1 out 2019 - 10h20

Redenção às margens do Guaíba

Em 14 anos, muita coisa pode mudar. Para o Athletico, não foi diferente.

Essa mudança, tão clara para todos, teve como cenário um palco localizado a mais de 700 km de Curitiba: o Estádio José Pinheiro Borda, o (Gigante da) Beira-Rio, localizado às margens do lago Guaíba, na capital do Rio Grande do Sul.

O Rubro-Negro paranaense vem promovendo uma profunda mudança de sua história desde os anos 90, tendo como símbolo dessa nova postura a conquista de seu maior título em toda a história: o Campeonato Brasileiro de 2001.

A Libertadores de 2005

Poucos anos depois, o Athletico teve a chance de se consolidar como um dos grandes do país. O ano era 2005, e o Furacão paranaense, após campanha histórica no Brasileiro de 2004 (que terminou com o vice-campeonato nacional), disputava a terceira Libertadores de sua história.

Após boa campanha, o Furacão chegou à grande final, a primeira da história da competição disputada por dois clubes brasileiros. O adversário seria o São Paulo, já campeão da competição, que chegava como favorito.

Havia, porém, em favor do emergente clube paranaense, um histórico considerável em seus domínios. Lá, o clube paulista jamais havia vencido o Athletico. Antes disso, o tricolor paulista só havia vencido esse embate em terras paranaense numa partida realizada no Couto Pereira, em 1982.

Esse tabu se acentuou com a construção da nova Arena da Baixada, em 1999 (que ostentou um placar de 13 vitórias rubro-negras e 5 empates desde então, nos jogos entre as equipes, até a quebra do tabu, que só aconteceu em 2018).

Fugiu do Caldeirão

Havia grande expectativa para a partida em Curitiba, com confiança dos atleticanos e receio dos paulistas. Porém, a famosa politicagem que sempre rodeou a Conmebol resolveu entrar em cena, e a Arena da Baixada, que receberia o primeiro jogo da final, foi vetada pela entidade, sob a justificativa de não possuir a capacidade mínima exigida no regulamento da competição (40 mil lugares).

A Arena da Baixada já era um dos estádios mais modernos da América Latina, apesar de estar “incompleto” pela inexistência, até então, do setor hoje denominado Brasílio Itiberê. Muitos jogos da Libertadores, e talvez até mesmo finais, já haviam sido disputadas em estádios que forneciam menor segurança e conforto aos espectadores, como bem alertou o sempre pontual Tostão.

O veto, portanto, além de encontrar respaldo em uma regra estapafúrdia, ocorreu mais por pressão política por parte de dirigentes são-paulinos do que por uma inexistente preocupação da Conmebol com o espetáculo e com os torcedores que o presenciariam.

Negativa do Coritiba

Sem força política, restou ao Athletico improvisar: inicialmente, consultou o rival Coritiba sobre o aluguel do Couto Pereira. Alegando que o estádio também não teria a capacidade exigida, o rival negou o empréstimo de seu estádio.

Vale dizer que, em 1999, o Athletico enfrentou o São Paulo pela Seletiva para a Libertadores realizada naquele ano justamente no Couto Pereira, e lá venceu por 4×2, motivo pelo qual, apesar do veto à Baixada, a possibilidade de ao menos poder realizar a final em Curitiba animava os torcedores.

Tubulares

Sem alternativas, mas já prevendo tais dificuldades, o rubro-negro já havia dado início à construção de arquibancadas tubulares que aumentariam a capacidade da Arena da baixada, visando possibilitar a realização da primeira partida da final em seus domínios.

Arquibancadas tubulares começam a ser instaladas na Arena

A Furacao.com noticiou com detalhes aquela obra (confira aqui esses detalhes e outras fotos das obras), que foi acompanhada com tamanha ansiedade e entusiasmo que contou, inclusive, com torcida própria – o clube chegou a abrir o estádio para que a torcida fizesse sua festa que, como de costume, aconteceu:

 

 

A torcida (e a Furacao.com), chegaram a ser destaque na mídia nacional, como o próprio site noticiou: “Torcida de obra eu nunca vi, que coisa!”, observou [João] Palomino, encantado com a força da nação rubro-negra.

Caldeirão ou Beira-Rio?

Diante do impasse, surge o Estádio Beira-Rio como alternativa para o primeiro jogo da final. Seria o palco com a capacidade exigida mais próximo de Curitiba e, ao mesmo tempo, mais distante dos domínios paulistas.

