3 set 2014 - 15h10

Saiba o que pensa Claudinei Oliveira

Em junho do ano passado, o Lancenet! publicou uma extensa entrevista com o técnico Claudinei Oliveira. Na ocasião, ele havia acabado de assumir o comando do Santos, mas ainda era um desconhecido dos torcedores.

Por isso, o Lance! ouviu o treinador para saber dele a sua trajetória no futebol, seu método de trabalho e suas preferências táticas. A Furacao.com reproduz abaixo uma parte da entrevista, cuja íntegra está disponível no site do Lancenet!:

Quais são suas referências como técnico?
O Gallo foi uma pessoa que me abriu portas aqui, acompanhei o trabalho dele no dia a dia. Referência mesmo não tenho. Tento de pegar uma coisa boa de um e de outro treinador com o qual eu trabalhei, aqueles que a gente viu no Santos… Dorival eu acompanhei, Adilson (Batista) ficou pouco tempo mas eu peguei um poquinho, vinha treinar contra o profissional e ouvia o Muricy… Então vai pegando, mas tem que ter o seu jeito de fazer. Não adianta pegar uma conduta só e falar assim vou ganhar tudo. Eu procuro trazer o jeito que trabalhei na base, respeitando a diferença que tem de projeção, divulgação e até de jogadores, pois são mais rodados, tem que ter mais tato. Como na base sempre respeitei os meninos, nunca comandei pelo terror, brigando e xingando. Sempre liderei pelo exemplo, de mostrar vontade de vencer, tenho que continuar desse jeito.

Tem algum técnico predileto, pelo menos?
Tenho vários treinadores. Chorei em 1982 quando a Seleção montou aquele time, com o Telê. É uma baita referência. E quando acabava o treino sempre pegava os caras para fazer uma coisinha a mais, coisa que é um exemplo para a gente, corrigir um cruzamento, uma finalização, são coisas que a gente precisa copiar. Para a minha geração é o grande exemplo, brilhou sem vencer, é um negócio surreal no futebol brasileiro. Todo mundo se lembra daquela seleção com brilho nos olhos.

Você se considera um treinador moderno?
Não vou me rotular como treinador moderno, senão dá a impressão de que estou chamando os outros de ultrapassados. Gosto de ver bons jogos, ver o Barcelona, Alemanha, Espanha, que são times que estão jogando acima dos outros. Não sou um cara que vê todos os jogos. Tem gente que tem o discurso de que vê jogo o tempo inteiro, eu não. Às vezes começo a ver um jogo, se não está bom, eu mudo. Eu gosto muito de esporte, vejo NBA… Às vezes vejo um filme, paro para ver desenho com meu filho. Tem gente que diz que vê até Copa Kaiser. Eu vejo o que acho que é bom. Tem jogo que você acha que vai ser bom e é uma porcaria, eu falo "Deixa eu ver se tem algo melhor". Gostaria de ter mais material, mais conhecimento.

Assiste aos jogos com o objetivo de se aprimorar?
Ver futebol pela TV é uma coisa restrita. "Ah, os caras estão pressionando a saída de bola". Mas será que a linha de zagueiros está próxima do meio, como a gente imagina? Vi um jogo da Roma (ITA) que ficou muito claro a defesa da Roma quase no meio de campo, com zagueiros rápidos. Então a bola longa eles conseguem recuperar. O Barcelona faz isso com o Masquerano, que fica como um falso zagueiro para apertar e pegar essa bola longa. Não tenho essa de falar que me inspiro no Barcelona, não sei como eles treinam, como trabalham, só sabemos o resultado final.

Mas fica em frente a TV fazendo anotações ou relaxado, tomando cerveja?
A maioria dos jogos não sou de anotar nada, só vejo e guardo as coisas. Mas em relação a nossos jogos, sim, assisti ao jogo do Criciúma contra o Fluminense. Vou ver o do Atlético-MG e vou parando, anoto tudo, bola parada, alguma coisa interessante… Outro dia fiquei até mais tarde no CT. Sou bem cuidadoso com essas coisas, próximo adversário, não deixo passar nenhum detalhe. São coisas que na base é mais difícil, porque você não tem muita informação. Você vai jogar e não tem informação do adversário.

