Emanuel revela seu jogo inesquecível do Furacão
Era sábado. O sol estava tímido em Curitiba. Nada que impedisse seu Manoel de rumar à Arena da Baixada. Afinal, aquele era um dia especial. Já de uniforme, ele vê o filho se arrumando. De longe, observa que há uma luz diferente nele, que afasta qualquer nuvem do céu. Ali, não é apenas o Emanuel torcedor que está indo assistir a mais um jogo do Atlético. É o campeão olímpico de vôlei de praia que está levando sua medalha de ouro ao estádio da infância para comemorar com amigos a conquista mais importante de sua vida. É hora da homenagem da torcida do Furacão antes do duelo contra o Atlético Mineiro pelo Brasileirão de 2004, pouco mais de um mês após o paranaense subir ao lugar mais alto do pódio em Atenas.
Orgulhoso, o pai nem pensa no resultado do jogo. Claro, quer vencer. Mas a emoção de ver o filho dando a volta olímpica no estádio onde tantas vezes assistiu aos seus ídolos é maior do que qualquer placar. Porém, o Furacão não quis deixar por menos. Um, dois, três… cinco a zero ao apito final. Um desfecho vitorioso para um campeão de ouro.
“É marcante ver que as pessoas gostam de você tanto quanto você gosta delas. Para mim, o Atlético é uma entidade. Quando eu cheguei ao estádio, tive uma série de homenagens. O presidente me deu duas camisas do clube, sendo uma dourada. Estive no vestiário com o Levir (Culpi, técnico), Dagoberto, Washington. Presenciei o time que foi vice-campeão daquele ano. Foi muito emocionante”, lembrou Emanuel.
Na hora de o filho brilhar na Arena da Baixada, seu Manoel ficou esperando no camarote. Do alto, assistiu ao jogador dando volta olímpica, agradecendo o apoio da torcida, que o aplaudia. Mas, na hora do início da partida, os dois já estavam juntos, ao lado do tio e primo do campeão também. No camarote dos convidados do clube, viram a quinta vitória seguida do Furacão, que estava invicto havia 16 jogos.
O show rubro-negro começou com Jadson. O meia recebeu passe de Washington e mandou uma bomba no ângulo direito de Danrlei para abrir o placar. Pouco tempo depois, lá estava ele de novo. Com um belo drible, Jadson tirou a marcação e bateu de esquerda, um chute rasteiro que também encontrou as redes.
Bola rolando? Nada. Só picolé
Hora do intervalo, e momento das lembranças de Emanuel. O dono do ouro olímpico olhou para o meio da torcida e pensou no início de sua história com o Atlético. Imagens de gols e ídolos? Não, sorvete e pipoca aparecem em sua memória.
“Meu pai sempre gostou de me levar ao estádio, acho que desde que eu tinha 4, 5 anos. Para mim, aquilo era só pipoca, sorvete, só gostava disso. Na verdade, nem via a bola, só ficava de olho no pessoal que vendia picolé, que vinha naquelas caixas de isopor. Meu pai falava: Olha lá a bola, e eu nem aí para ela (risos)“, brincou.
Só quando estava entrando na adolescência que Emanuel começou a prestar mais atenção no campo. E por um bom motivo. O ano era 1982. No gramado, Washington e Assis voavam e aumentavam a coleção de vitórias do Furacão. Conhecida como Casal 20, a dupla de jogadores foi a responsável por tirar a atenção do menino dos isopores de guloseimas.
“Era uma época em que o Atlético estava muito bem, foi bicampeão paranaense (1982/1983). Uma fase que eu me lembro muito. A torcida pegava o jornal, picotava e fazia como se fossem uns pompons. Eu ficava louco para ir e participar, gritar: Ah, Atlético!. Lembro que jogavam também muito papel higiênico. Na hora que entrávamos no estádio, iam passando uns caras com sacos e davam um rolo para cada um. Quando o time entrava em campo, a gente desenrolava e jogava. Era muito bacana”, contou.
