25 out 2022 - 14h36

Ode ao atleticanismo familiar

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“Eu levei mais de 30 anos para ver o Athletico campeão brasileiro.” Eu tinha oito anos quando ouvi isso do meu pai, como quem tenta expressar vários sentimentos em poucas palavras. O início do século foi, por coincidência, também meu início no futebol. As primeiras memórias de um garoto que sempre vestiu a camisa rubro-negra, mas ainda não tinha a dimensão daquilo tudo. Aquele título de 2001 era tudo para o meu pai e até hoje ele lembra com os olhos marejados do “melhor Natal” que ele já teve na vida, geralmente seguido de protestos da minha madrasta, uma vez que eles começaram a namorar na mesma data, uns anos mais tarde.

Minha lembrança forte é apenas do último jogo da final, que assisti em um churrasco com a minha mãe. Ter pais divorciados faz a gente ter memórias diferentes e às vezes desconexas no tempo, mas eu nunca tive motivos para reclamar. O rebote, o oportunismo, o salto e a festa. O primeiro gol que eu lembro de ter assistido, a felicidade que a mente infantil ainda não conseguia explicar.

Alex Mineiro marcou o gol do título no Anacleto Campanella [foto: arquivo]
Alex Mineiro foi meu primeiro ídolo rubro-negro, mas não o primeiro do esporte bretão. Nos fins de semana que passava com meu pai, em um apartamento escuro no Boa Vista, passávamos várias horas acompanhando os programas esportivos na televisão e, como o Athletico raramente era citado, acabava me encantando com jogadores de outros clubes. Dentre tantos, Ronaldo era meu favorito.

Não é loucura dizer que fui privilegiado. Se em 2001 vi meu time campeão brasileiro, no ano seguinte vi Ronaldo e companhia trazerem um penta desacreditado, de lá do outro lado do mundo, com Kleberson sendo decisivo na equipe. “É o Athletico na Copa do Mundo”, como eu ouvi meu pai dizer tantas vezes.

Não sei dizer ao certo por que não lembro tanto de 2004 como uma decepção. Lembro claramente de Jadson e a avalanche de gols de Washington. Lembro de meu pai falando que ganhar um campeonato de pontos corridos “é diferente, precisa ser mais constante” e que “é realmente mais difícil”. Hoje olho para trás e sinto por aquele tempo, mas da mesma forma que o Brasileiro de 83, por exemplo. Outro ponto em que é impossível não lembrar das palavras do meu pai: “Alguma coisa aconteceu naquele intervalo e o Athletico parou de jogar bola no segundo tempo”.

Washington recomeçou a carreira no Atlético

Alguma coisa aconteceu em 2005 também. Muita coisa, aliás. Dentro e fora de campo. Se dentro o Athletico parecia inconstantemente incrível, fora de campo algumas situações médicas deixavam o clima da minha família um pouco mais pesado que o habitual. Mas doença nenhuma foi suficiente para fazer meu pai e o pai dele assistirem à final juntos no Beira-Rio. Nem o resultado daquela final foi suficiente para apagar o amor pelo Athletico.

Do corredor da casa da minha vó, no segundo jogo daquela final, eu tive minha primeira decepção futebolística. Tudo parecia desmoronar ao meu redor quando a bola foi colocada na marca da cal e o acalento da esperança tocou minha mão. Mas assim como chegou, ela saiu também de forma abrupta, quando a bola acertou a trave. Ali, sentado no chão do corredor, eu chorei. As alegrias marcam as pessoas, mas as tristezas criam raízes ainda mais profundas.

Desde então, a obsessão. Tamanha que uma simples vaga na Copa Libertadores acendia a chama da esperança novamente. A partida épica contra o Sporting Crystal na Vila Capanema, a Batalha de Apoquindo contra a Universidad Católica no Chile, a goleada sobre o Boca na Arena da Baixada. Foram grandes momentos, mas nunca estivemos tão perto novamente. Nem tão preparados.

Marco Ruben. Foto: FURACAO.COM/Joka Madruga

Engana-se o torcedor que se deixa levar pelos jogos do Brasileirão. Há poucos dias da maior partida da história quase centenária do clube, seria apenas natural perder o foco diante de problemas menores. Adversários que já foram vencidos pelo Furacão em partidas mais relevantes e que buscam o sabor da revanche em situações menores.

Quis o destino que um dos grandes responsáveis pelo penta viesse para o Furacão ter papel fundamental na campanha que nos coloca novamente elegíveis para a Glória Eterna. Me faltam palavras para expressar o que aquele garoto do início do século está sentindo hoje. Daquelas coincidências que mais parecem obra do destino.

Não há nada que eu possa fazer para influenciar diretamente o resultado do jogo do próximo sábado (29). Mas, indiretamente, tenho feito tudo que posso. De todas as crendices que só os apaixonados por futebol podem se propor a fazer, eu já embarquei em algumas. A camisa da final, por exemplo, já está escolhida desde o ano retrasado. A rubro-negra de 2019, que ganhei do meu pai, de presente de aniversário atrasado, após alguns desentendimentos menores que o Athletico. Ali eu decidi usar ela apenas em jogos importantes. Foi a escolhida para ser a segunda pele no dia do meu casamento. Foi a escolhida na partida contra o Estudiantes, nas quartas de final, na semi contra o Palmeiras e está guardada desde então aguardando o jogo de Guayaquil.

Presentes na Arena da Baixada, estaremos eu e meu pai, mas não meu avô. Junto conosco minha prima, que talvez ainda não tenha a dimensão de tudo que vive pelo Athletico, mas que com treze anos já viu muito mais do que eu havia visto na sua idade. Eu poderia ter dito a ela várias coisas nas oportunidades que tivemos nos anos recentes. Mas, do alto dos meus 29 anos de idade, só há uma coisa que eu pretendo dizer: “Eu levei quase 30 anos para ver o Athletico campeão da Libertadores”.



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