Qual a importância de um técnico para o time?
Durante a semana, 80% é do treinador e 20% do jogador. Chegou no jogo é ao contrário, 20% e 80% ou 30% e 70%… Eles (jogadores) que fazem acontecer. Você pode ser feliz numa substituição, mas quem faz a diferença é o jogador que entra. O que vai dizer se a substituição foi boa é o rendimento do jogador que entra. Agora durante a semana tem que trabalhar, colocar situação de jogo para o atleta, insistir em alguns fundamentos…

Como costumam ser seus treinos?
Em uma semana cheia eu faço, pelo menos, dois treinos táticos e mais alguns treinos que eu tenho que levam para uma situação tática. Tem alguns treinamentos nos quais eu deixo meus dois zagueiros esperando com três jogadores para o contra-ataque. Solto meu time titular com a bola e, se o reserva trocar seis passes, solto uma bola no contra-ataque. Para que? Em seis trocas de passe você tem que recuperar logo a bola, não pode largar. O que eu quero? Que no jogo a gente se acostume a perder a bola e já recuperar no campo de ataque. E acaba sendo técnico também, porque faço um dois toques.

Qual é o seu esquema de jogo ideal?
Dois volantes, dois meias e dois atacantes abertos. Sempre ganhei com esse esquema. Só que é assim: tem que analisar cada time. Na Seleção, por exemplo, o Felipão está com um atacante de área e o Fred está fazendo gol todo jogo. Tem que adaptar seu esquema ao que tem no momento.

No Santos dá para fazer, não?
Aqui dá para fazer das duas formas, com o Willian (José) na área ou não. Mas foi até uma preocupação minha nesse começo, não mexer muito no time. Deixei o Cícero avançado como um meia. Se não funcionar, posso puxar o Cícero e fazer um losango no meio. Se não encaixar, posso abrir o Cícero do lado e fazer o 4-2-3-1. Então é um time que dá uma certa variação. Com três atacantes, é difícil ter variação, se não deu errado vai ter que fazer uma substituição no intervalo. Aconteceu no Santos e Palmeiras isso. O Santos estava com Neílton, Giva e André. Aí no intervalo estava perdendo meio, e o Muricy mudou. Só que nesse primeiro tempo poderia ter tomado um, dois gols, não daria tempo de arrumar.

O que acha do 4-2-3-1, o esquema da moda?
Eu gosto, mas não é o meu preferido. Acho que é um esquema que encaixa, mas sacrifica um pouquinho os jogadores da beirada, que têm que marcar até o final. Tem que ter jogador muito comprometido taticamente e fortes fisicamente para fazer esse vai e vem. Acho que o Tite conseguiu isso muito bem no Corinthians, os jogadores vão até o final e acompanham, e tem a variação, às vezes ele abre os dois meias e deixa os dois atacantes marcarem os volantes na saída de bola. É um esquema da moda, todo mundo tem usado muito, mas acho que se você encaixar bem esse esquema com dois atacantes abertos, você vai ter quatro contra três no meio de campo, e aí ganha o jogo nesse setor.

O time já vai ter a sua cara contra o Atlético-MG?
A gente vai ter um pouco mais de tempo pra trabalhar e acredito que possa acrescentar alguma coisa a mais. Até agora realmente ainda não deu para mudar muito. Não vou prometer uma reformulação drástica, mas acredito que terá mais a minha cara, sim, até pelo tempo que vou ter para trabalhar. A gente sabe que precisa do resultado, mas não vou jogar fechado. Vamos tentar sair para o jogo, nos expondo um pouquinho mais, mas acho que o caminho é esse.

Como é lidar com jogadores mais experientes no profissional do que você?
Não é difícil, porque na base eu tratava os meninos do mesmo jeito, a porta da minha sala está sempre aberta. Qualquer coisa, pode falar comigo, eu prefiro que fale comigo do que ficar falando "ah, estou insatisfeito", porque isso vai contaminando. Aqui no Santos só identifiquei lideranças positivas, como Edu (Dracena), Léo, Durval, o Marcos Assunção. Os meninos da base adoram o Assunção. Não tem por que temer essa liderança. Converso com todos abertamente, sou mais velho que todos, embora eles tenham jogado mais jogos importantes, passaram por situações mais importantes e tenham mais currículo como jogador do que eu tive. Só que como técnico tenho mais do que eles, porque eles não foram técnicos até hoje (risos). Vou me impor naturalmente.

