O Athletico que lute
Quando as pessoas me perguntam “quem é o Murilo?” a primeira coisa que digo é que o Murilo (ou Doc) é atleticano. Além disso, sou médico e atuo na área da Psiquiatria. Aqui, neste espaço, o intuito é conversar – de torcedor para torcedor – sobre aquilo que nos é cura, mas também comorbidade, loucura e uma licença poética: o Club Athletico Paranaense.
Difícil imaginar que alguém deixe de amar seu “time de futebol do coração” – é inegável que esta nossa Comorbidade tem o poder de intensificar os ânimos. Mas, de fato, bate um desconforto dos grandes pelo contexto atual, porque existem coisas que são completamente desnecessárias (este é o ponto, aqui). Com a chegada de Cuca, o que muda do ponto de vista esportivo? Qual o valor que agrega ao clube tal aquisição? O que teria o treinador tanto a oferecer? A contratação fala sobre “orgulho próprio” ou é o Athletico – como instituição – que mais se beneficia desta situação?
Penso que se pudéssemos aceitar a condição humana como ela é, que a dicotomia não nos fortalece e que integrar as partes – o bem e o mal; o bom e o mau; o vermelho e o verde; o preto e o branco – é essencial, de modo a compreender que dentro de cada um de nós existem impulsos construtivos e benéficos, mas também destrutivos e maléficos, conseguiríamos lidar melhor com os problemas. Que ninguém é só qualidade ou só defeito (com raríssimas exceções – aí entramos num campo psicopatológico complexo que não é meu foco com este texto, ainda que seja meu objeto de estudo e trabalho no dia a dia). Todos temos aquilo que nos favorece e aquilo que nem tanto. Não é filosofia. É vida.
Vocês conseguem imaginar o quanto disso tudo que está acontecendo afeta, diretamente, as filhas do Cuca? A família do Cuca? O próprio Cuca? Não há absolvição ou justiça no mundo que vá reparar o que foi feito até aqui para estas pessoas. Nem, é claro, para a(s) vítima(s) envolvidas. Infelizmente, os caminhos lá atrás foram traçados e o que acontece agora são consequências. Cuca deve ser aterrorizado por isso diariamente, assim como os seus próximos. Porque tudo na vida tem uma consequência. E o Athletico que lute, agora, para suportar este peso e esta responsabilidade que – por escolha – assumiu.
Chama a atenção esta espécie de sadismo difícil de compreender que vem de quem está no comando. Inclusive – reitero aqui – muito deste jeito de ser e agir nos trouxe inúmeras possibilidades (boas) e colocou o Athletico num patamar de destaque hoje. Mas, de verdade, é uma pena o que está acontecendo. Ambição? Entusiasmo? Rebeldia? Inovação? Abnegação. Amargura. Teimosia. Alienação. Existe uma séria incompatibilidade entre o discurso e a prática. Qual a necessidade disso, Athletico?
Torcedor: talvez fosse mais “fácil” sair de cena, deixar de ser sócio, espernear nas redes sociais e não mais apoiar o Athletico – o nosso quase-centenário-Athletico. Mas vejo que seriam formas de “revolta” que teriam repercussão objetiva somente para aquele que assim age. Isso tem pouca ou nenhuma influência externa – não atinge quem precisa ou quem se deseja. É algo que fala muito mais do “eu” (como sujeito) do que, de fato, da situação em si.
Continuar fazendo o que sempre fizemos e defendendo o que achamos certo é uma maneira de dizer: estamos aqui, de olho, firmes e fortes. É momento de fortalecer o que é bom. Não de desunir. O que “eles” querem é justamente isso. Mil, cinco mil, dez mil sócios a mais ou a menos para o clube… Tenho a impressão de que, às vezes, ninguém “lá” parece realmente se importar com isso. Quanto menos, melhor…
A resistência não se faz através do movimento de passividade. Não existe mais espaço para acomodação ao silêncio. Se o que aconteceu há quase quatro décadas passou silenciado naquele momento, é quase um dever de testemunho, no tempo presente, contar de outro jeito. Embora o direito possa dizer que prescreveu o crime, tem coisas que não prescrevem no campo da ética e daquilo que é vivido. Se hoje temos a condição de olhar para trás e ressignificar conceitos e acontecimentos, foi porque naquela época não tínhamos estas ferramentas e justamente, por isso, as barbáries acabam acontecendo. Há quem diga que a única coisa que é passível de mudança é o passado – não dos fatos, em si, mas a compreensão deles.
Quem trabalha e vive no futebol, seja jogador ou outro profissional, acaba tendo muita exposição e visibilidade. Isso traz benefícios, mas também responsabilidades. O que quer que realizem, vira modelo de comportamento. Se fizerem algo que seja prejudicial a outras pessoas, não é bom exemplo. Mas, se fizerem algo positivo, ajuda a eliminar preconceitos.
Sabe aqueles filmes em que a dublagem não coincide com a fala das personagens? É como se fosse uma “sintonia diferente”. Um descompasso com a realidade. Este é um fenômeno psicopatológico ao qual, na área da psicologia/psiquiatria, damos o nome de dissociação. O Athletico não anda bem das ideias…
Reforço: a torcida pelo (dissociado) Athletico jamais mudará. Mas a realidade é imperativa. Às vezes, não enxergamos as coisas que estão na nossa frente. Às vezes, para alguns, a realidade é um mero detalhe. O Athletico que lute.