O Athletico depende de nós
Quando as pessoas me perguntam “quem é o Murilo?” a primeira coisa que digo é que o Murilo (ou Doc, como me chamam) é atleticano. Além disso, sou médico e atuo na área da Psiquiatria. Aqui, neste espaço, o intuito é conversar – de torcedor para torcedor – sobre aquilo que nos é cura, mas também comorbidade, loucura e uma licença poética: o Club Athletico Paranaense.
Hoje mesmo, em mais uma reunião para discussão de casos clínicos com a querida doutora Carmen – psicanalista já citada outrora -, conversávamos sobre “relação simbiótica”. Neste tipo de associação/relacionamento existe extrema dependência entre ambos os parceiros para sobrevivência.
Tenho algumas dificuldades para acreditar em trabalho de treinador aqui no Brasil. A impressão é de que o contratado é mais “coisa de momento”. E então chega Felipão. O que esperar? Que os astros se alinhem, que os jogadores se animem, que a sorte nos favoreça, que se formem aquelas conjunções astrais em que tudo contribui para o sucesso e que o trabalho do comandante rubro-negro nos traga os resultados tão necessários e desejados – a começar pela partida contra os paraguaios.
Scolari certamente já identificou que o Athletico é viciado em passes laterais e para trás – herança maldita que nos atrasa há muito tempo. Nossos volantes precisam receber, sair da marcação e partir na vertical. Enquanto tiverem que devolver a bola aos zagueiros e nossos atacantes precisarem procurar alguém melhor colocado para finalizar, vamos sofrer e correr riscos o restante do ano (e que não se culpe Canobbio, jogador de verticalidade absoluta jogando longe do ataque).
“Na competição brasileira, ainda temos chance de recuperação. Na Libertadores, só temos esta partida. Precisamos de todos os nossos torcedores, para que eles nos coloquem no jogo integralmente na quarta-feira. Peço a vocês, torcedores, que nos deem o apoio na quarta-feira”. A convocação de Felipão traz sua preocupação: ele sabe que sua palavra não basta. Se o torcedor não empurrar, ficaremos pelo caminho. Só “infraestrutura” ou “time moderno” não ganha jogo; os atletas terão que jogar e a voz do vestiário até agora não os fez sair dos seus quadrados, flutuar pelo ataque, honrar e suar a camisa que vestem. Então, não temos escolha: a voz das arquibancadas tem que se fazer ouvir. O Felipão entendeu e pediu. Eu também peço.
Na preleção, exigiria coragem, atrevimento, ir para cima; proibido passes para trás; jogar tudo; cansou? Pede para sair. Então, vamos juntos com quem entrar em campo. Pedindo raça. Raça é o que temos de melhor. Já está acertado que os laterais não deixarão aquele buraco nas costas quando o cruzamento vier. Já está acertado que os zagueiros não avançarão mais do que as suas pernas permitem. Já está acertado que quando o adversário avançar com a bola dominada a defesa não correrá para trás, dando todo o espaço para o chute de fora. Já está acertado que nossos atacantes darão pelo menos um drible, que acertarão passes, se possível farão assistências e os assistidos não cairão da bola, não darão petelecos no peito do goleiro. E se por força destes acertos a bola chegar às redes, eles comemorarão com imensa alegria.
Não há tempo para lamúrias. No futebol, derrotas vêm e vão. Bem por isso, é frágil a rede negativa de sentimentos que criam: rompe-se com a primeira vitória. O que ajuda é a mobilização geral, o canto que acelera o rendimento, a força lançada da arquibancada que incendeia os ânimos; ânimos que podem mudar resultados, alcançar a vitória julgada impossível. Entendo que a verdadeira torcida – aquela que promove a mudança – é a que funciona no momento de maior dificuldade e que se mantém viva durante toda a partida, vibrando na saúde, socorrendo na doença; levanta quando o time está perdido e, com o seu alarido, transforma o fraco em forte, reacende o grupo para a virada; está com o time em cada segundo. E eu e você vamos atrás dos tambores, sem desesperos, durante os noventa minutos.
Não é preciso forçar a memória para dar exemplo. 15 de dezembro de 2021. Mesmo com a derrota, a final da Copa do Brasil na Baixada serve de marco ao Furacão: uma noite da inabalável vibração atleticana, do amor incondicional que não dependeu do resultado. Se o jogo em campo encerrava o sonho, nas arquibancadas ficou evidente uma chama que nunca deixou de arder – a da paixão pelo clube. Você, torcedor, mudou a história daquela final. Ganhou o melhor time, com mais grana (e até mais gana), mas o que fizemos fora das quatro linhas foi ímpar. O resultado em campo ficou em segundo plano. A torcida professou seu fanatismo ao cantar forte para abafar o grito de campeão dos visitantes, quando a noite dentro da Baixada ainda era sua. Se não para vencer, para reforçar sua unidade (afinal, Nunca foi sobre vencer).
No jogo definitivo, o Galo com as duas mãos na taça, qual poderia ser a prova mais profunda da grandeza do Clube Athletico Paranaense? Eu não tenho dúvida. Só a presença e apoio maciços da torcida rubro-negra podem confirmar nossa força, nossa obstinação em enfrentar tudo para nos tornarmos cada vez maiores. Você tem um dever a cumprir. O Furacão espera que você cumpra com o seu dever.
O Atlético rebatizado como Athletico acostumou-se com decisões e a vencer jogos mata-mata. Inclusive, na noite de sua transição nominal, o antigo nome ganhou um “h” e, de quebra, um título continental. Então, vamos, Furacão: finge que é mata-mata e vai lá e mata! Passar de fase na Libertadores é possibilidade real, mas Felipão e nossos jogadores precisam de nós. Vou desejar que você e nosso técnico escalem pela boca dos anjos e que os que entrarem joguem com alma, raça e coração de “time de bairro”.
Um clube de futebol é um ser vivo: não há atleticano sem o Athletico; da mesma maneira que não há Athletico sem o atleticano. Por isso, no início do texto, falei sobre “simbiose”. Existe enlace perfeito entre o time e seu torcedor. Façamos nossa parte e o resto é consequência também disso. Afinal, diferentemente do que se fala, o Athletico não depende só dele. O Athletico depende de nós.