Quando as pessoas me perguntam “quem é o Murilo?” a primeira coisa que digo é que o Murilo (ou Doc, como me chamam) é atleticano. Além disso, sou médico e atuo na área da Psiquiatria. Aqui, neste espaço, o intuito é conversar – de torcedor para torcedor – sobre aquilo que nos é cura, mas também comorbidade, loucura e uma licença poética: o Club Athletico Paranaense.
Em tempos de técnicos portugueses, brasileiros lançados no abismo do esquecimento, Alberto Valentim foi um privilegiado. Teve em mãos elenco de jogadores de qualidade, infraestrutura nível Europa, infinito tempo para trabalhar. Era um destes tantos treinadores que estão como vagão no desvio, parado, esperando uma locomotiva que os puxe. Muitos deles, com trabalhos deprimentes Brasil afora, são rêmoras a navegar ao lado do tubarão, pegando as rebarbas do grande branco.
A aventura foi longe demais e, enfim, cessou-se. Defesa que entrega, ataque que não cria, nada existe que revele alguma organização. Individualmente o time está sofrível, não há um setor que se destaque. O tal “estado anímico” está jogado às traças. O Athletico de hoje não compete; e se antes sabia sofrer, agora parece que não mais. Como está não poderia ficar.
Problemas surgidos da imensa expectativa positiva. Expectativa de um time renovado, com atletas mais qualificados em todos os setores. Infelizmente ou felizmente, o coração do torcedor vive de esperanças. Esperávamos que Valentim fizesse o simples. Só o simples. Atacar vulnerabilidades, bloquear potencialidades, usar o jogador certo no lugar certo. Sem improvisos ou invenções que desacreditam o trabalho e levam a campo a certeza de que não vai dar certo.
Terminada a participação rubro-negra no estadual, constatamos que o Furacão continua com o mesmos problemas de sempre, em especial no setor esquerdo defensivo. A entrada de jogadores do time principal em nada ajudou – desarrumaram um time que se mostrava esperto no ataque e que tinha forma de jogar definida; cansou titulares importantes; afastou o General; e colocou à margem do processo treinador que se demonstrava ofensivo, eficiente. Nenhuma das entradas acrescentou algo, era quase um “vai lá e resolve”, sem qualquer base em treinamento pregresso.
Não fora por falta de opções que o treinador deixou de montar um grupo competitivo e, mais importante, criativo. Talvez o agora ex-técnico desconheça, mas teve a capacidade de superar a si próprio: conseguiu piorar a versão do Furacão a cada partida. Esperávamos que Alberto aprimorasse o jogo dos nossos laterais – muito melhores no ataque do que na defesa – embora tenha sido ele também um lateral ofensivo, a ponto do grande Evaristo de Macedo, em meio a jogo, ter lhe oferecido a sete. Era só uma esperança. Vemos, atualmente, um Athletico vítima de treinamento deficiente, da forma obtusa de se jogar. Existe uma aura de dificuldade em cada movimento da equipe que não permite sequer que se faça avaliação justa dos jogadores. Se é difícil entender a proposta coletiva, como avaliar a individual?
Dia desses, a gloriosa Nadja Mauad categoricamente – em programa do SporTV – representou, mais uma vez, a voz do torcedor e foi certeira: o Athletico errou, mais uma vez, no planejamento. E nem se pode mais culpar pandemia, ou o calendário atípico; ou que time foi pego de surpresa; ou que não deu tempo. Estamos em abril, a festa já começou e nós ainda estamos arrumando as cadeiras, brigando com o torcedor, demitindo gente.
O Furacão é, entre todos os brasileiros na Libertadores, por falta de um plano de governo do seu futebol, o único enigma. Porco, Galo e Urubu, por poderem, têm como objetivo a conquista do título. Corinthians e Bragantino vivem ilusões. América e Fortaleza só por disputar a competição continental já têm a vida resolvida. Seria uma manifestação de pretensão extrema o Athletico indicar como objetivo a “Glória Eterna”? Isso pode até ter algum excesso, mas não seria extrema se a solução para algumas questões já tivesse sido dada. Há jogadores capazes para a formação de um time altamente competitivo, mas ainda não há comando.
É preciso lembrar que o Athletico tem, antes de tudo, um estilo de administração centralizada e concentrada em um homem só, com suas virtudes e defeitos. E este estilo é inovador, pois, a cada período, tira um treinador da cartola, inventa um gerente de futebol novo e contrata alguns jogadores que mantém o ritmo da equipe nos torneios que disputa.
O diretor que em alguns momentos importantes tirou o Furacão de dificuldades e ajudou o time a ganhar canecos foi liberado com meia linha de agradecimento no site oficial. A ideia de que Autuori queria a permanência de James no comando dos Aspirantes e não foi atendido expôs somente derradeira briga de casal com o casamento já padecendo com muito batom na cueca. O Athletico trouxe para o seu departamento de futebol alguns caciques de peso e, assim sendo, era natural que divergências acontecessem. São experiências diversas que se chocam, pedem prioridade e se não houver muita disciplina intelectual a casa cai. E a casa caiu. Coisas do ser humano. Hoje, provamos que Autuori era o teórico por trás do trabalho prático de Valentim.
Presidente Mario Celso Petraglia… Você teve direito a realizar todos os seus sonhos, pelos quais agradeço de joelhos. Ninguém colocou uma pena para travar seus passos – o Conselho, de calças-arriadas, facilitou muito. Sei que você nunca gastou muito para formar um time e todos sabemos que o retorno não é garantido. Daí a ansiedade, as demissões, o ataque ao torcedor – sempre o culpado de tudo. Felizmente, o futebol oferece a oportunidade de – a cada quarta ou quinta e a cada sábado ou domingo – renascer. Sempre é possível recomeçar. Quando a realidade cotidiana se mostra como maravilhamento e quando não passa de mera realidade? Quando olho a pedra e vejo pedra mesmo, só estou vendo a aparência. Quando a pedra me põe confuso de estranhamento e beleza, eu a estou vendo em sua realidade que nunca é apenas física. A aparência diz pouco. Que a gente tenha a razão aguda a este ponto para não perder a totalidade da realidade. A chave está aqui.
Mudar é difícil, mas não mudar pode ser fatal. Enquanto tratar a exceção como regra (sim, falo do saudoso Tiago Nunes), o Athletico viverá nesta espécie de delírio coletivo. Fala-se tanto em protagonismo, mas é importante dizer, também, que ele depende de alguns fatores, como inspiração, competência e lucidez. Necessariamente lucidez. Senão a gente foge da realidade e recai no abismo impiedoso e desgastante da psicose.
A partir de agora, o Furacão escalado tem que ganhar. E jogando bem! A vitória tem que vir com autoridade, deixar claro que no Caju um promissor trabalho está em andamento. Ainda temos grandes expectativas para o ano atleticano. Elas passam pelo trabalho criterioso de toda a comissão técnica, pelo comprometimento dos atletas e por felizes tardes de domingo – ao contrário do ocorrido neste último.
Enquanto espero, não me custa desejar boa sorte ao Valentim, na sequência de sua trajetória. E digo que hoje sim, 11 de abril, posso falar em comemorações, torcedor rubro-negro: que seja um excelente 2022. Feliz ano novo.