Havia, porém, grande preocupação com a segurança dos torcedores, eis que ambas as torcidas, ao realizarem caravanas, certamente cruzariam os mesmos caminhos, preocupando autoridades dos três Estados do Sul do país.

Enquanto isso, as obras das tubulares avançavam consideravelmente;  o clube conseguiu, inclusive, os laudos de segurança exigidos; mas não teve jeito. A Conmebol manteve a final em Porto Alegre, mesmo com suas amplamente conhecidas contradições, como a própria Furacao.com denunciou:

  • “A justificativa número um da Conmebol era de que estava cumprindo o regulamento da competição. Porém, o próprio regulamento da Libertadores exige um estádio com capacidade mínima de 40 mil pessoas, condição atingida pelo Atlético na Kyocera Arena com a instalação de arquibancadas móveis no terreno ao lado do estádio. Além disso, o próprio regulamento obriga que mudança no local da partida deve ser definida com no mínimo dez dias de antecedência e não os quatro, observados na transferência do jogo para o Beira-Rio.”

Vamos para o Beira-Rio!

O clube se esforçou em diminuir o prejuízo, botando ingressos à venda por R$ 5,00 e até bancando ônibus e ingressos para cerca de 400 torcedores que aguardaram na fila para a compra de ingressos mesmo antes da definição do palco da partida. Petraglia, à época presidente do Conselho Deliberativo, garantiu 100 ônibus para torcedores, às custas do clube.

A torcida, como sempre, também fez sua parte. Organizou excursões, alugou avião fretado, e apoiou a torcida no embarque para o Rio Grande do Sul.

Conseguiram tirar o jogo da Baixada

Do outro lado da final, os próprios jogadores do São Paulo não apenas comemoraram, como admitiram que o clube fez o que pode para tirar o jogo da Arena da Baixada.

A primeira final no Beira-Rio

Em 06 de julho de 2005, a decisão se iniciou. O desânimo da torcida com o veto à Baixada se misturou com empolgação pelo esforço conjunto de torcida e clube para apoiar jogadores e comissão técnica: agora, era campo e bola.

E então, à beira do Guaíba, que contou com um público de aproximadamente 30 mil pessoas, a partida resultou em empate de 1×1.

Aloísio marcou um gol contra o São Paulo no primeiro jogo da final da Libertadores [foto: arquivo]

Uma semana depois, na grande final, o São Paulo, podendo jogar em seus domínios, dominou a partida. Viu o Athletico ter um pênalti desperdiçado pelo meia Fabrício e goleou: 4×0 e o caneco.

A acachapante derrota foi, claro, um baque, e encerrou um período que vinha sendo vitorioso no clube após o título nacional. Os anos seguintes foram muito diferentes do que se esperava do emergente clube paranaense, que fez poucas campanhas de destaque.

A nova Arena da Baixada

Porém, inegável que aquela derrota, marcada pela retirada do Athletico de seus domínios, onde sempre foi temido e respeitado, deixou um legado: isso não mais se repetiria.

O investimento em estrutura, que já vinha acontecendo há alguns anos e culminou não apenas na moderna baixada mas, também, no elogiadíssimo CT do Caju, agora tinha também a missão de “completar” a Arena, aumentando sua capacidade, visando também evitar novas frustrações, como aquela de 2005.

Uma prova disso é que, curiosamente, uma etapa importante dessa missão aconteceu justamente nos dias que antecederam a final em Porto Alegre:

  • “Isso porque, enquanto levantava a arquibancada tubular, a diretoria do Atlético chegou a um acordo que vai permitir a realização da obra. Atlético e Marcelo Gava são proprietários, em partes iguais, da área onde está o colégio. Eles cobravam cerca de R$ 8 milhões do Expoente em aluguéis atrasados. No dia 1º de julho, o clube decidiu abrir mão de sua parte da dívida, em troca da desocupação do terreno, o que será feito em 31 de dezembro de 2006.
    E na terça-feira, o Atlético praticamente fechou a compra dos 50% que pertencem ao advogado. Ou seja, passará a ser dono integral do terreno. Com o acordo de 1º de julho, a dívida com o Atlético deixou de existir e o colégio passará a pagar um aluguel que considera justo enquanto mantiver a ocupação do terreno. Falta, agora, o Expoente se acertar com Marcelo Gava.”

A partir dali, a Arena da Baixada viu a construção do Setor Brasílio Itiberê, que consistiu num primeiro anel na reta oposta onde, antes, o famigerado “colégio” impedia a ampliação do Estádio.

