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18 jun 2009 - 8h22

Caminho dos Índios

Todo processo de aculturação é deveras pernicioso ao país atingido, não importando de que maneira se sucedeu, se a convite, imposição alheia ou alienação própria. Embora poucos percebam, ocorre significativamente um aviltamento aos costumes e tradições locais, nunca sem um véu a cobri-lo, contemporaneamente figurado na justificação da “modernidade” que a globalização requer, ou seja, tudo, mas tudo mesmo em nome dela.

Um típico exemplo verifica-se nos campos da arte musical, no qual a história vem sendo paulatinamente suprimida pelos modismos da hora: o gueto ocupou os quilombos, a “saudosa maloca querida” sofreu denúncia vazia para alugarem nossos châteaus aos hip hops da vida, o detrimento do samba carioca, da MPB, do choro e da bossa nova, da mescla erudita de Villa Lobos, do axé, do sertanejo de raiz, das canções agalopada e nativa, do bom e velho rock de garagem nacional, ritmos todos que ficaram na mídia relegados a um segundo plano, em prol de funk, rap, techno, acid jazz, rave…enfim, ramificações provenientes da ressurreição do tush-tush, outrora postado pelo italiano Giorgio, sob o codinome “disco music”, a “música” feita por sintetizadores, objetiva e exclusivamente destinada para o consumo, portanto de cunho descartável. Para mim, não mais que barulho, e dos piores.

Esta forçada transformação, a aniquilação do “nosso”, nos mais variados setores da sociedade tupiniquim, hoje nos faz sentir saudades daqueles tempos, ante as inúmeras consequências que dela advieram, não sem aviso, posto que restam algumas pessoas neste país que ainda entendem que ele deva ser concebido como nação. Estas possuem então o dever de transmitir aos distraídos ou displicentes aquilo que perceberam, embora apenas a título de informação, pois é extremamente difícil conscientizar as milhares de “pessoas prontas” que habitam teimosamente em nosso cotidiano. Nunca é tarde.

Recortando, o futebol é um dos mais claros exemplos deste processo, haja vista tudo aquilo que presenciamos nas três últimas décadas. Longe de qualquer forma de ufanismo, os homens que comandaram este desporto de lá para cá, literalmente saíram à noite mundial com a brasilidade no bolso, ingenuamente achando que ela não fosse logo ser assaltada. A cultuação ao estrangeirismo, o louvor às “qualidades” do importado, fizeram da nossa entregue gente reféns dos próprios caminhos, dirimindo as coisas do Brasil, qualificando-as como se fossem “menores”, diante da adoção paradigmática da valoração pelo “tamanho”. Era o Consenso de Washington manifestando-se nas veias abertas da América Latina feito bolha assassina, como não poderia deixar de ser, também afetando profundamente os campos do futebol. O mundo, não era aqui.

Em meados da década de 80, os futebolistas brasileiros resolveram adotar o estilo europeu de jugo (uai), justamente em razão desta aculturação. Sua principal característica, a marcação, devia ser incorporada ao nosso modo peculiar e jeitoso, nossa intimidade no tratamento para com a bola, criando esquemas “ideais” para as competições, muito em função do modelo que deveríamos seguir, não em razão do que eles não conseguiam executar. Ou seja, o homem interferindo na natureza do próprio homem. Não seríamos modernos se não os acompanhássemos, afinal são sociedades de primeiro mundo, não é mesmo. Decerto, sabem muito bem o que é certo. Obedeçamos então aos seus ditames.

Ao contrário, isto acarretou numa verdadeira involução. Suprimiram-se os tradicionais pontas (esquerda e direita), colocou-se um homem a mais na zaga, lotado o meio campo, relevando a poli-valência dos atletas. Do saudoso 4-3-3 passamos sucessivamente aos famigerados 4-4-2, 3-5-2, 5-4-1. A tendência é chegar no 7-3-0. Obstando o próprio sentido do esporte, priorizou-se o sistema defensivo. As escolas formadoras então passaram a adotar a nova cartilha, tão em voga no mundo atual. Futebol, mas feio.

