Violência
O homem moderno, livre dos grandes conflitos mundiais há mais de sessenta anos, busca sua própria guerra no dia a dia; e faz isso com muita naturalidade!
Não me refiro a eventos como o 11 de setembro; guerras entre gangs, e outros que, apesar de nos deixarem boquiabertos frente à estupidez humana, sabemos que por tráz de tudo isso, tem alguém ganhando nas costas dos idiotas e incautos que matam e morrem!
Refiro-me a pessoas do nosso dia a dia; gente como você e eu, cordatos e pacíficos, criados num regime tradicional, calcado nos mais comezinhos preceitos da boa educação e respeito mútuo, que viram bicho irracional quando o assunto é futebol.
Sou de uma época que não existiam cercas entre as torcidas. Míope de nascença e fã incondicional do nosso querido Bocão, o Nilson Borges, assistia um tempo em cada lado do campo, pra não perder nenhuma passada do pé esquerdo sobre a bola em plena corrida, e apreciar o invariável tombo do lateral, especialmente se esse fosse o boçal Hermes!
Nessa época o opala quatro portas, 73, encostava cedo no boteco da S. Quitéria, e chegava no Joaquim Américo uma hora antes do jogo, lotado com tudo que havia lá: atleticanos; coxas; bocas; aguaverdeanos e o diabo a quatro, e muitas vêzes com bandeiras adversárias tremulando ao vento, uma de cada lado!
Terminado o jogo, voltava toda aquela currióla pro boteco, e só saiam de lá depois de secar a última antárctica, sempre paga pelo perdedor da aposta, ou quando o dono, seu Agostinho, baixava as portas e tocava todo mundo pra casa!
Estas tardes/noites de domingo geravam assunto e gozação pra semana inteira, recomeçando tudo no domingo seguinte.
Hoje tudo mudou! Torcidas contrárias afastadas e isoladas por cercas, muros e cordão policial, fazem a estupidez e a barbárie eclodirem no trãnsito ou dentro dos ônibus, com depredação do patrimônio público, prejuízos materiais, ferimentos e até mortes; verdadeira selvageria!
Jogos de uma torcida só, verdadeiros absurdos quando surgiram as primeiras sugestões, já são realidade!
Vez ou outra, preocupado com sua segurança, assisto o jogo com meu filho de 15 anos nas cadeiras da Buenos Aires!
Ou melhor, não assisto o jogo; sou obrigado a ficar de pé todo o tempo sobre a cadeira (se pelo menos fosse sobre o cimento), danificando o patrimônio do clube, e vendo muito pouco do espetáculo!
Uma vez apenas consegui convencer o meu moderno atleticano a assistir o jogo na Getúlio Vargas; o berreiro foi um só: ‘nunca mais volto lá! Só tem velho naquela m…; vocês vêm assistir o jogo; e nós, viemos aqui pra torcer pelo Atlético’!, e por aí o bichinho vai desfiando suas verdades e convicções!
Outrora tratados como verdadeiros deuses, ex-jogadores viram da noite pro dia mercenários e pernas de pau; dia desses atrevi-me a elogiar uma jogada do Kleberson pelo flamengo! – A resposta veio na hora: ‘Só jogou alguma coisa aqui. Trata-se de um perna de pau e enganador.
A sentença é a mesma pra todos, inclusive para o até então intocável Washington: ‘Não passa de um pipoqueiro’!
Estou triste! A cada dia convenço-me mais de que o futebol perdeu definitivamente sua poesia, e perde gradativamente sua arte!
Devo estar muito velho pra freqüentar arenas onde pretensos gladiadores de olho em janelas para a Europa, deixam sua única função, a luta e o sangue, para seus espectadores e seus irresponsáveis insufladores!