Conclusão da reta da Brasilio Itiberê foi anunciada [foto: divulgação]

Após, Curitiba e Arena foram escolhidas como sede da Copa do Mundo de 2014, possibilitando novas obras (agora ainda maiores) para reformular por completo o estádio atleticano.

Sede da Copa do Mundo

Surge aqui mais uma curiosidade, novamente direto de 2005. Após a grande confusão que privou o Athletico de seu estádio na finalíssima da Libertadores, ato patrocinado pela Conmebol, o então presidente da entidade, Nicolás Leoz, diretamente responsável pelo ocorrido, visitou a (então Kyocera) Arena e cravou: ela será sede de uma Copa do Mundo.

Provavelmente a declaração foi uma tentativa de amenizar sua imagem perante os torcedores rubro-negros, que jamais se esqueceram do absurdo promovido pelo vaidoso dirigente, que teve seu nome marcado em escândalos de corrupção. Porém, sua previsão estava certa, e mudou o status do clube no futebol sul-americano.

O objetivo de transformar o Athletico, primeiro, a partir de sua estrutura, fazendo dela um diferencial em relação aos demais clubes, sempre foi um projeto no clube, mas a forçada mudança temporária para Porto Alegre numa das decisões mais importantes de toda a história do Furacão foi, inegavelmente, algo marcante que impulsionou toda a transformação do Joaquim Américo Guimarães num dos estádios mais espetaculares da América Latina.

Campeão sul-americano

Findas as obras, os resultados não demoraram a aparecer. Com o novo estádio e as finanças estabilizadas, não demorou para o clube voltar a disputar uma final continental e, em sua casa, levantar uma taça internacional. Em 2018, a Sul-Americana foi conquistada!

Thiago Heleno, campeão da Sul-Americana. Foto: FURACAO.COM/Joka Madruga

 

A ferida da Libertadores de 2005 começava a sarar. Não mais existia no torcedor o medo de se ver privado de seu templo sagrado nas batalhas mais difíceis, nem nas conquistas mais épicas.

A conquista de 2018 garantiu ao Athletico um fantástico calendário para 2019. Após a disputa da Libertadores, da Recopa Sul-Americana, e da Levain Cup/Conmebol Sul-Americana Final (essa última devidamente copada), e com a campanha no Brasileirão comprometida pela priorização das demais disputas, foi a Copa do Brasil que reservou as maiores alegrias rubro-negras no ano.

De volta ao Beira-Rio

Quis o destino, porém, que o Beira-Rio voltasse à cena, como palco do último jogo da final da competição, apenas a segunda disputada pelo clube em toda a história.

O roteiro de 2005, para a apaixonada torcida, se repetiu: caravanas, ônibus e até avião fretado. Os ingressos, disponíveis agora em menor quantidade, foram arduamente disputados. Dois mil e trezentos rubro-negros representaram a nação atleticana e empurraram o Athletico para a inédita conquista. Os demais, receberam calorosamente os campeões na terra das araucárias.

Torcida atleticana no Beira-Rio na final da Copa do Brasil 2019 [foto: AGÊNCIA F8/Vinicius do Prado]

O palco da conquista ser, justamente, o Gigante da Beira-Rio, não deixa de ser emblemático. Se em 2005 a disputa em Porto Alegre foi resultado de uma frustração causada por um duro golpe sofrido pelo Athletico, que teve seu tamanho (e de seu estádio) diminuído pela politicagem podre da Conmebol e seus asseclas, em 2019, o palco serviu de fundo para uma conquista que solidifica o crescimento do clube no Brasil e nas Américas.

A derrota de 2005, que freou esse crescimento, se iniciou no mesmo palco da conquista que, 14 anos depois, muda de vez o Athletico de patamar.

É campeão da Copa do Brasil [foto: AGÊNCIA F8/Vinicius do Prado]

Não se pode afirmar que a realização da final daquela Libertadores na Arena da Baixada mudaria quem, por fim, levantaria a taça. Certamente, porém, algumas coisas seriam diferentes. O que o tempo (“senhor da razão”) mostrou, porém, é que talvez não devesse mesmo ser diferente. Tudo aconteceu exatamente da maneira que deveria acontecer.

Toda essa história levou o Athletico, novamente, à beira do Guaíba que, onde antes tentaram apequenar o Furacão, agora assistiu o clube garantir um merecido lugar entre os grandes do país.



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