Entrevista com o vampiro
1995. O ano do chocolate da páscoa marcou a história de vida rubro-negra.
Dali em diante o Atlético foi outro.
Da beira da morte, do descrédito da segunda divisão e da falta de planejamento, começou a ser esculpido o clube que hoje é referência em sanidade de contas e estrutura, através do pioneirismo de Petráglia.
Foi assim, à beira da morte, que Petráglia assumiu o Atlético.
No filme Entrevista Com O Vampiro, uma adaptação do diretor Neil Jordan do livro de Anne Rice, um jovem repórter entrevista um vampiro que relata seus 200 anos de morto-vivo.
O fato principal do filme se dá ao drama de um jovem que cansado de viver decide morrer. Desistiu da vida e pressionado por suas desilusões pessoais e pela sua condição atual, decidiu encerrar seu ciclo. É ai que aparece Lestat, um vampiro poderoso que o ludibria com seus contos de poder e grandeza, e convence sem muita dificuldade o já combalido jovem a se tornar um dos seus, um imortal.
Só que tudo na vida tem um preço, e sua alma ficaria para sempre condicionada ao novo ser que ele se tornara, à mercê das vontades de Lestat.
Não havia mais volta, e assim o foi, até o final. Embora lutasse, nada poderia fazer. Acabou de certa forma, conformando-se.
Há algo em comum no ressurgimento do Atlético liderado por Petráglia com a sobrevida ganha pelo jovem que se tornou imortal.
O Atlético se tornou um outro ser de fato, muito poderoso, mas não precisaria ter sua alma cedida àqueles que o fizeram ser hoje maior que outrora, como o jovem do filme, ou pelo menos não deveria.
E esta alma foi sim cedida, ou está adormecida, por vários motivos.
Motivos?
A elitização, as furadas campanhas para pacotes de ingressos e títulos de sócios com seus preços fora do mercado brasileiro, a falta de trato com o futebol, os furados planejamentos pré temporada, as trocas de técnico, a insistência em alguns jogadores e a falta de bons nomes, os vidros que separam atleticanos de atleticanos, a falta de liberdade à festa das organizadas, a exagerada obrigatoriedade de posição imposta pela setorização, o insuficiente atendimento aos sócios, a falta de comunicação entre a diretoria e torcida.
O erro mais grave, que mais salta aos olhos e ninguém parece ver é a falta de tato perante a história do Atlético e a composição social de sua gente.
Ficou claro durante os últimos anos qual tipo de freqüentadores são bem vindos na Arena. Só que esqueceram que a era consumista pregada por eles, que beneficia consumidores e não torcedores, exige compensação e gera uma nova ordem.
Produto caro é sinônimo de produto bom, e é aí que a conta da diretoria não fecha.
Cobra-se paixão, participação, mas tratam o Atlético como um produto, simplesmente uma marca. Quem consome exige, e temos visto que esta exigência não tem combinado com paixão, com apoio incondicional.
Cobram paixão na hora de vender o produto Atlético, mas em contrapartida, embora tratem o conjunto simplesmente como produto, esquecem das mais básicas leis de mercado, que diz respeito a qualidade do produto em relação a seu preço.
Quem consome cobra, e tem o direito de fazê-lo.
É inegável a cessão que Petráglia ganhou do Atlético. A torcida dividida, parece ter medo de afrontá-lo exigindo melhor trato do futebol por ainda estar extasiada e grata por toda estrutura que ele deu ao clube e que jamais sonhamos ter.
Mas o Atlético, que já tem CT, estádio em fase de conclusão e contas em dia, merece, além de um time, recuperar sua alma.
É inegável que a alma da Arena é outra. Não há nem hipótese de comparação com a torcida de 1995 até 2001, ano que começou um pacotão de mudanças, como a proibição às organizadas, a setorização, a majoração gradual dos ingressos, a saída de várias pessoas importantes do comando atleticano.
A gente atleticana precisa conclamar-se e exigir de quem nos comanda a fazer o mesmo em prol de um Atlético unido, forte, onde todos devem olhar para o novo rumo já iniciado. E todos, incluem aqueles que há anos não vão a Arena. Não se pode ignorar a história do Atlético!
O Atlético pré 1995 tinha vários defeitos, sendo os financeiros e estruturais os principais. Na época seus títulos eram ocasionais de fato.
O Atlético de hoje é referência em estrutura e controle de finanças, mas à rigor, os títulos, tanto quanto os de outrora, ainda são ocasionais.
Alheio ao inegável patrimônio construído, qual é de fato a maior diferença entre estes dois Atléticos?
A alma.
Petráglia deu o Atlético outra alma e isto pode ter ocorrido não intencionalmente, mas está claro que é preciso recuperar a verdadeira alma que acompanhou o Atlético por toda sua vida, que foi forjada com suor e muita raça. Ou todos acham normal a torcida vaiar o time e aplaudir gols do adversário, como no jogo contra o Goiás? Quem o fez foram consumidores, não torcedores.
Se a alma estivesse viva, aquilo não aconteceria.
No filme, Lestat é tachado de vilão, pois o benefício da eternidade dado ao jovem è beira da morte o obrigou a ter outra alma.
Petráglia não é um vilão, muito menos um vampiro, e está longe de sê-lo. Mas seu poder e tudo que ele já nos fez não podem e não deve dar-lhe indulgência eterna aos erros que repetidamente temos visto no futebol. E o futebol é em todos os sentidos, dentro das quatro linhas e na arquibancada.
Lestat tinha motivos obscuros, maldosos. Petráglia certamente não os tem. Petráglia está a um passo de se tornar lenda, unanimidade, mas parece não querer isto para si.
Bastaria olhar pra frente como sempre fez, mas sem esquecer todos aqueles que sempre estiveram com o Atlético. O velho e o novo Atlético.
Deveriam ser um só!