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1 set 2006 - 13h40

Jeca tatu II

No dia 07/08/06, em sua coluna diária da Tribuna do Paraná, o Sr. Mafuz escreveu: “Marcos Aurélio. Quando vi aquele pedacinho de gente, desse tamanhinho, com o corpinho de personagem saída de estórias de Jeca Tatu (Monteiro Lobato), confesso que ao invés de esperança, senti constrangimento. Uma espécie de vergonha.”

Na edição do dia 31/08/06, do mesmo jornal, ele o chama de pequeno e grandioso. É pouco. Devia ter ido mais longe ao falar sobre as qualidades desse menino que vai nos dar muitas alegrias. Mas, o Sr. Mafuz tem o seu espaço diário no excelente jornal TRIBUNA DO PARANÁ. Pode reparar o erro que cometeu.

Engraçado, como o cronista é impiedoso com o erro dos outros e extremamente complacente com os próprios erros. É como uma pena servindo a dois senhores. Resta saber qual dos dois senhores está com a razão. Há algum tempo, eu acreditava em quase tudo que o Sr. Mafuz escrevia. Hoje, tenho muitas reservas e procuro analisar, detidamente, o quê, ele realmente quer dizer com seus escritos.

Espero que o nosso Marcos Aurélio nunca deixe de ser o nosso Jeca Tatu, brilhantíssimo, rápido, envolvente, corajoso, o nosso “pequeno que resolve.” O irritante Dagoberto era um ótimo Jeca Tatu de Dois Vizinhos. Quando começou a espetar cabelos e ficar “mascarado”, deu no que deu. Marcos Aurélio, com seu jeito simples, sua forma de jogar, está conquistando dia-a-dia, a vaga de ídolo na galeria atleticana. O que se espera desse menino é que ele não fique “mascarado”, que continue conquistando a sua vaga diariamente, com muito trabalho, dedicação e humildade.

No Brasil há um cultura estranha no meio dos “boleiros.” Quando os meninos, que na maioria das vezes vêm de famílias pobres, desestruturadas, começam a despontar para o futebol, começam a ganhar alguns “trocados” a mais, pronto, abre-se a temporada da caça. Surgem os corretores de plantão. A caravana começa a bater nas portas desses deslumbrados meninos. Os lobos oferecem-lhes tênis novinho de marca, carro novo, jet-ski, mulheres loiras, lindas e popozudas, e muitas vezes, os próprios jogadores do time em que jogam, os mais velhos, sentindo-se ameaçados pelos meninos que chegam, incitam-lhes a percorrer o caminho inverso do sucesso, incitam-lhes a “entrar nessa onda, estar ligado.”

No bairro em que vivo, vivia um menino que jogou no Corinthians, na época da democracia corintiana. Era um excelente time e esse menino jogava muita bola, era bom mesmo, mas, geneticamente havia herdado a doença do alcoolismo. Já tivera um irmão que fizera muito sucesso no futebol, mas enterrara-se na “cachaça.” Pois bem, esse menino, que era titular, muitas vezes era o encarregado de levar drogas ilícitas para dentro das concentrações. Ele era o estafeta do pessoal da pesada. Bebeu muito esse menino, e viu-se um dia, completamente abandonado, tornou-se um mendigo da cachaça. Nos últimos tempos vivia apanhando de bar em bar. Acabou-se o futebol e acabou-se o menino. Não soube mais notícias dele.

Mas, arrepia-me o fato de que esse menino passou pela minha vida, tive a oportunidade de ajudá-lo, e não consegui ajudá-lo, porque eu também desconhecia o fato principal: Alcoolismo é uma doença progressiva, incurável, mas que pode ser detida. Garanto que o próprio time do Corinthians desconhecia esse fato, não o ajudou corretamente.

Por que estou dando tantas voltas, falando sobre a nossa grande esperança depositada no Marcos Aurélio, falando sobre o artigo preconceituoso do Mafuz, ao deparar-se com um tipo diferente do normal, qualificando-o pejorativamente como um ser inferior, capaz de causar vergonha aos olhos de quem o vê, porque estaria eu dando essas voltas?

