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5 jun 2009 - 22h49

O dia em que os elefantes voaram

Caminho pelas ruas, de olhos baixos, na absurda tentativa de encontrar pegadas que me conduzam ao passado. Esforço inútil: não há pegadas nas calçadas, pois todas as marcas ficam gravadas no coração. Fui feliz no passado, nos tempos de criança. Existe infância humilde, não existe infância pobre. Fui feliz no passado, mas a vida é sempre em frente.

Para um menino ser feliz, bastam sonhos, meia dúzia de amigos, tênis surrados, calções e camisas rotas – desde que sejam do time que faz bater forte o coração. Tijolos no lugar das traves, um campinho qualquer e a bola, primeira e fiel companheira da vida inteira. Pai, Mãe, Irmão. Um avô maluco por futebol, que não necessariamente torça pelo mesmo time do menino, e amor, sem o quê não se faz nada de especial nesta vida. Tive isso tudo. Fui feliz.

Era 1982. Na Avenida Iguaçu, a poucos metros da esquina com a Rua Pasteur, havia uma loja de roupas cuja proprietária era uma simpática chinesa. Minha avó era cliente especialíssima, vivia por lá. Duas vezes por semana, pelo menos, cabiam ao meu avô as funções de motorista e marido: aquela para conduzir a esposa até a loja, esta para lhe dizer se as roupas adquiridas estavam dentro dos padrões éticos e estéticos vigentes para a época.

Inúmeras vezes acompanhei meu avós nessas jornadas. Meu avô estacionava o carro, a vó entrava na loja e ele fumava, para fazer hora, enquanto falávamos sobre futebol. Certa ocasião, minha avó alertou que a compra iria se estender mais do que o normal e recomendou ao vô que me levasse à Baixada. Ouvi a vó propor isso e quase não acreditei: eu iria, pela primeira vez, ver a Baixada. Com olhos de súplica, procurei meu avô e ele – coxa-branca doente – aceitou me levar. Sem amor, não se faz nada de especial nesta vida.

Descemos a Pasteur, contornamos o estádio e de repente estávamos diante do portão principal do velho e acanhado Joaquim Américo. Era uma das últimas tardes do verão de 1982. Um circo anunciava por ali seus espetáculos e por isso havia dois elefantes a passear pelas cercanias da Baixada. O sol inundava tudo e a Baixada estava, enfim, diante e dentro dos meus olhos curiosos. 1982 era ano de Copa do Mundo, da minha primeira Copa do Mundo, por isso ousei perguntar:

– Vô, vai ter Copa do Mundo algum dia aqui na Baixada?

Meu avô, grande sarrista, apontou para os dois elefantes e me respondeu:

– Finha, Copa do Mundo, aqui na Baixada, só quando os elefantes voarem!

Domingo, 31 de maio de 2009. Eu, na companhia de grandes amigos, estava na Arena da Baixada aguardando o anúncio das cidades brasileiras que receberiam a Copa do Mundo de 2014. A certeza de a Arena da Baixada ser indicada se misturava à minha ansiedade, esta tantas e tantas vezes vivida nos meus últimos 27 anos por conta do Clube Atlético Paranaense.

No telão, apareciam os figurões da FIFA e da CBF. Nervoso, acendi um cigarro. O amigo Ricardo Barrionuevo me estendeu um copo de chopp. De olhos baixos, concentrei-me no áudio que, a certa altura, anunciou Curitiba como uma das cidades escolhidas. A torcida explodiu em uníssono: “Uh! Caldeirão Uh! Caldeirão!”: a Baixada seria um dos palcos do Mundial de 2014!

Abracei os amigos que me cercavam e me distanciei do grupo. Fui caminhar pela Buenos Aires, de olhos baixos, na absurda tentativa de encontrar pegadas que me conduzissem ao passado. Esforço inútil: não há pegadas nas calçadas, pois todas as marcas ficam gravadas no coração. Ao me ver sozinho, um amigo se aproximou, perguntando:

– E aí, Rafael, a Copa é nossa! O que é que você me diz?

E eu, de olhos marejados, respondi:

– Os elefantes voaram, amigo! Os elefantes voaram!

O bom amigo não entendeu nada. Há coisas que só a gente entende. Para um menino ser feliz, bastam sonhos, meia dúzia de amigos, tênis surrados, calções e camisas rotas – desde que sejam do time que faz bater forte o coração. Tijolos no lugar das traves, um campinho qualquer e a bola, primeira e fiel companheira da vida inteira. Pai, Mãe, Irmão. Um avô maluco por futebol, que não necessariamente torça pelo mesmo time do menino, e amor, sem o quê não se faz nada de especial nesta vida. Tive e tenho isso tudo. Fui e sou imensamente feliz.

Dedico esta coluna à memória do meu avô, Félix Pedro. Aos amigos com quem compartilho tantas alegrias e tristezas e a Mário Celso Petraglia, meu amigo, por ter feito voar os elefantes, sem saber que era impossível!



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