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9 abr 2007 - 14h32

Coisas do destino

Eu tinha ainda um pouco de dinheiro no bolso, sobra da venda de um canário-terra, pego em alçapão há dias atrás; o amigo Laertes tinha duas moedas que ganhou com uma engraxada de sapato, e o mano Mário… bem, este já estava numa situação pior, pois a venda de dolé em dia frio não havia surtido lucro, então fizemos uma “vaquinha” em dois e bancamos uma king-cola, que bebemos em sociedade no bar do seu Nico.

Não que gostássemos daquele refrigerante, até porque era horrível: tinha gosto de capilé. Na verdade, nós estávamos encafifados mesmo era com os prêmios da “Caravela Premiada” que vinha nas “champinhas”. Era muito difícil ganhar um brinquedo bom naquela promoção, até porque não era sempre que tínhamos algumas moedas disponíveis para aquele luxo e quando as tínhamos, nós preferíamos mesmo era chocomilk.

Não havia jeito, aquela já era a terceira king-cola que bebemos no mês e não conseguimos nem ao menos uma tampinha premiada com “VALE OUTRA GRÁTIS”, que dirá o prêmio principal que estávamos perseguindo há um bom tempo: uma bola oficial de capotão de trinta e dois gomos.

Um menino lá da escola, filho do dono de um mercadinho, chegou a tirar uma “champinha” dessas onde estava escrito “VALE UMA BOLA”. O piá alegou que o prêmio foi resultado das várias king-colas que bebia durante o dia, em sua própria casa, mas a história que corria na região já dizia ao contrário: parece que o negociante, proprietário do estabelecimento, lograva a piazada trocando as tampinhas premiadas por tampinhas em branco, quando na abertura das garrafinhas. Os compradores, inocentes com a situação ou quem sabe até com medo do homem, não recorriam ao prêmio que lhes era merecido.

Nunca soube se este fato era verdadeiro ou era somente uma desculpa pela decepção de não ganhar alguma coisa naquela promoção. Eu particularmente, desconfiado pelos boatos, quando nas compras do refrigerante naquele mercado, levava a garrafinha para fora da venda e retirava a “champinha” nos dentes, pois só assim tinha plena certeza de garantir a legitimidade.

O amigo Laertes já evitava esta habilidade, pois, desfavorecido por alguns dentes cariados, abria a garrafa com um pequeno canivete “cego” que carregava no bolso do calção, isto, quando não granava o olho em cima das ágeis mãos do comerciante, para evitar uma suposta troca.

Se bem que freqüentávamos pouco aquele armazém. Nós só nos iludimos de comprar naquele lugar porque pensávamos que os prêmios melhores poderiam estar por lá, já que era o maior estabelecimento da região.

Outro detalhe é que o seu Nico, dono do barzinho perto de casa, nem sempre tinha o refrigerante disponível. Seu estoque era pequeno devido ao pouco espaço do seu estabelecimento, além do que, o pedido de bebidas que ele recebia se esgotava facilmente devido ao sucesso daquela que foi uma das maiores coqueluches de minha época: a “caravela premiada dos refrigerantes king-cola”.

Eu não cheguei a ver a tal tampinha que o filho do homem do mercado afirmava ter, mas meu irmão Mário jurou de pés juntos que a viu. Parece que até tentou uma troca por uma gaitinha de boca e um par de meias de jogador, ganhos de sua madrinha há dois aniversários passados. Minha mãe ainda colaborou, costurando uma daquelas meias que estava rasgada nos dedos, mas a gaitinha, o outro objeto de barganha, não ajudava muito como valor de troca: além de estar toda amassada, ainda lhe faltavam algumas palhetas.

O pai do menino, o “suposto” dono da bola, para não nos desagradar, ou quem sabe até, com intenção de acobertar uma mentira, alegou que o filho já tinha meias de jogador e que não tinha vocação artística para tocar instrumentos musicais. Não houve então, por estes motivos, um meio de acerto que pudesse nos favorecer.

Naquela época, era muito difícil juntar dinheiro para comprar alguma coisa, até porque a condição financeira de nossos pais era lastimável. Certa vez, até tentei fazer uma economia juntamente com o mano Mário, e quando tínhamos guardado dentro de um “porquinho do Banestado”, quase a metade do valor de uma bola de capotão oficial, tivemos que ceder para uma ajuda de emergência em nossa casa. O auxílio era justificável, pois morávamos em casa alheia e o aluguel estava vencido já fazia mais de três meses.

Nunca julguei que a minha sorte fosse madrasta, pois eu entendia a dificuldade da família para ganhar o sustento e pagar as contas em dia, tanto que sempre que tinha condições e algumas moedas guardadas, eu as cedia para uma ajuda caseira.

Não era de me entregar, e por mais distante que pudesse estar a realização dos meus sonhos, eu o perseguia. A esperança em meu coração fazia sempre a base das minhas pequenas conquistas.

Em momento algum de minha trajetória como menino, foi preciso tomar alguma coisa de quem quer que fosse, já que o trabalho naqueles tempos sempre foi farto. Era um corte de lenha picada que vendia, era rolo de passarinho com os criadores da região, era dolé em caixa de isopor, era marmita para entregar em firmas… enfim, trabalho e vontade de executá-lo, no meu caso, sempre caminharam juntos. Isto não era regra de antigamente, não se enganem, isto é regra até os dias de hoje, e por mais que eu escute que os jovens modernos não tenham oportunidade de trabalho, vou sempre ignorar.