No Brasil, também em virtude de questão geográfica, a escola gaúcha se ‘sobressaiu’, caracterizada pela forte marcação, posicionamento recuado, jogando atrás, à frente só na base dos contra-ataques. “Professores” como Felipão, Tite, Mano Menezes, Celso Roth, Ivo Wortmann, Bonamigo, ainda tem respeito no cenário nacional por serem considerados treinadores “modernos”, tal a conduta retranqueira que implementam em seus clubes por onde passam, respingando na cabeça oca dos técnicos vazios, solidários ao esquema passivo. Estado fronteiriço dos maiores eventuais “inimigos” sul-americanos, o Rio Grande do Sul historicamente foi tomado pelo seu espírito de defesa, não só de seu povo, mas também pelo bem estratégico da segurança nacional. Não é a toa que da pampa ascenderam-se vários militares à Presidência da República. Até por influência migratória, foi considerado o estado mais europeu do país: melhor lugar para implantação desta filosofia defensiva, não houve.

Então as escolinhas lecionavam a novidade. Times como o Flamengo de Zico e a seleção de Telê de 1982 foram sendo teoricamente ultrapassados pelo Botafogo de Alemão, pelo Inter de Dunga ou pelo Grêmio de Emerson, e pela cirandinha de mãos dadas de Parreira. Os zagueiros foram bitolados a só se defender. A jogarem sempre e dependentemente em trio, com o popular “um na sobra”. Ai daquele beque que ousasse descambar para o ataque durante a posse de bola. Mas passaram a ser considerados ótimos, pois regularmente marcavam gols de cabeça nas bolas paradas, mascarando sempre a falta de habilidade com os pés, pois desaprenderam. Além, claro, da virtualidade numérica da barreira humana formada, fortaleza protetora de nossas redes contra os inimigos, tal qual era no Medievo, como se jogos de futebol não passassem de Cruzadas. Adeus aos fundamentos, viva às regras (determinação, esquemão do “professor”).

Extinguiu-se o remoto “cabeça de área”, o xerifão do time, este agora passando a trabalhar em mesmo grau de hierarquia com seu ajudante: a função de um delegado passou para dois agentes, hoje conhecidos como dois volantes, que não passam de exclusivos defensores, mal sabem sair jogando. No cúmulo da exigência do preparo físico, inventaram os “alas”, a lançarem-se pelos corredores laterais em apoio ao ataque. Hoje são os que mais correm nas equipes, para cima e para baixo, com direção mas sem sentido algum. Trouxeram os centroavantes natos para buscar jogo no meio campo, jogando de costas pela ausência dos pontas para triangulações. Meias: cuidado com os riscos de suas habilidades. E fizeram dos goleiros copiadores do antigo futsal, pois só saem debaixo das traves quando o jogo acaba. Raríssimo hoje em dia é ver algum goleiro na sua grande área (fora dela, impossível, como se fosse proibido), interceptando cruzamentos, antecipando lançamentos, dividindo com atacantes. Gols, só chutar quando estiver dentro da pequena área. Joguem-se ao chão, pode virar pênalti : tática, moderna. Treinamentos priorizam o físico, anulam a categoria. A força de Julio Batista supera a leveza de Kleberson.

Quem não obedecesse às novas lições, estaria reprovado no mundo da bola, agora globalizado em nome da modernização. Limitações funcionais impostas obrigatoriamente aos atletas, desde a sua formação nas categorias de base, anulando a principal característica do jogador brasileiro: a virtuose. A graça, a leveza, o improviso, ou como queiram chamar. Esta última geração cresceu sob a égide da era Dunga, fomentada, além da gauchada já mencionada, por técnicos como Lazaroni, Parreira, Zagalo, os quais sempre deixaram muito claro seu jeito retranqueiro de ser, mas nem por isto deixaram de estar em “evidência”.

Mexeram na genética do povo, uma real mutação fora do útero, que descaracterizou completamente as origens do peladeiro brasileiro, cuja riqueza podia ser apreciada pela improvisação e criatividade de inúmeros craques que brotavam dos rincões azul-anis afora. Saudade de Luis Pereira, Clodoaldo, Da Guia, Zé Roberto, Leandro, Dinamite…craques que provavelmente não se virão mais semelhantes em campo.