Porque nós, seres humanos somos assim, preconceituosos diante do diferente. Marcos Aurélio não tem o padrão normal de um ariano, de um menino alto, loiro, olhos azuis, assim como o Gabiru, o Romário e tantos outros não tinham esse padrão desejado dos times e comentaristas do sul do nosso país. Mas, o Marcos Aurélio tem muita bola nos pés. É um ser privilegiado pelo Poder Superior.

Ontem ouvi uma entrevista no Jornal do Terra Esportes, com o jogador Rosembrick. Uma história muito linda. Ele declarou-se um alcoólatra que conseguiu dar a volta por cima após muito sofrimento. Vale a pena conhecer a reportagem saída no Jornal Terra de ontem sobre o Rosembrick. Penso que todos os dirigentes de futebol deveriam ter acesso a essa entrevista. Foi uma matéria muito bonita e cheia de significados.

Muitas vezes, o jogador de futebol é visto como uma mercadoria, simplesmente uma mercadoria, que ao menor sinal de desgaste, joga-se fora. Não se procura ver todo o contexto que o envolve. Muitas das vezes, uma simples intervenção daqueles que têm o poder, pode melhorar a qualidade de vida daquele atleta sofredor, que não sabe o que está se passando com ele, que nem ao menos sabe que está doente, não sabe nem de qual doença está sofrendo.

E o pior, através do conceito engendrado por Adam Smith, o clube agindo assim, está perdendo muito dinheiro. Nos EUA, muitas empresas estão indo atrás de executivos, alcoólatras em fase de recuperação, homens que perderam status por causa do alcoolismo, porque os americanos sabem que por trás daquele portador da doença, há sempre um homem de muito talento, um ótimo executivo. É muito melhor pegar um alcoólatra em recuperação, que correr o risco de admitir um bom executivo que seja alcoólatra, não saiba que seja alcoólatra e mais tarde a doença se manifeste. Tanto isso é verdade que muitas multinacionais estão criando e mantendo clínicas de recuperação de alcoólatras. É muito melhor tratar esse pessoal, sai mais barato, é mais lucrativo para as multinacionais.

Quantos alcoólatras temos no meio futebolístico? Quantos boleiros têm a doença do alcoolismo? Quantos sabem que alcoolismo é uma doença que pode ser tratada? Quantos dirigentes sabem disso? Quantos meninos das categorias de base sabem disso?

É preciso mudar essa cultura. Jogador de futebol quando começa a fazer sucesso não precisa de tênis novo, de carro novo e de nenhuma loira bonita e “popozuda.” Também não precisa “espetar”, pintar o cabelo de vermelho, amarelo, azul ou qualquer cor que possa a sua vã consciência imaginar.

Esses fatores externos têm sido os grandes obstáculos enfrentados por esses pobres meninos que tiveram a sorte (ou azar?) de terem sido premiados por Deus, por um dom tão bonito como é o de saber jogar futebol, mas, infelizmente não sabem lidar com isso.

Assim como o Marcos Aurélio está despontando para uma vida de sucesso, talvez logo ele vá embora, talvez seja vendido por um “saco de dinheiro”, outros também estão na fila para despontar, e têm uma vida toda destinada a ser feliz, a ganhar muito dinheiro, a ter saúde, a de ser portador de um dom que leva alegrias a muita gente que ama o futebol e ama o Clube Atlético Paranaense, assim como eu, SE (bem em alto relevo), se tomarem muito cuidado com todas essas “pepitas de ouro” que serão colocadas aos seus olhos. Muitas dessas pepitas, são as chamadas “pepitas dos tolos”, ou o “ouro dos tolos.”

Aí entra o papel do clube, da agremiação, de toda a equipe de planejamento do clube. Tenho absoluta certeza que, além do lado social, ético, humanista, há o lado empresarial, porque há muito dinheiro em jogo, muito dinheiro se pode perder ou ganhar, negligenciando esse fator. Aos dirigentes que ainda não acordaram para isso, correm o risco de perder muito dinheiro. Mas, acima de tudo isso, há o lado social, o lado ético da coisa. Um jogador de futebol nunca pode ser visto apenas uma mercadoria de prateleira.



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