que a indefinição atual do Athletico é ponto positivo para o primeiro jogo da Recopa. O portuga tem pouco material para análise. Do meio para frente creio que nem o treinador rubro-negro tem certeza daqueles que entrarão em campo. Sem dúvida, o fator surpresa joga a nosso favor.
O Porco – segundo melhor time do mundo – vem ao Caldeirão do Diabo para dar um jeito nas olheiras de Dona Leila. O Athletico vai precisar muito da sua torcida. De um torcedor que acredite no conjunto, que vá à Baixada para torcer durante os noventa minutos. E depois, na capital paulista, mais noventa. E, se preciso for, mais um pouco, após.
Estamos voltando ao padrão de 2018/2019 quando tínhamos elenco melhor estruturado para jogar competições diferentes e importantes concomitantemente. O caminho é esse. Errou-se demais ano passado e, agora, os caras de cima estão enxergando isso. E percebam que interessante: todo corpo técnico do nosso clube fala, repetidamente, em “protagonismo” ou em possibilidade de “brigar em todas as frentes”. Amigo e amiga, não tenham dúvidas, isso aí contagia aqueles que entram em campo. Contamos que Alberto tenha inspiração, lucidez e competência para transformar um dos melhores plantéis atleticanos da história em um time vencedor. Mais que isso: campeão. É possível? Opa, claro que é. O futebol é imprevisível. E a imprevisibilidade fascina. Sem contar que o Athletico tem nos acostumando com finais felizes.
Chegou, mais uma vez, o momento de aproveitarmos o não favoritismo e torná-lo especial. O sentimento está latente em cada um de nós. O atleticanismo nos é criatura que inflama espontaneamente. Ah, torcedor… Nós já doutrinamos! O que aconteceu em 15/12/2021 ainda reverbera em nossas mentes. O clima que se instalou nos permitiu viver uma das noites mais insanas da nossa história – e o jogo em si virou fato secundário a ser analisado. O atleticanismo se alastrou de forma inacreditável. O que vimos e fizemos na Baixada e nos seus arredores foi algo sem precedentes. E reitero, novamente, nossa missão: falar sobre Athletico; viver o Athletico; torcer pelo Athletico. Pura e simplesmente torcer. Afinal, como eu já dissera, nunca foi sobre vencer.
Mesmo com a derrota, a final da Copa do Brasil na Arena serve de marco ao Furacão: uma noite da inabalável vibração atleticana, do amor incondicional que não dependeu do resultado. Se o jogo em campo encerrava o sonho, nas arquibancadas ficou evidente uma chama que nunca deixou de arder: a da paixão pelo clube. E se não era dia de celebrar título, aproveitamos para sentir à flor da pele a razão de ser rubro-negro. Era – assim como agora – vez de expressar reverência, laurel, benquerença pelo grande momento do clube e, sobretudo, provar como a relação dos torcedores com o time vai muito além da imagem de um histórico Centenario uruguaio esvaziado, provocada pela ganância da CONMEBOL. Atleticano é o que não deixa de cantar e declarar seu amor, independentemente da dor da derrota. O orgulho supera (e muito) isso.
A grandeza do Furacão pode ser reconhecida de várias formas. Pode ser pelos títulos recentes, pode ser pela competitividade recorrente. Pode ser pelas finanças estáveis, pode ser pela estrutura de primeiro nível. Mas nada maior para representar este gigantismo que a torcida. Uma torcida que, afinal, tantas vezes precisou superar obstáculos. E uma torcida que professou seu fanatismo ao cantar forte para abafar o grito de campeão dos visitantes, quando a noite dentro da Baixada ainda era sua. Se não para vencer, foi para reforçar sua unidade. A morte liberou a festa e deu sentido a tudo. Fato é que, a partir de agora, o rubro-negro tem uma certeza ainda maior quanto à sua própria força. Não foi possível mudar o resultado, mas nós pudemos pavimentar um futuro mais brilhante através desta união.
Existe um sentimento tão grande, mas tão grande pelo Athletico que a gente precisa viver (com) esta comorbidade o tempo todo. Somos o Athletico. Juntos, somos o Furacão. E fizemos o clube ser o que ele é hoje. Enfim, no ano que passou, vimos taça, vimos dinheiro entrando, mas também vimos pouco futebol. Eu gosto de taça, de recursos e gosto também de futebol. E gosto de torcida que empurra o time em todos os momentos; que honra sua história. Eu gosto de história.
Vivemos novos tempos. A tradição está lá, mas o enredo vai sendo escrito; e enquanto os gigantes perdem terreno, outros avançam. O rubro-negro paranaense se lança intensamente nesta aventura. Nossos adversários são os grandes da América, os desafios são outros, nada que nos imponha a derrota antecipada. Nem pensar. O Athletico cresceu e hoje desafia poderosos, os grandes do eixo, esses que os canais de esporte gastam 24 horas por dia promovendo.
Não é o crítico que importa, nem aquele que mostra como o ser forte tropeça, ou onde o realizador das proezas poderia ter feito melhor. Todo o crédito pertence ao elemento que está de fato na arena; cuja face está arruinada pela poeira, pelo suor e pelo sangue; aquele que luta com valentia; aquele que erra e tenta de novo e de novo; aquele que conhece o grande entusiasmo, a grande devoção e se consome em uma causa justa; aquele que ao menos reconhece, ao fim, o triunfo de sua realização; e aquele que – na pior das hipóteses – se falhar ao menos falhará agindo excepcionalmente, de modo que seu lugar não seja, jamais, junto àquelas almas frias e tímidas que não conhecem nem vitória nem derrota.
Quarta-feira, 23 de fevereiro, 21h30. Nosso Valentim bota o time para correr e a gente vai atrás. No grito, no amor e na fé: esta é a (Re)copa para ser vencida na oração e no coração.