Cinco gols para ‘aliviar a tensão’
Depois de lembranças de infância e gritos da torcida, Emanuel começou a contar o que recordava sobre o segundo tempo do jogo contra o Atlético-MG. Ele viu a história acontecendo. Alan Bahia fez bela jogada individual e tocou para Washington, que mandou um chute rasteiro para o gol. Era o 24º em 26 jogos daquele que seria o artilheiro do Brasileirão em 2004, com 34 bolas na rede, marca inédita e imbatível até o momento.
Com 3 a 0, Emanuel começou a respirar fundo. A explicação era lógica. O campeão olímpico, que, ao lado de Ricardo, tinha derrotado os espanhois Javier Bosma e Pablo Herrera por 2 sets a 0 (21/16 e 21/15) havia pouco mais de um mês, estava nervoso, com medo de ser considerado pé-frio pela torcida do Furacão em caso de derrota do então líder do Brasileirão.
“Eu estava muito tenso no começo, me sentia pressionado. O Atlético tinha que ganhar aquele jogo. Os dois primeiros gols foram do outro lado, já os outros três foram na minha frente. Curti bastante. Todos os amigos disseram que eu tinha que ir sempre. Todo mundo gostou, disse que eu era pé-quente”, lembrou.
Para felicidade do campeão olímpico, Jadson e Denis Marques fecharam a goleada em 5 a 0. Foi aí que Emanuel olhou novamente para o pai. Uma mistura de orgulho e felicidade estavam tomando seu Manoel. No mesmo dia, ele pôde ver a vitória do time do coração e a consagração do filho. Um filme passou pela cabeça. A história voltou à década de 1960, quando o próprio Manoel chegou em Curitiba com um sonho: ser jogador de futebol.
“Não sei se muita gente sabe disso, mas meu pai é maranhense. Antes de ir morar no Paraná, foi ao Rio de Janeiro. Queria ser profissional. Fez testes no Botafogo, mas não passou. Foi para Curitiba, então. Tentou também e, enfim, conseguiu uma vaga. Mas não pôde entrar no time. Ele morava com o tio, que dizia que futebol era coisa para vagabundo, que ele estava lá só para estudar. Então, meu pai deixou o sonho de lado”, contou.
Por isso ver o filho vitorioso na Arena da Baixada deixou seu Manoel tão emocionado. Porém, Emanuel garante que o pai nunca fez pressão para que ele largasse o vôlei e fosse para os gramados.
“Desde pequeno sempre fui muito magrinho, sequinho. Tentei jogar futebol de salão, mas toda hora saía com a canela roxa. Então, meu pai viu que meu esporte não seria o futebol (risos)“, divertiu-se.
Mesmo assim, as histórias da bola no pé continuam sendo o elo entre os dois. Algo que ainda faz Emanuel se emocionar: “A grande ligação que eu tenho com o meu pai é por causa do Atlético. Uso como um jeito para ter mais aproximação dele. A gente se fala muito no telefone, mas a conversa tem que passar pelo time. É um jeito mais gostoso de ficar perto da minha família”.
Rivalidade com os flamenguistas da rede
Mesmo longe do pai e de Curitiba, Emanuel não deixa a paixão pelo Furacão diminuir. Para isso, provoca os amigos cariocas. Na rede onde treina com Alison na Praia do Leme, Zona Sul do Rio de Janeiro, o jogador colocou uma bandeira do Atlético.
“No ano passado, o Atlético ganhou duas vezes do Flamengo. Aí ficaram umas duas ou três semanas sem falar de futebol. Eles não tocavam no assunto, e eu só esperava minha deixa para pegar no pé. Sou torcedor que só gosta de brincar com o lado positivo, na boa”, garante.
E para 2011, será que o Atlético vai dar mais alegrias para Emanuel e seu Manoel? O jogador não confia tanto assim: “Não consigo ver o time como líder. Como sou esportista, vejo que tem que ter muito trabalho, estrutura e jogadores bons. O Atlético não fez aquelas contratações que fazem com que a gente confie. Tem jogadores bons, experientes, mas é praticamente a mesma formação do ano passado. Vamos torcer”.
Reportagem: Mariana Kneipp, para o GloboEsporte.com