Boa parte da juventude de hoje em dia se deslumbra com extrema facilidade e acha que tem o direito de querer tudo sem ao menos se esforçar um pouco. Estão sempre reclamando e se achando melhor que todo mundo, têm inclusive vergonha do jeito humilde de seus pais e passam a corrigi-los com a sua forma e seu linguajar “moderno”, mas esquecem que são eles com muito esforço que bancam as suas extravagâncias. E então, quando não conseguem que os outros lhe dêem aquilo que querem, se atiram no submundo e acham que estão fazendo grande coisa. Coitados…

A esperança de poder um dia adquirir uma bola de futebol se renovava, sempre que eu batalhava em busca de alguns trocados, através dos pequenos serviços que executava para a vizinhança.

O destino, às vezes, se faz sorrateiro e guarda surpresas que nos são apresentadas todos os dias, quando a gente menos espera. Naquele dia, com o auxílio de um ferro-de-capim, eu cortava e amontoava um mato rasteiro e diversificado que crescia à beira da rua ao lado da velha serraria do seu Mómi Stocco. A dona Arlete, esposa do seu Rubens Ribeiro, tinha uma criação grande de coelhos e me pagava alguns trocados pela colheita daquele pasto. Os bichos adoravam a mistura de língua-de-vaca, azevém e capim-limão que aflorava por ali.

Já tinha amontoado à beira da cerca uma bela quantidade daquele “verde” e me preparava para a primeira baldeação, com o auxílio de uma pequena carriola, quando fui interpelado por um rapaz de boa aparência, chapéu quebrado na testa e bigodes longos, que por ali passava. Sujeito diferente, jamais o tinha visto circulando em nosso bairro.

O homem, apresentando-se com o nome de Barcímio e trajando uma roupa típica de pescador, perguntava a respeito de uma borracharia, pois o jipe ali estacionado, com um feixe de catueiros em cima amarrados, precisava de conserto em um dos pneus que houvera furado.

Ali surgiam pessoas estranhas todos os dias, pois era caminho de pescadores, já que o rio Cambuí, rio Verde e a represa da Barragem se tornaram naquela região ótimos lugares para a prática da pesca, atraindo com isso gente de todos os lugares.

Coisa difícil por aqueles arredores era encontrar uma borracharia, até porque, naquelas estradas de macadame, a maioria das pessoas ainda utilizava-se de carroça, salvo os operários das firmas de cerâmica que usavam bicicletas. Esvaziei o carrinho-de-mão, que no momento já estava até a boca de capim, dei espaço ao pneu furado, e juntamente com aquele homem, levamos até a oficina de “magrelas” que o seu Vaizinho Soares mantinha em um pequeno paiol, nos fundos de sua casa.

Não foram poucas as coisas que aquele homem estranho me perguntou pelo caminho, a respeito da vida que eu levava naquele pedaço de interior e dos motivos que me forçavam a ser, desde pequeno, um menino trabalhador. Lembro-me o quanto ele reforçou sobre a importância de nunca desistir dos estudos e sempre almejar uma meta que me trouxesse felicidade.

Já na porta da oficina de bicicletas, enquanto esperávamos o reparo do pneu, mostrei ao homem o nosso pequeno “campo de cepilho”, forrado com a serragem que o seu Mómi doava quando sobrava da velha serraria.

Campo este, abandonado há um certo tempo, por não conseguirmos juntamente com os meninos comprar uma bola de capotão, já que as cercas de arame farpado que contornavam aquele espaço foram as grandes responsáveis pela perda da nossa última bola de borracha dente-de-leite, ganha ainda na eleição passada, por um homem que se dizia candidato a vereador.

O conserto demorou um pouco, devido a oficina não ser um local específico para aquele tipo de reparo, mas o seu Vaizinho, demostrando boa vontade e competência, resolveu o problema, tanto que seu esforço rendeu pagamento dobrado e ainda teve gorjeta.

Para minha surpresa, o “frete” do pneu em minha pequena carriola e a dica pela oficina de bicicletas valeram como presente, uma linda camisa de futebol vermelha e preta e uma bola de futebol em estado de nova, que o homem, sabe-se lá por que, carregava na traseira daquele jipe.

Aquilo, para mim, foi algo inesquecível, já que presente era difícil ganhar mesmo em época de Natal, que dirá ganhar de uma pessoa estranha a tão sonhada bola oficial de capotão de trinta e dois gomos.

Despedimo-nos com um longo aceno e um obrigado mútuo, os quais foram se dispersando através da poeira que o jipe deixou, sumindo nos cafundós daquela estrada de terra em direção aos rios da região.

Foi só com o passar do tempo é que pude entender que aquela bola, além da importância que teve para a minha infância, se tratou de um dos presentes de maior valor sentimental que já ganhei em minha vida; e foi somente depois de me envolver ainda mais com a paixão por aquele time de futebol estampado no escudo daquela camisa vermelha e preta que pude também compreender por que um pescador chamado Barcímio autografou aqueles presentes com o nome de Sicupira.

Hoje eu sei que aquele cidadão de bigodes longos, jeito simples e humilde, que me brindou com a tão sonhada bola de capotão oficial e uma camisa rubro-negra de lambuja, aproveitando com certeza um dia de folga, se tratava de Barcímio Sicupira Junior, o maior jogador e artilheiro que já chegou a defender o Clube Atlético Paranaense, em todos os tempos…

Sendo então, a partir daquela data, até os dias de hoje e para sempre… o meu time do coração.



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