Como era na base? A relação com pais e empresários é mais complicada que no profissional…
Com empresário não tenho, não converso sozinho com empresário de ninguém, nunca conversei. Se o cara fala "ah, preciso falar de tal jogador", eu falo para marcarmos lá na Vila, vamos conversar lá junto com o pessoal da direção da base. Com pai de atleta, também. Sempre que teve problema a gente senta lá e conversa para não vir aqui para o CT. Acho que você não tem que receber ninguém sozinho no futebol, sempre com duas ou três pessoas.

Você é desconfiado com essas coisas?
Não sou desconfiado, é a realidade de hoje. O cara fala com você agora, não sei depois o que ele vai falar ali do lado, então acho que não é desconfiança, é cuidado, cautela.. Sempre evitei isso de "ah, vamos almoçar com tal empresário", não vou. "Vai almoçar todo o departamento de base com tal empresário", ah, então é um evento, vai todo mundo, dai eu vou. Da minha parte eu não vou.

Dá para manter esse estilo no profissional?
Acho que sinceridade é uma coisa de cada um, uma das melhores qualidades que alguém pode ter. Lógico que estrategicamente, se você me perguntar que time vai jogar contra o Atlético-MG, eu não vou te dizer, mesmo se já tiver um time na cabeça.

Qual é seu ponto forte?
Todos nós somos rotulados de alguma forma. Tem treinador que é louco, um que xinga, o que faz esquema e que não está procupado só com o campo e ganha dinheiro de jogador, tem o bonzinho, o que é o paizão. Eu quero o rótulo de um cara íntegro. Integridade é o ponto fudamental para qualquer coisa na vida, além da competência, porque não adianta o cara ser íntegro e não ser competente, senão você pega um padre e coloca para dirigir o time.

E dá para continuar assim agora nos profissionais?
Não é difícil, não. O fácil é você ser correto. É que hoje em dia inverteram os valores, hoje parece que está mais fácil o cara fazer as coisas erradas, e quem faz a coisa certa é o errado. Mas eu jamais vou inverter esses valores na minha vida, isso você pode me cobrar mais para frente, até porque tenho meus filhos para ser exemplo, assim como meu pai foi meu exemplo e eu não vou mudar. Ou vou vencer assim ou não vou vencer.

Se acha melhor de tática, motivação, relacionamento…?
Motivação eu não sei, quem tem de responder são eles. Meu interpessoal é muito bom, vivo bem com as pessoas e isso é fundamental para você ter sucesso. Acho que minha vontade de trabalhar também. Não vou me colocar como um cara que assiste a 50 jogos por dia, que eu estaria mentindo, mas tenho vontade de vir para campo trabalhar, adoro estar no campo e tenho prazer de fazer isso para caramba. Desde o sub-15, nunca vim aqui com o pensamento "pô, que saco, vou ter que dar treino hoje". Eu venho com uma boa vontade e dou o melhor treino que eu posso dar. Acho que meu diferencial é esse.

O que costuma fazer quando não está trabalhando?
Sou muito caseiro, adoro ficar com minha esposa e meus filhos. Chego do trabalho, no fim de tarde, sento com minha esposa, ela faz um cafezinho, me conta como foi o dia dela, eu conto como foi meu dia… Brinco com meus filhos, jogo bola com o Rafael na sala, jogo videogame com o mais velho. Gosto de estar com eles, porque a gente fica pouco tempo com eles.

Você começou como jogador… Queria ser técnico?
Se falar que em 2003, quando comecei esse projeto, 10 anos depois ia ser técnico do Santos, mesmo nessa situação que não é definitiva, seria mentira. Mas quando eu jogava eu pensava. Muitos goleiros acabam virando treinadores. Porque vê o jogo de frente, tendo de prestar atenção no técnico para ver como posicionar a defesa… Sempre achei que teria capacidade para isso.

Como chegou ao sub-15 do Santos?
Fui convidado, na época era o Flavinho que estava lá, teve uma situação do Jean Chera, vocês que são da imprensa sabem como era, tive que apagar o incêndio… Aí propuseram trocar e eu aceitei. Graças a Deus tive sucesso.

Agora tem de apagar um novo incêndio…
Futebol é isso, você sempre está apagando incêndio. Na base, a gente trabalha com jogadores que têm uma perspectiva grande. Você não pode privilegiar, mas também não pode deixar de lado. Não encaro como uma fria, é uma oportunidade que estou tendo, por mais que sejam só esses três jogos, mas é uma oportunidade de mostrar meu trabalho para vocês (jornalistas), para a torcida, diretoria e os próprios jogadores. Vou aproveitar cada dia como se fosse o último.



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