Clube Atlético Paranaense: 80 anos de Paixão
Amigos, o amor não se explica, tampouco se compreende. Ele chega em nosso peito um certo dia para nunca mais sair. E esse imenso amor que sentimos pelo Clube Atlético Paranaense é mesmo inexplicável. Começou num certo dia, já nem conseguimos lembrar direito, e não acabará jamais. Foi assim que aconteceu comigo, há tanto tempo, e foi certamente o que aconteceu com cada um de vocês, caros leitores atleticanos. E essa história que se repete, de geração em geração, não vai acabar nunca, pois o Atlético Paranaense tem a vocação da eternidade e tem um magnetismo que escapa a qualquer tentativa de teorização.
E como o amor não tem explicação, resta a cada um de nós vivê-lo intensamente, a cada momento. E é esta vivência que nos rende tantas e tantas histórias que costumamos contar nas mesas dos bares, nas reuniões de família, nas conversas pelas esquinas, e em todo lugar onde estejam reunidos esses fanáticos atleticanos que somos nós.
Pois bem, o nosso amado Furacão está prestes a completar 80 anos de histórias e de triunfos. Imaginem, amigos, quantas histórias há para se contar, quantas vitórias para serem revividas, quantos personagens marcantes, quantos fatos pitorescos, quantas coisas a serem ditas sobre o nosso Atlético e sobre nós mesmos, atleticanos, protagonistas dessa grandiosa história feita de amor, de luta e de esperança.
Há no peito de todo atleticano um repertório vastíssimo de lembranças, de “causos”, de testemunhos valiosos e, mais do que isso, há em todo atleticano um grande personagem, há em todo atleticano uma grande figura que precisa ser contada, que precisa ser descoberta. E é isso que hoje eu quero lhes mostrar: a verdadeira alma do atleticano, o verdadeiro espírito desse guerreiro que faz da sua camisa um manto sagrado, do seu hino uma oração e de seu grito o combustível de todas as vitórias. Então, vamos lá.
Para começar, lembrei-me de uma senhora que conheci em 1997. Ela era tia de uma menina que eu namorava na ocasião. Essa senhora, que eu carinhosamente chamava de “tia Mira”, era uma católica fervorosa e tinha também uma paixão enorme pelo Atlético. Metade de suas conversas esbarravam no Atlético e outra metade passava pelos temas religiosos que tanto seduziam a “tia Mira”.
Em dia de Atletiba, a tia Mira seguia um ritual que ela inventara lá pelos idos de 1940 e que, segundo ela, dava muita sorte ao Furacão. Vejam só o ritual: ela se trancava num quarto escuro e isolado do resto da casa. Em sua companhia só ficava um terço, nada mais. Ela se deitava na cama e ficava de ouvidos ligados no foguetório que vinha da rua. Como a rua era tomada por atleticanos ela sabia que um foguetório forte significava gol do Atlético e poucos foguetes equivaleriam a gol do time verde. E não tinha erro.
Certa tarde transcorria um Atletiba no estádio verde e a tia nem quis saber de ouvir o rádio. Lá pelas tantas entrou em seu quarto escuro, levou o terço e aguçou os ouvidos para os sons que vinham da rua. Pouco tempo depois, ouviu-se um intenso foguetório: era gol do Atlético. Passaram-se mais alguns minutos e houve novo espocar de fogos: Atlético dois a zero! Ela não teve dúvidas: já podia sair do quarto e comemorar a vitória do seu Rubro-Negro!
Outro personagem interessante de que nos dá conta a História foi um certo padre que rezava missas na Igreja da Praça Ouvidor Pardinho, pertinho da Baixada.
Era, segundo relato geral, um padre sério, pacato, de hábitos severos, querido por todos e que tinha dois costumes arraigados: exigir a presença dos fiéis nas missas e se fazer presente a todos os jogos do Atlético no velho e bom Joaquim Américo.
