A polêmica da “torcida humana” – Parte 2
A repercussão com a torcida atleticana com a primeira parte das matérias sobre a “torcida humana” foi a esperada. Além de uma maioria esmagadora, até o momento, se manifestando contrária à medida (vote na enquete na página inicial), há também a curiosidade em se mostrar o que mais está em torno desse projeto:
Uma sugestão, seguindo esse viés de apresentar a ideia de MCP, seria interessante mostrar a justificativa dos outros entes envolvidos, como da PM que tem como “mote” a redução de contigente.
— Daiane Lodista (@luzzdaiane) July 9, 2019
A Furacao.com, assim, continua a matéria iniciada na semana passada, trazendo mais alguns pontos sobre o polêmico projeto encabeçado pelo clube.
O “projeto-piloto” do MPPR
O projeto “torcida humana” não é um plano exclusivo do Athletico, apesar da idealização e apoio irrestritos por parte da atual diretoria. Em verdade, o que se tem é um projeto-piloto realizado pelo Ministério Público do Paraná, com o apoio da Polícia Militar e da Delegacia Móvel de Atendimento a Futebol e Eventos (DEMAFE).
Segundo o MPPR, a “medida busca reduzir as ocorrências de atos de violência entre torcidas rivais, dentro e fora dos estádios e, consequentemente, a quantidade de efetivo policial necessário nos dias de jogos”:
Atualmente, com a presença de torcedores de ambos os times nos estádios, é grande a necessidade de deslocamento de parcela considerável da força policial. Isso porque além da segurança no estádio e seu entorno, todo o percurso feito pelas torcidas organizadas até os locais dos jogos é acompanhado por escolta de policiais militares que precisam ser remanejados de seus postos de trabalho em outros pontos da cidade e até da região metropolitana.
Na mencionada matéria, constou ainda que, o projeto vinha sendo discutido com “os Clubes e suas torcidas”, mas se limitaria, “inicialmente”, aos jogos realizados na Arena da Baixada.
Segundo o Promotor de Justiça Maximiliano Ribeiro Deliberador, esse projeto-piloto permitiria “avaliar os reais impactos para a sociedade, especialmente quanto à segurança pública”, números esses que, de fato, foram posteriormente divulgados pelo próprio MPPR, oito meses depois.
O primeiro balanço das autoridades
Em 31 de janeiro de 2019, o MPPR divulgou o que acreditou ser o “alcance de objetivos pretendidos com projeto-piloto de realização de partidas de futebol sem separação de torcidas”.
Tal levantamento “contabilizou os números relacionados aos jogos ocorridos entre maio/dezembro de 2017 e maio/dezembro de 2018”, e teria apontado para as autoridades uma “redução nas ocorrências de atos de violência entre torcedores aliada a uma diminuição no efetivo policial necessário para os eventos”. Veja-se os números divulgados:
- Redução de 14% da força policial deslocada para a segurança nos dias de partidas (de 170 policiais militares para 151 nos jogos do projeto-piloto);
- Diminuição nas ocorrências de conflitos entre torcedores (de 28 registros para 20);
- Redução nos registros de atos de violência entre torcedores nos terminais e tubos de ônibus da cidade (“132 nos dias de jogos com duas torcidas e 109 nas partidas do projeto-piloto, o que representou uma redução de 17%”).
O MPPR divulgou, ainda, nesse mesmo balanço, a conclusão da Polícia Militar:
No relatório, o 13º Batalhão da PM, que cuida da área onde se encontra o Estádio Joaquim Américo Guimarães, destaca como positiva a implementação da iniciativa, à medida que permitiu à corporação “aplicar o efetivo de forma mais eficiente tanto no evento quanto em outros ambientes públicos, ampliando assim os serviços prestados pela Polícia Militar, bem como dando maior sensação de segurança à população local”.
Resultados positivos ou consequência natural?
Os números de redução em atos de violência vandalismo são inquestionáveis, não havendo motivos para suspeitar dos dados apresentados. Porém, é possível questionar até que ponto essa redução se deu efetivamente por conta do projeto, e não uma consequência natural do afastamento do público da Arena da Baixada.