Tudo pela exigência do mercado. Houve de se adotar o estilo do velho continente, para mais tarde ou logo em seguida, viabilizar a demanda daquelas plagas, aquecendo a economia e o capital de giro do comércio internacional da bola. Tudo devidamente ensinado desde os graus fundamentais do “aprendizado”, visando sempre o futuro. O futuro dos empresários. Esqueceram de viver o presente e principalmente de que desprezaram o passado, época em que se viam grandes jogos, de muitos tentos, com jogadores que tinham prazer em jogar, vestindo literalmente a camisa, a comemorar calorosamente seus gols e encantar suas torcidas pela beleza do futebol apresentado: a alegria do povo. Hoje vamos aos estádios passar raiva. No gol, vem um ou dois abraçar, juntando três (amigos).

E a ideologia foi tão forte, que a maioria dos treinadores adotaram-na, preferindo não tomar gols a arriscar alguns ataques. O gol, razão una do futebol, foi preterido em função do “não levar gol”. Tornou-se tão raro tê-lo como objetivo, que todo 1×0 já justifica a substituição de um meia por mais um homem de contenção. Prova disto foi a retirada de Denis Marques em 2004 lá em Erechim, recuando o time até tomar o terceiro, e jogar fora todo um belo trabalho que vinha sendo realizado durante todo um ano, merecedor do título, abortado perante a covardia do vício da retranca, pela ilusão de que “quanto mais contenção, mais segurança”.

Assim vemos os jogos nos dias de hoje. Gente cuspindo no propósito deste esporte. Órfãos do próprio sistema empregado, vão a la Grêmio ou São Paulo, ganhando de 1×0 rumo às finais. O que interessa é os 3 pontos. Pouco importa se a “seleção” foi tetra nos pênaltis, o que vale é o caneco. Futebol bonito é besteira. Só se esquecem de um detalhe fundamental: nós, nós estamos nas arquibancadas, ou nas poltronas. Prefiro o time que perdeu de Paolo Rossi ao que “venceu” Roberto Baggio.

Seguimos então movidos pelas nossas paixões, acreditando piamente a cada novo campeonato. Mesmo tendo ciência do sistema, saímos de casa com a esperança de ver, vez em quando, quiçá mais frequentemente, o surgimento de times como o Atlético de 2001, como o Atlético de 2004. Com ousadia e coragem, tomávamos 2 mas fazíamos 5. Éramos felizes, mas não sabíamos bem por que.

Hoje assistimos nos gramados desfiles tipo parada na paulicéia, recheados de goleiros-pebolins, zagueiros-brucutus, alas-tresloucados, volantes-Dunga, meias-meia-boca e atacantes-João Bobo, comandados por técnicos-Roth. Mas o que nos move é a esperança de encontrarmos os Robertos Costa, os casais-vinte ou os Klebersons, os Fabianos, os Alexandres Mineiro, os Kléberes ou ainda os Jadsons, os Fernandinhos, os Paulos Henrique da vida.

Wallyson é um exemplo vivo disto. Que não precisaria ter ficado o ano passado inteiro a “ganhar massa muscular”. Assim com os juniores não precisariam ter esperado São João para entrar na “fogueira”. Geninho foi vítima deste processo. Mudou sua própria logia de trabalho, em virtude de não ter se dado bem nos outros times. Recuou, até tropeçar nos próprios pés. Limpou-se e saiu sem saber direito por que.

Recuperar esta brasilidade nativa, que nos proporcionou um título de atleta do século, é dever dos mandatários do futebol, cada qual no seu quadrado, dentro de sua dimensão. Mudar de filosofia, adotar a ofensividade, indo em direção ao gol do adversário, a todo tempo, é o que cabe aos operadores da bola. Esta lenda de “administrar resultados”, é a mais pura materialização do que possa significar omissão. Omissão que impede lançamentos, cruzamentos, tabelinhas, golaços…vitórias, títulos.