Pois vejam só: o padre, atleticano fervoroso, não perdia nenhum jogo do Furacão na Baixada e, estando lá, se transformava num autêntico torcedor de beira de alambrado. Xingava, torcia, gritava, vibrava e comemorava todos os gols Rubro-Negros com a alegria de um coroinha em Domingo de Páscoa.
Ocorre que houve um domingo em que o trio de arbitragem resolveu atrapalhar a vida do nosso Atlético. O árbitro marcava impedimentos inexistentes, invertia faltas, intimidava nossos beques com cartões amarelos imerecidos, enfim, fazia de tudo para brecar o ímpeto vermelho e preto. O padre, vendo tudo aquilo, não agüentou: resolveu invadir o campo de jogo e nem mesmo o alambrado foi obstáculo para a fúria do vigário. Resultado: o padre acabou rasgando a batina, desagradou o Clero local e teve de ser transferido para fora de Curitiba. Tudo por amor ao Atlético!
Outra história que merece ser contada aconteceu na Faculdade de Direito de Curitiba, em 1990. Era noite de Atletiba no estádio verde. Era uma quarta-feira de chuva fina e fria em Curitiba e o jogo estava quente. Sem poder comparecer ao estádio um aluno teve de se contentar em ouvir o jogo pelo rádio e, por isso, improvisou um walk-man dentro da mochila e passou a aula inteira com a cabeça baixa sobre a carteira, com a cabeça dentro da mochila para não chamar tanta atenção.
Ao seu redor transcorria normalmente uma aula de Sociologia e ele lá com a cabeça enfiada na mochila. A professora falando maravilhas sobre Kant, Cossio, Reale e ele lá ouvindo atentamente o clássico. Estava um a zero para os verdes e, naquela altura só um milagre salvaria o Furacão.
Quando a coisa parecia perdida, exatamente aos quarenta e seis minutos do segundo tempo, foi marcada uma infração para o Atlético cobrar, pertinho da linha de fundo, um típico escanteio de mangas curtas.
Sentindo a chance de ouro o rapaz se alvoroçou sobre a carteira, fez um rápido sinal da cruz, respirou fundo, cruzou os dedos e se preparou para o milagre. Enquanto ele fazia isso tudo, a professora continuava sua preleção sociológica falando agora algo sobre axiologia ou mudança de paradigma.
Nesse mesmo instante, o Atlético se preparava para levantar a bola na área inimiga: era o último cartucho! Levantamento efetuado eis que apareceu Dirceu, de cabeça, para igualar o marcador, para salvar o Furacão e para calar os frenéticos verdes que cantavam uma vitória que não se concretizou, felizmente.
Decretado o empate, o aluno não teve dúvida: gritou gol a plenos pulmões, em plena sala de aula e saiu comemorando pelos corredores da faculdade aquele gol salvador que abriria caminho para o título paranaense que ganharíamos no domingo seguinte.
De nada adiantou a bronca da professora: ninguém foi capaz de deter aquele atleticano, em êxtase, que pulava pelos corredores como se ele mesmo tivesse feito o gol e tivesse agora de comemorar junto aos torcedores.
Outra bela história aconteceu em 1982 e envolveu o falecido jornalista Albenir Amatuzzi, um atleticano de quatro costados e que tantas contribuições legou ao nosso Furacão. Vejam só: o Albenir foi goleiro amador do Atlético e, depois, foi jornalista e editor de esportes de A Tribuna do Paraná por mais de vinte anos.
Nesses anos todos em que o Albenir esteve à frente da Tribuna seu maior sofrimento foi ver o jornal sair na cor verde, quando os verdes ganhavam o Estadual. Logo a Tribuna, sempre vermelha, sair manchada de verde, aquilo contrariava demais o nosso Amatuzzi.