O balanço do MPPR acima mencionado analisou “23 jogos com a presença de duas torcidas (ano de 2017), com um público total de 347.790 pessoas (média de 15.121 por partida) e 22 jogos no formato proposto pelo projeto-piloto (2018), que reuniram um total de 321.032 torcedores (média de 13.958)”.
Há, pois, uma evidente redução de média de público no período de jogos analisados – de pouco mais de 7% – não muito menor do que as reduções de ocorrências delitivas constatadas.
Talvez um novo balanço seja necessário para maiores conclusões, mas os “objetivos alcançados” parecem proporcionais ao afastamento dos torcedores da própria praça esportiva alvo do “projeto-piloto”, fenômeno que vem aumentando ano a ano, conforme exposto na parte 1 da matéria. Nessa lógica, com o perdão do argumento ao absurdo, jogos de portões fechados resultariam numa redução enorme (ou até mesmo na extinção) de ocorrências.
Se por um lado um dos objetivos do projeto em debate, segundo o MPPR, seria “trazer de volta às partidas aqueles que se afastaram por se sentirem inseguros”, por outro, o que se constata é uma redução constante da média de público nos jogos do Athletico, sendo difícil afirmar que há uma “recuperação” de torcedores, mas sim um inegável afastamento, demonstrado nos números.
Outro ponto das autoridades públicas em defender os jogos de torcida única parece questionável nos ditos “jogos grandes”.
O empate em 1×1 entre Athletico e Flamengo pela partida de ida das quartas de final da Copa do Brasil teve, na arquibancada, uma verdadeira divisão, que passa longe do “projeto humano” idealizado pela diretoria atleticana, com o apoio das autoridades. Confira o destaque do torcedor Fernando Azevedo, no Twitter:
Torcida Humana é a maior falácia da gestão do @PetragliaMario , está nos privando o direito de ir ver nosso @AthleticoPR no Maracanã, não está nem aí para os torcedores, só quem vai no fretado vai ter direito. Numa clara discriminação com o restante, #foratorcidahumana pic.twitter.com/Td3VsNbbrS
— Fernando Azevedo (@FernandoCapTof) July 11, 2019
Se um dos objetivos do projeto de torcida única, segundo o MPPR (vide balanço acima mencionado) é “otimizar e/ou reduzir o efetivo policial necessário nos dias de jogos”, parece que tal fim não foi atingido nesse jogo em específico, e nunca o será em jogos grandes.
A redução de efetivo policial em jogos específicos (com times menores, por exemplo), portanto, pode significar “otimização”? É preciso acabar com a atmosfera única de jogos de futebol com torcidas adversárias (sejam elas marcando pouca ou muita presença, diga-se) para atingir esse objetivo?
Algumas das muitas críticas ao projeto
Recentemente, o mandatário do Athletico, Mário Celso Petraglia, tuitou uma matéria da Gazeta do Povo sobre uma briga entre torcedores do clube:
Brigam entre eles, o problema não está dentro do estádio! Imaginem se fosse entre torcidas adversárias! Terminal de Curitiba vira palco de briga entre 200 torcedores do Athletico https://t.co/rIrOYfUIMv
— Mário Celso Petraglia (@PetragliaMario) July 15, 2019
A matéria, porém, é um dos muitos ponto que mitigam as argumentos favoráveis à torcida única em estádio. Afinal, trata-se de uma ocorrência registrada a mais de 10 km de distância da Arena da Baixada, ilustrando uma crítica comum ao projeto: a violência não diminui, apenas muda de lugar.
Como se não bastasse, existe projeto semelhante ao da “torcida humana”, adotado em 2016 nos clássicos realizados na cidade de São Paulo e que, com três anos de adoção, não passou imune de diversas críticas.
Uma delas é, há muito, endossada pelo renomado jornalista esportivo, Mauro Cezar Pereira, valendo a leitura de seu posicionamento, exposto para autoridades públicas paulistanas.
Nessas críticas, parece unânime: a torcida única (ou “humana”, como queiram), é a declaração de falência dos órgãos de segurança pública para com a realização de jogos de futebol.