Afastar os mega-empresários, usurpadores da mão de obra nacional, aliados dos clubes malfadados com dirigentes mafiosos, dos juízes manipuladores de resultados, do tribunal de exceção do STJD, da confederação despótica, da provinciana e vendável mídia esportiva do sudeste, todos estes labutando de acordo com seus interesses particulares, pois as torcidas que se danem. Combatê-los é o bom combate. De que modo? Simples: é só não acreditar nos discursos. E rebelar-se contra, à sua maneira.

Jogadores são parte do povo brasileiro. Povo que precisa a devida instrução, educação e ensinamentos também sobre ética e moralidade. Algumas doses de nacionalismo não fariam mal. Um pouco de História também. Para que eles pudessem fazer parte dela. Parte da História cultural do futebol brasileiro. E não das histórias das ligas européias, que nada estão “ligando” para a gente. Ter Paulo Rink jogando na Alemanha é o mesmo que escutar um raríssimo elogio a qualquer jogador atleticano nos “bem amigos” da vida: ou seja, não vale nada para nós. Perdemos nossos referenciais: só é bom quando está lá fora ou quando é comentado no Sportv…ridículas formas de submissão.

Senão nunca mais poderemos torcer por uma seleção genuinamente brasileira. Aí aqueles que torcem pelo BraZil terão que engolir sufocos contra o Egito, como por exemplo. Porque os emigrantes da legião estrangeira não têm mais nenhuma identidade nacional. Lutam eles na Copa das Confederações, estrategicamente coladinha à próxima janela européia. Todos de olho no BraZil. Mas ninguém com sentimento brasileiro. Porque simplesmente não vivem a nossa realidade, então não estão a jogar pelo povo deste país, e sim pelo próximo contrato. E tolos aqueles que ainda torcem pelos seus desgarrados beijadores de distintivos. Se houvesse moral e ética, os brasucas deveriam ficar de fora, pois já conseguiram demais para seu pé de meia; valorizar convocando os que jogam aqui, seria no mínimo racional e simplesmente justo.

A quebra deste paradigma da globalização depende muito da reflexão de cada brasileiro. Recuperar nossas origens, recapacitar-nos pela nossa própria natureza, sem a interferência dos burocratas alienadores das coisas da Pátria.

É preciso ler o hino, saber cantá-lo. Respeitar as cores da bandeira. Valorizar nosso selo, para que nossas armas tenham força, e assim fazer com que não fujamos à luta. Lutemos por um Atlético mais Atlético e menos grêmio (filosofia de jogo). Mais Atlético e menos palmeiras (comércio). Mais Atlético e menos corinthians (transparência). Mais Atlético e menos flamengo (gestão). Mais Atlético e menos pstc (revelações). Mais Atlético e menos coxa (caráter). Mais Atlético e menos paraná clube (evolução).

Vamos buscar e reencontrar nossa verdadeira identidade. Porque o Atlético ainda somos nós. Mesmo que ainda em nossas vidas, determinados empregos ou cargos sejam ocupados sem a devida avaliação de currículos nem a recomendável realização de concursos. E mesmo que nas eleições tenhamos que ouvir os planejamentos utópicos do futuro e não os projetos concretizados no passado.

Um agente para a mudança deste paradigma, seria o voto. O problema é que os votantes não examinam corretamente as reais condições dos candidatos que lançam-se à elegibilidade. E é esta omissão do lado de cá que trava o país. Por isto Ricardo Teixeira é vitalício. Por isto parte do pré-sal já está parcialmente vendido. Por isto a Vale e as teles já foram. Por isto a corrupção, quando vai a julgamento, dorme em berço esplêndido só no “aguardando“. Por isto passats negros continuam cruzando o asfalto com velocidade de fórmula Indy. Por isto o país gambiarra as consequências, no lugar de solucionar as causas. Por isto acreditaram em chuteiras. Por isto eu falo demais.

Não votar direito faz perder o direito de ter votado bem. Por este e por outros motivos eu me recuso a tomar (ver) o “caminho das índias”. Opash e Maya não tem nada a ver comigo, muito menos com o BraSil.

Frente a frente com o mar

“Diego não conhecia o mar.
O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

– Me ajuda a olhar!”
(Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços)



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