Mas estávamos em pleno ano de 1982 e o Atlético, para alegria do Albenir, vinha massacrando todos os seus adversários. Sentindo o tão sonhado título paranaense se aproximar, o nosso Amatuzzi preparou, durante toda a semana que antecedeu o clássico com o Colorado, com todo o cuidado, a manchete do Atlético Campeão, manchete essa que deveria explodir em vermelho e preto na Tribuna do dia 01/11/82.
Quis o destino que, naquela mesma semana da decisão, o nosso Albenir tivesse que nos deixar, infelizmente. Quis o destino que o espetacular Amatuzzi não pudesse ver a sua manchete estampada na Tribuna do Campeonato de 1982. Ele se foi e deixou pronta a manchete, em letras garrafais, vermelhas como a vida, pretas como a morte.
Porém, amigos, um anônimo leitor, atleticano de corpo e de alma, prestou ao nosso Albenir uma justa homenagem. No Dia de Finados, um dia depois de a Tribuna ter ido às bancas, esse torcedor recortou a página do jornal que estampava a manchete “Atlético Campeão” e pregou-a no túmulo do amigo que jamais conhecera. Coisa de atleticano!
Finalmente, amigos, tenho a contar para vocês a história de um menino de seis anos de idade. O ano também era 1982. Esse menino tinha como melhor amigo seu avô, uma extraordinária figura humana que só não era perfeito porque torcia pelo time verde.
Pois então: esse avô coxa-branca era o ídolo do menino e o garoto queria ser, em tudo, parecido com o seu avô. Aonde o avô ia ele ia atrás, o que o avô fazia ele também queria fazer e foi por toda essa admiração que o menino se tornou fã de futebol, desses de não perder um só jogo, um só programa de rádio, uma só linha que fosse escrita nos jornais, um torcedor em tempo integral.
E foi justamente com seu avô que o menino aprendeu todas as coisas do futebol. Aprendeu o que era lateral, pênalti, escanteio, defesa parcial, impedimento, gol olímpico, tudo, tudo o que vocês possam imaginar, tudo mesmo!
Mas como o ano era 1982, o menino se tornou atleticano, para desgosto de seu avô, mas como eu disse no início dessa crônica: “…O amor não se explica, tampouco se compreende…”, assim escreveu o destino e pronto.
Nos dias de Atletiba, era até engraçado: os dois ouviam juntos o jogo, vibravam cada um a seu modo e pelo seu time e, no final, tudo acabava em festa, independente do resultado do jogo. Quem ganhasse tirava lá sua casquinha, quem perdesse tinha de aturar as gozações do outro e toda essa magia durou até 1989 quando Deus resolveu chamar aquele vovô para morar no Céu eternamente. De fato, os anjos não podem habitar para sempre esse nosso mundo tão complicado.
E esse menino, amigos, sou eu. Eu que há vinte e dois anos torço pelo querido Atlético Paranaense, eu que tantas emoções já vivi com esse nosso querido Rubro-Negro. Esse menino sou eu e, embora já tenha crescido o bastante, ainda vibro com cada gol do Atlético com a mesma intensidade que vibrava em 1982, com a mesma emoção que sentia nos dias inesquecíveis da minha infância.
O Atlético foi para mim uma grande escola de vida, pois com ele aprendi a vencer, a perder e aprendi que tudo isso faz parte do futebol, faz parte do esporte e faz parte da vida. Com o Atlético eu aprendi que a luta é a maior razão de se viver e aprendi que a esperança é a fé que move os guerreiros na dura batalha. Com o Atlético eu aprendi a ver poesia em todas as coisas que existem.
Curiosamente, agora que estou quase terminando essa crônica, resolvi olhar pela janela do meu escritório. Nesse exato momento o sol vai morrendo no horizonte, vai queimando lentamente o espinhaço das montanhas e vai deixando uma enorme faixa vermelha no céu. Aos poucos uma faixa negra trazida pela noite vai se juntando ao vermelho desenhado pelo sol e, definitivamente unidas, essas duas cores enchem de vermelho e preto a minha vida e tomam conta do anoitecer de Curitiba, para sempre!