MCP, o dono da Havan e o racismo
Uma notícia circulou discretamente poucos dias atrás. Segundo consta, um tal comitê de ética do CAP revogou os direitos associativos de um advogado que teria infringido as normas de conduta do clube. Em dezembro do ano passado, depois da partida final da Copa do Brasil, entre CAP e Galo, o empresário Luciano Hang, celebrizado por atitudes deliberadamente escandalosas, manifestações políticas de extrema direita e trajes e gestos ridículos, protagonizou uma cena que eu já tive o desprazer de testemunhar em outra oportunidade: do parapeito de uma das escadarias, vestido com a camisa do Athetico do seu amigo MCP, com gritos e palavras de ordem agressivas, o “Veio” tentava chamar para si a atenção do grande público.
Há quem admire o estilo “empreendedor-e-pseudopatriota” do dono da Havan; outros, talvez mais realistas, enxergam nele uma ilusão feita de histórias mal contadas e articulações suspeitas. Provavelmente irritado com a expressão tosca do bolsonarista radical, o advogado jogou cerveja na cara de Hang, esvaziando o copo que trazia numa das mãos. Deu-se um entrevero entre dois torcedores (ou entre um torcedor e uma figura que divide interesses comerciais com o clube) que poderia ter acabado ali, naquele momento de despedida de uma noite que misturou festa e derrota.
Não foi o que aconteceu. A “vítima” pertence ao círculo de relações de MCP, também entusiasta do bolsonarismo. Talvez tenha nascido desse afeto comum a ideia de convocação do comitê. Poucos meses depois, o colegiado aplicaria ao dito “ofensor” uma penalidade superlativa, evidentemente desproporcional à gravidade da falta. Restabeleceu-se, enfim, a ordem reivindicada pelos “torcedores de bem”.
Eis o fato, que não mereceria repercussão não fossem outros dois fatos que ocorreram naquele mesmo dia, naquele mesmo local. Na arquibancada atrás do gol dos fundos do estádio, quando o jogo ainda corria, duas cenas nojentas de racismo provocaram tumultos. Numa delas, a torcida do Galo, que estava na parte superior da arquibancada, foi agredida com gestos e palavrões; na outra, a torcida do CAP recebeu desaforos vindos de um dos camarotes do setor. O conteúdo supremacista das ofensas fez com que os espalhafatosos partidários da intolerância e do ódio fossem retirados do local. Aparentemente, os crimes estão registrados nas repartições competentes, como tem ser.
Quanto à diretoria do CAP, faltou responder algumas questões essenciais. Os racistas são sócios do clube? Em caso afirmativo, qual punição receberam? Em caso negativo, foram adotadas providências para evitar a repetição de atos criminosos no meio da nossa torcida? Essas dúvidas persistem. O que se sabe, apenas, é que o Veio da Havan foi “vingado” pelo conselho de ética. Vitória da ordem e da disciplina… Mais uma vez, ficou estampado o que realmente interessa ao grupo que se apossou do Clube Atlético Paranaense. E isso é muito preocupante.
Há um fenômeno grave que prolifera nos estádios brasileiros. O aparente triunfo de uma ideologia política que estimula manifestações de agressividade e discriminação, baseada num discurso moralista e impregnado de fundamentalismo religioso, está ligado ao comportamento truculento de uma parcela da população. São pessoas que também frequentam jogos de futebol. Na Baixada, por suas dimensões apertadas, é mais fácil identificar – e punir, e prevenir – esse crime. Mas é preciso ter vontade de fazer isso. E a atual diretoria, capitaneada por seu comandante supremo, não demonstra preocupação com a onda perigosa que toma conta do País e do esporte. Seus esforços têm sido dedicados à elaboração de medidas elitistas, ao negócio milionário que envolve a compra e a venda de jogadores, à elaboração de planos de associação esdrúxulos e caros e à exclusão da periferia da vida do clube.
A torcida do CAP não merece ser tratada assim. A partir de 1968, com Jofre Cabral e Silva, quando se deu a popularização definitiva do Atlético, nossos adversários se incomodaram. Fomos chamados de “macacada”, e muitos dos nossos jogadores sofreram discriminações raciais absurdas. Resistimos, sobrevivemos. Havia, então, um sentimento coletivo de repúdio a esse tipo de atitude. Éramos um todo, uma unidade que os tempos modernos não suportam mais.
Como precursor do futebol de grandes projetos e lucros estratosféricos, é de se imaginar que MCP despreze a história, reduza tudo isso a um sentimentalismo fuleiro. Problema dele. Mais importante e urgente – e essa tarefa nos cabe – é recuperar a alma do Clube Atlético Paranaense, destruir a pasteurização imposta pelos donos da grana e trazer de volta a nossa paixão – aquela que não morre, porque está em tudo.