Torcida ausente em casa, mas presente fora
Uma breve análise dos números da torcida atleticana fora de casa permite iniciar a seguinte discussão: além das críticas comuns ao projeto “torcida humana’, há no geral um afastamento do torcedor da sua própria casa, mas não necessariamente do Clube. Afinal, segundo levantamento do GE, o Athletico apresenta números curiosos no que se refere ao público como mandante e como visitante: em jogos fora, o rubro-negro apresenta taxa de ocupação muito superior à média nacional:
Com uma média de ocupação de 42% dos estádios quando é visitante, enquanto a ocupação de todos os jogos dos clubes das Séries A, B e C do futebol nacional é de 29%.
No mesmo levantamento, consta que a média de público como visitante é de 13.844 mil torcedores, enquanto a média de torcedores pagantes em casa é de 13.985mil (o CAP fica apenas em 15º no ranking de média de público elaborado entre clubes das séries A, B e C do Brasileirão).
Com capacidade para 43mil lugares, a Arena da Baixada apresenta uma taxa de ocupação de apenas 32%. Mesmo em seu jogo de maior público em 2019, contra o Boca Juniors (que contou com um público de 32.133mil pagantes), a taxa de ocupação foi de 74%, sendo pequeno se comparado ao tamanho e importância da partida.
Parece plenamente possível, assim, cobrar do clube a adoção de medidas que atraia sua própria torcida para os jogos como mandante, pois essa mesma torcida, inegavelmente, vem acompanhando o time até mesmo longe de casa.
Até porque o Athletico tem, hoje, a maior torcida de Curitiba, vantagem essa que, em relação aos rivais locais, vem aumentando ao longo dos anos. Natural que se cobre um maior aproveitamento do estádio de um clube que tem tamanha demanda.
Prejuízo
Por fim, segundo o relatório financeiro de 2018 divulgado pelo clube, “as receitas com bilheteria e camarotes em jogos totalizaram R$ 8,7 milhões em 2018”, numero consideravelmente menos do que no ano anterior. Essa diminuição de receita foi assim justificada pelo clube:
A redução na receita com bilheterias está vinculada ao menor público médio pagante realizado em 2018, de 11.588 pessoas (-22,1%), impactado pela ausência do clube na edição da Copa Libertadores da América do ano, que usualmente apresenta as maiores arrecadações.”
Causa espanto essa justificação. Afinal, em seus 95 anos de existência, o Athletico tem apenas 6 participações na Copa Libertadores. Culpar uma redução de 22,2% a menos com bilheteria pela não participação na principal competição continental não parece coerente, eis que La Copa ainda é uma exceção na nossa história.
Mesmo que a intenção do clube seja mudar de patamar, e mesmo sendo óbvio que essa mudança, com participações mais frequentes na Libertadores, tende a atrair mais público para a Arena, não parece que depender da competição seja o caminho, pois nunca o foi ao longo da história do clube.
Usar como muleta o argumento de “ser cultural” o distanciamento do torcedor brasileiro dos estádios, com exceção de grandes jogos e de boas fases dos times, parece ser uma escapatória que não condiz com a postura do atual Atletico, que não raras vezes inova e se coloca na contramão das demais gestões do futebol nacional.
Nunca é demais relembrar que o próprio Petraglia sempre salienta que o CAP é, no país, um clube inovador e de vanguarda:
“Somos um pouco mais quebradores de paradigmas. O futebol é muito conservador porque envolve paixão mas temos tido algumas oportunidades de realizar inovações e essas coisas têm acontecido satisfatoriamente bem conosco”.
Com a boa fase atleticana dentro das quatro linhas, não há momento mais oportuno para quebrar verdadeiros paradigmas, trazendo a torcida rubro-negra, novamente, para seu próprio estádio, como poucos clubes no Brasil conseguem fazer.
É momento de cobrar a direção, conselheiros e mandatários, para que o CAP seja, uma vez mais, inovador, recuperando uma essência atleticana reconhecida no Brasil e na América do Sul: a força de sua torcida.