19 jun 2024 - 6h22

Clube da Raça: a popularização do futebol em Curitiba e o surgimento da rivalidade

O futebol encontrou em Curitiba um local propício para se tornar uma paixão do povo. No início do século XX, a cidade estava em franco crescimento. A urbanização promoveu uma série de melhorias nas redes de água e esgoto e calçamento de vias.

Foi neste contexto que, em 1903, um fato marcou a vida dos paranaenses: a chegada da primeira bola de futebol, acompanhada por um precioso livro de instruções, nas mãos do ilustre Dr. Victor Ferreira do Amaral, médico renomado e político.

Este evento, mais do que um simples marco histórico, sinalizou o surgimento de uma cultura esportiva que, com o passar dos anos, viria a florescer em toda a região do Paraná, a exemplo do fenômeno que se passou também em outras partes do Brasil.

Os primeiros campos

Ao longo das décadas seguintes, mais bolas de futebol desembarcaram no estado, alimentando a paixão pelo esporte bretão não apenas nas escolas, mas também nos corações e mentes daqueles que se reuniam em locais icônicos da cidade para praticá-lo.

Praça Osório, Praça Carlos Gomes, arredores do Colégio Estadual e ao longo da rua Marechal Floriano Peixoto, nas proximidades do atual Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz, tornaram-se palcos históricos, testemunhando a gestação de uma comunidade unida pela paixão pelo futebol.

Os primeiros times

Foi nesse contexto que, a partir de 1909, começaram a surgir os primeiros times de futebol no Paraná. Em 1915, os campeonatos e torneios começaram a ser organizados de forma mais estruturada, marcando o amadurecimento do esporte na região.

Não há relatos de rivalidades intensas nesse período inicial. Mesmo o domínio esportivo do Britânia, que conquistou títulos de forma consecutiva entre 1918 e 1923, não gerou forte oposição das demais agremiações.

Uma possível explicação para a convivência pacífica é o menor número de torcedores. Outro fator é o clima de fraternidade entre os adeptos do novo esporte.

As maiores torcidas

No ano de 1921, um curioso concurso foi realizado para determinar qual time conquistava o coração dos curitibanos.

Os cidadãos foram convidados a votar em seu time preferido – e só valia um voto por pessoa. Os resultados, revelados após a contagem dos votos depositados em uma urna estrategicamente colocada nas portas do cine teatro Mignon e Palácio, mostraram a hegemonia da capital:

  1. América: 14.107 votos
  2. Internacional: 13.503 votos
  3. Coritiba: 7.971 votos
  4. Britânia: 5.324 votos
  5. Palestra Itália: 2.967 votos
  6. Esperança: 1.673 votos
  7. Savóia Agua Verde: 990 votos

A fundação do Club Athletico Paranaense

Quase três anos após essa consulta popular, em 1924, surgiu um novo protagonista no cenário futebolístico paranaense: o “Club Athletico Paranaense”, uma fusão dos clubes-irmãos Internacional e América.

A nova agremiação apresentou-se com uma identidade visual marcante: camisas listradas horizontalmente em preto (Internacional) e vermelho (América), calções brancos e meias pretas com detalhes em vermelho, adornados por um distintivo ostentado orgulhosamente no peito, em letras góticas.

O novo clube rapidamente capturou a atenção do público. Já em seu primeiro ano de existência, conquistou o título paranaense de 1925, demonstrando sua promessa como força emergente no panorama esportivo regional.

O Atletiba de três árbitros: nasce uma rivalidade?

O ano de 1926 trouxe consigo um episódio que evidenciou as tensões latentes no cenário futebolístico curitibano. Em um confronto entre Athletico e Coritiba, durante o segundo turno do campeonato, as emoções transbordaram de tal forma que o jogo se transformou em uma verdadeira saga.

Atletiba disputado no Parque Graciosa

Segundo relatos do jornal O Dia, o Coritiba foi beneficiado no jogo do primeiro turno. O árbitro Maximino Zanon assinalou gol num lance em que a bola não cruzou a linha da meta. Isso gerou grande revolta de jogadores e torcedores.

O confronto seguinte entre os clubes foi uma verdadeira “tourada sem toureiros”, para usar a expressão adotada pelo O Dia. Maximino Zanon foi novamente escalado para apitar, o que gerou uma violenta revolta do público. Ofendido com os xingamentos, ele se retirou do campo.

Orlando Levoratto assumiu o apito, mas não melhorou o cenário. Suas decisões contestáveis, inclusive autorizando um gol impedido do Coritiba, inflamaram ainda mais os ânimos. Ele também abandonou o ofício.

Finalmente, um terceiro árbitro, Moacir Gonçalves, assumiu a difícil tarefa de conduzir a partida até o seu desfecho, que terminou em um empate por 2 a 2. Uma partida, três árbitros, e um turbilhão de emoções que ecoaram por muito tempo nos anais do futebol local.

Ecos da rivalidade

No mesmo ano, a dupla Athletico e Coritiba uniu forças para enfrentar a Seleção Paulista em um confronto que, lamentavelmente, resultou em uma sonora derrota por 9 a 2. As acusações de incompetência voaram de ambos os lados, deixando um amargo sabor de frustração no ar.

A falta de fair play

Entretanto, foi em 1929 que a rivalidade entre Athletico e Coritiba alcançou seu ápice, com um episódio que ficaria gravado na memória dos aficionados pelo esporte.

Durante uma partida acirrada no Parque da Graciosa, a falta de fair play de Staco, do Coritiba, levou à indignação da equipe rubro-negra. Fingindo não ouvir a marcação de uma falta no goleiro Alberto, ele seguiu na jogada e fez o gol.

As reclamações dos atleticanos levaram a uma resposta dramática do Coritiba, que abandonou o campo de jogo.

Surge o Clube da Raça

No entanto, foi somente em 1933 que a rivalidade entre os dois clubes se tornou definitiva. Em um confronto marcado por uma epidemia que assolava os jogadores do Athletico, a diretoria rubro-negra solicitou o adiamento da partida.

Contudo, os dirigentes do Coritiba foram inflexíveis e recusaram o pedido, confiantes em uma vitória fácil.

O que não esperavam era o desdobramento surpreendente: os atleticanos, munidos apenas de sua determinação e garra, superaram as adversidades físicas e venceram por 2 a 1, com gols de Rosa e Marreco. Esse jogo entrou para a história como o Atletiba da Gripe.

O desempenho heroico do Athletico ecoou pela imprensa, que passou a chamá-lo de “Clube da Raça”. Assim, instalou-se uma rivalidade contra o Coritiba e o grito de “RAÇA” ressoou nos estádios brasileiros, inspirando equipes e torcedores até os dias atuais.

A ilustração da capa

Não localizamos imagens desse célebre Atletiba da Gripe. Com base na descrição do jogo e em outros documentos históricos da época, a artista Raíssa Silvero concebeu a ilustração da capa dessa matéria, mostrando a luta dos jogadores atleticanos e a decepção dos atletas do Coritiba com a derrota.

 

Pesquisa: Jefferson Gabarado. Redação: Jefferson Gabardo e Marçal Justen Neto



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